“Uma saudação em particular à juventude da CDU, com a sua criatividade está a dar um extraordinário contributo para o esclarecimento da juventude.” Num comício que ficou marcado pelo regresso, ainda que discreto, de figuars como Carlos Carvalhas e Jerónimo de Sousa, Paulo Raimundo dedicou um elogio ao futuro: a juventude partidária do PCP. A arruada que “desaguou no Rossio”, durante a tarde de domingo — a marcar o arranque da segunda semana de campanha — reuniu pelo menos mil militantes e simpatizantes comunistas.
O Observador chegou ao Rossio a uma hora do arranque do comício, para encontrar uma praça (quase) totalmente preenchida de cadeiras brancas de plástico. Estão ocupadas apenas pelos responsáveis por montar o palco e toda a estrutura, mas a poucos metros sentam-se turistas que trocam os bancos de pedra da praça do Rossio por cadeiras de plástico enquanto abrem de forma descontraída mapas da cidade de Lisboa. Não é de esperar que fiquem para ouvir as palavras de ordem Paulo Raimundo, ou para cumprimentar Jerónimo de Sousa.
Na arruada, a CDU deu uma prova de vida. Apesar de o secretário-geral do PCP não concordar com a expressão, garantiu que “quem está a morrer” não faz “uma coisa deste tipo”, ou uma arruada daquela dimensão. “Só faz coisas deste tipo quem está com vida e com as ganas todas.” Separados por 750 metros, na Praça do Município, a organização demora mais a chegar. Faltam agora 50 minutos para o arranque do desfile de um partido que está a apostar todas as fichas nas ações de rua. Apenas estão duas carrinhas estacionadas de portas abertas que podiam passar por veículos completamente banais. Há algo que os denuncia, balões azuis gigantes a serem enchidos com letras garrafais a branco que serviam de cartão de cidadão: “CDU, PCP-PEV”.
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A realidade muda em poucos minutos e começam a vir, a conta gotas, jovens com bandeiras da CDU. Há ainda muito trabalho a fazer. À hora da arruada, a Praça do Município está cheia, não apenas com jovens, mas com comunistas de todas as idades. Mas foi a JCP a primeira a pôr os pés na praça. Empurravam um pequeno carrinho de compras com duas cartolinas, uma cor de laranja (cor do PSD) e outra cor de rosa (cor do PS), com uma fotografias de Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos a preto e branco. Os cartazes estão ainda por escrever. Os preparativos acabam de ser feitos já nos degraus do Pelourinho que está no centro da praça.
“Pedro Nuno Santos diz que a privatização da TAP é para avançar, mas não há pressa, o Estado não pode desaparecer” e acrescentava a autora, já entre aspas a palavra “desesperado”, na cartolina cor de rosa. Na cartolina cor de laranja escreveu “O PSD defende a total privatização da TAP, a política de direita não serve”. O cartaz cor de laranja, com a cara de Montenegro ia acabar por ser remendado à pressa, com um outro pedaço de cartolina — verde — por cima do texto. Algo que quem desenhava os cartazes garantia com um tom atrapalhado: “Não tem nada a ver” com o balde de tinta despejado no cabelo do presidente do PSD.
O carrinho de compras tem um propósito. Carregar um grande saco de farinha, que mais podia ser um saco de batatas, onde se pode ler “a política de direita é toda farinha do mesmo saco“, com pequenos cartões com o nome de cada um dos partidos de toda a direita e até do Partido Socialista.
A aposta é na originalidade e não se limita aos cartazes e aos sacos de farinha. Há pelo menos uma câmara de vídeo que segue atentamente a preparação de cada um dos acessórios que vão desfilar até ao Rossio. E há quem explique o porquê: “Nos dias que correm não podemos desprezar qualquer meio de contacto. Os vídeos, as imagens e as fotos vão parar às redes sociais”.
Têm dos 18 anos 24 anos. Uns votam pela primeira vez, outros são candidatos a deputados
Guilherme Almeida tem 20 anos. Estuda História na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Nova de Lisboa. Nasceu em Lisboa e está na JCP há pouco mais de dois anos. Não é a primeira campanha que faz, mas nota uma “maior recetividade e abertura” das pessoas em 2024 que em 2022. Não aceita que falem da CDU e do PCP como um partido que não é para jovens e prefere falar de um projeto que “abarca todas as idades, todos os sexos e todas as áreas sociais”.
Ao seu lado está Francisco Antunes. Tem os mesmos 20 anos, mas um percurso diferente, estuda Tecnologias da Música, na Escola Superior de Música em Lisboa. Está quase há dois anos desde que se inscreveu na JCP. E porquê? “Nasci em 2003. Vivi aquela altura de grande política de austeridade, de ver os nossos pais e os pais dos nossos amigos a ter um mês maior que o salário“. Francisco apressa-se a garantir. “Este não é um partido para velhos. Esta não é uma juventude para velhos. Basta ver…” apontava para o cada vez maior número de pessoas a chegar à Praça do Município.
A militante comunista mais jovem com quem o Observador falou é Estefânia Rebelo. Tem apenas 18 anos e está a estudar Ciências, ainda é aluna de Liceu. Vai votar pela primeira vez a 10 de março e será na CDU. Inscreveu-se numa das muitas manifestações pela habitação, cujos cartazes ainda estão espalhados pelas ruas do Rossio. Foi precisamente esse o dia em que Diogo Domingues também se inscreveu. Tem 21 anos e estuda Química Tecnológica na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, o mesmo curso “da Paula Santos”, faz questão de lembrar com orgulho. Ao contrário de Estefânia, já tinha votado em duas eleições anteriores e nunca na CDU.
Alguns passos ao lado está Dinis, de boina e camisa de flanela. Não partilha o seu último nome, mas partilha tudo o resto. Tirou uma licenciatura em Economia, na Universidade Nova e um mestrado em Economia Política no ISCTE. Entrou na JCP há pouco mais de um ano. Inscreveu-se na Festa do Avante. E porquê? Em 2020, em plena pandemia teve um amigo que foi obrigado a deixar a escola para ir trabalhar para ajudar a família. “Nunca chegou a acabar o secundário. Trabalhava desde os 15 e quando o pai foi despedido teve que deixar a escola e passar a trabalhar a tempo inteiro no café”. Foi o momento em que percebeu “que alguma coisa está errada“. Também ele insiste. “Essa ideia de que o PCP é um partido de velhos parte muito de uma falta de atenção para o que faz a JCP.”
A última jovem comunista que falou com o Observador foi Carolina Vitorino da Silva. Além de ser membro da JCP é candidata por Lisboa da CDU. Não sabe é o número de cor. “40, 40 e tal“. É a 40ª candidata da CDU por Lisboa. Tem 25 anos e é jurista. Apesar de não poder dizer que tem “avós ou pais comunistas”, explica que o choque de ter entrado para o mercado de trabalho “numa situação de precariedade” foi decisiva para a sua filiação partidário. Encontra na CDU um partido que convive bem a duas velocidades. “O partido não é dos velhos, mas também é. E nós não temos nenhum problema com isso.”
Preparam-se para percorrer os 750 metros que ligam a Praça do Município ao Rossio num bloco dedicado à juventude. Arrastam consigo uma coluna enorme e vários megafones. Até as habituais palavras de ordem são ajustadas consoante a faixa etária: “Juventude CDU, voto eu e votas tu.”
A meio caminho, longe do pelotão da frente mas igualmente longe do pelotão de trás está Afonso. Tem 26 anos e é ele que empurra o carrinho de compras com o saco de farinha que quer provar que a “direita é toda farinha do mesmo saco”. É designer gráfico e inscreveu-se na CDU em setembro do ano passado, também na festa do Avante.”Como diz aqui a mensagem, a política de direita é toda farinha do mesmo saco” e tanto Luís Montenegro como Pedro Nuno Santos não são excepção.