O Tribunal do Trabalho de Portimão não reconheceu a existência de contratos de trabalho a 27 estafetas da Glovo por entender que não se verificam os indícios suficientes previstos na lei. É a primeira decisão conhecida neste sentido, mas ainda pode ser sujeita a recurso.
A lei que entrou em vigor em maio do ano passado focada no trabalho nas plataformas digitais determina que para que um estafeta veja reconhecida a existência de um contrato de trabalho têm de se verificar pelo menos dois indícios em seis (que estão elencados na lei).
No caso de seis estafetas, o Tribunal entende que a relação de trabalho foi iniciada antes de maio de 2023, mês em que entraram em vigor as alterações à lei, pelo que o artigo que então se aplicava (que não era adaptado aos trabalhadores das plataformas) não permite o reconhecimento do vínculo.
Por exemplo, “não se provou que a atividade era ou é realizada em local pertencente à ré ou por ela determinado”, uma vez que são os estafetas que escolhem o local onde aguardam pelo pedido e que escolhem o caminho até ao local de recolha e de entrega. Além disso, não eram obrigados a utilizar equipamentos e instrumentos de trabalho pertencentes à Glovo, como o veículo e as mochilas térmicas, e a aplicação informática de que a plataforma é responsável “não se pode dizer que seja um instrumento ou equipamento” como o telemóvel.
Glovo absolvida. Tribunal não reconhece contratos a 27 estafetas
Também não se provou que os estafetas tinham um horário de início e fim da atividade determinado pela ré (são eles que escolhem quando se ligam à aplicação), nem que “fosse paga uma quantia certa com periodicidade aos estafetas”, nem que os estafetas desempenham “quaisquer funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da ré”.
Quanto aos restantes 21 estafetas, já se aplica o artigo 12.ºA, que entrou em vigor a partir de maio do ano passado. O Tribunal entende que a aplicação apresenta aos estafetas o preço de cada serviço, mas os trabalhadores podem selecionar e alterar um “multiplicador” uma vez por dia, que aumenta o valor a receber. Além disso, podem recusar o serviço proposto.
Por isso, “a retribuição por cada serviço não é fixado unilateralmente pela ré, antes é proposto por esta ao estafeta antes de o mesmo aceitar ou não o serviço”. “Por outras palavras, dificilmente se poderá falar de uma fixação da retribuição (…). Podendo o estafeta recusar o serviço (…) já se está no domínio da possibilidade de uma negociação e, portanto, não se prova que a ré fixa a retribuição”, lê-se ainda.
“E não vale o argumento de que o estafeta estará condicionado a aceitar forçosamente o preço indicado pois que outros estafetas o aceitarão. Aí valem as regras do mercado concorrencial (nesta como noutras atividades)”, acrescenta a decisão. Este tem sido um dos argumentos usados pelas plataformas.
O Tribunal também diz que não há provas de que a Glovo “dirija a forma como os estafetas prestam a sua atividade ou estabeleça regras específicas quanto à forma de apresentação” do estafeta e as “únicas regras” como o reconhecimento facial ou a geolocalização “existem para acesso à aplicação”. Além disso, entende que os estafetas podem escolher quando se ligam ou desligam da aplicação, aceitar ou recusar entregas, subcontratar ou prestar serviços em plataformas concorrentes. E os equipamentos não pertencem à plataforma.
O Tribunal reconheceu, porém, um indício, quanto ao poder disciplinar exercido pela plataforma sobre o estafeta uma vez que “a ré pode desativar a conta de um estafeta ‘a seu critério exclusivo'”. Mas não foi suficiente para reconhecer vínculos aos estafetas.
“Ainda que numa leitura mais benevolente ou criativa se pudesse afirmar pelo preenchimento de qualquer outra característica dessa norma, existem outros elementos que apontam no sentido da inexistência de uma relação com carácter de subordinação”, argumenta mesmo.
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Nas últimas semanas têm sido conhecidas decisões de tribunais mas no sentido de reconhecimento de vínculos a estafetas. No caso do Glovo esta foi a primeira decisão conhecida que é favorável à plataforma pelo conteúdo do processo.
Por exemplo, no final de março foi conhecida a decisão do Tribunal do Trabalho de Castelo Branco que reconhece o contrato a quatro estafetas da Uber Eats, mas a empresa já disse que vai recorrer.
Em reação, a Glovo diz que a sentença “confirma aquilo que sempre defendemos: o distinto modelo de funcionamento da aplicação da Glovo segue os critérios estabelecidos na lei”. “Os estafetas que se decidem ligar à aplicação são trabalhadores independentes, que escolhem, livremente, quais os serviços a prestar e a quem, bem como o local, a forma e o momento em que o pretendem fazer”, acrescenta.
Para a plataforma, o Juízo do Trabalho de Portimão “avaliou corretamente e confirmou que o modelo operacional específico da Glovo, enquanto plataforma tecnológica de intermediação, designadamente na forma como se relaciona com os estafetas, não tem características que possam fazer presumir a existência de contrato de trabalho”. E diz-se otimista por novos casos: “A Glovo acredita na Justiça, estamos otimistas que outras sentenças terão o mesmo desfecho e também entusiasmados em focarmo-nos no futuro da Glovo em Portugal”.