O anterior governo anunciou, em junho de 2022, a criação de um grupo de trabalho para uniformizar o modelo de avaliação de crianças e jovens em perigo, o mesmo só foi criado em novembro desse ano, mas depois de entregue o relatório com as respetivas conclusões, em junho do ano passado, o executivo de António Costa não deu luz verde para que fosse publicado, apesar de o documento já ter estado na origem de outro grupo de trabalho. Em resposta ao Observador, o Ministério da Justiça, agora liderado por Rita Júdice, confirmou que “o relatório não foi homologado pelo Governo anterior”.

Agora, acrescenta a tutela, “antes de lhe dar alguma sequência, é preciso que a nova equipa do Ministério Justiça o avalie, o que ainda não aconteceu”. O Observador pediu também uma resposta ao Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (MTSSS), a quem foi também enviado o relatório, mas a mesma não chegou até à publicação deste artigo.

Apesar das várias insistências feitas pelo Observador ao MTSSS do anterior governo, uma das poucas respostas foi dada em setembro do ano passado, quando foi referido que os ministérios ainda estavam “a analisar o relatório e as propostas de reforço e aperfeiçoamento do sistema de promoção e proteção de crianças e jovens em perigo que foram apresentadas”. Praticamente dois anos depois de anunciada a criação deste grupo de trabalho — uma decisão tomada poucos dias depois da morte de Jéssica Biscaia, criança de três anos que morreu, em Setúbal, vítima de múltiplas agressões –, ainda não são conhecidas as conclusões e recomendações.

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Tal como o Observador explicou em fevereiro deste ano, este documento que ainda não foi analisado pelo atual Executivo foi utilizado como referência noutros contextos, como na aprovação para a Estratégia Integrada de Segurança Urbana (EISU), com data de agosto do ano passado, e na criação de mais um grupo de trabalho para introduzir alterações à Lei Tutelar Educativa, já no final de outubro.

No despacho que deu origem a este grupo de trabalho, publicado a 8 de novembro de 2022 em Diário da República, o então Governo reconhecia que o atual modelo de intervenção em contexto de proteção de crianças e jovens é complexo, sobretudo em casos mais graves e mais urgentes, em que é necessário “garantir igualmente uma intervenção expedita”. Este grupo de trabalho teria, por isso, o trabalho de “identificar os principais fatores de perigo associados às fragilidades/vulnerabilidades das crianças e jovens”, de encontrar uma “planificação de um modelo uniforme, visando a aplicação articulada pelas diversas entidades” e, sobretudo, formular de propostas, que podem incluir alterações legislativas.

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O caso de Jéssica Biscaia despertou as atenções para a elevada complexidade do modelo de proteção atual. A criança era acompanhada por uma equipa de técnicos sociais do tribunal, tendo em conta que o processo estava já na Justiça e não na Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. Na altura, colocou-se a questão da articulação com a Educação — a criança não estava na escola –, com a Saúde e com as forças policiais, uma vez que Jéssica morreu, vítima de múltiplas pancadas, esteve em casa dos agressores, pelo menos, três vezes, e nunca nenhuma entidade percebeu o que estava a acontecer.

Relatório usado noutro grupo de trabalho e na Estratégia de Segurança Urbana

A Estratégia Integrada de Segurança Urbana (EISU), aprovada em Conselho de Ministros em agosto do ano passado, já fazia referência ao despacho de 2022. O foco desta estratégia é a segurança de pessoas em situação mais vulnerável, em espaços escolares, desportivos ou de diversão noturna e, refere o documento, um dos objetivos será aplicar “em contexto escolar a ficha de avaliação de perigo aprovada no âmbito do despacho 12853/2022 [que determinou a criação do grupo de trabalho em questão], em particular a situações que se interligam com as áreas de competência das Forças de Segurança”.

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Esta ficha de avaliação de perigo já constava no despacho publicado em Diário da República, em novembro de 2022. Referia a tutela que o relatório que até hoje não foi tornado público deve, depois de identificar os principais fatores de perigo associados às crianças e jovens, criar “uma concreta proposta de ficha de avaliação de perigo a que se encontrem expostos”, para que seja então possível encontrar um modelo uniforme de proteção entre as várias entidades. Na parte da segurança, esta ficha de avaliação de perigo foi já integrada, apesar de não ser possível perceber em que consiste.

Além da Estratégia de Segurança Urbana, existe também o grupo de trabalho para alterar a Lei Tutelar Educativa, criado no final de outubro do ano passado e que terá em conta as recomendações de três relatórios já entregues por três grupos de trabalho anteriores. Mas apenas dois relatórios são conhecidos: o da Comissão de Análise Integrada da Delinquência e da Criminalidade Violenta, de fevereiro do ano passado, e o da Comissão de Acompanhamento e Fiscalização dos Centros Educativos. Falta conhecer um dos documentos, que é precisamente o relatório que o Observador tem tentado obter, mas sempre sem sucesso.