Os bispos católicos portugueses, que estão esta semana no Vaticano para uma série de reuniões de alto nível com os principais responsáveis da Santa Sé e com o Papa Francisco, debateram esta terça-feira o tema dos abusos sexuais de menores com o Dicastério para a Doutrina da Fé, o departamento da Santa Sé que supervisiona as políticas de proteção de menores na Igreja Católica a nível global — e ouviram um reconhecimento da “coragem” que tiveram por levar o tema “a sério”.

Em declarações em Roma à Agência Ecclesia e à Rádio Renascença, José Ornelas, que é o bispo de Leiria-Fátima e o atual presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), destacou que os responsáveis do Dicastério para a Doutrina da Fé “começaram por reconhecer a coragem — esta foi uma palavra — da CEP em tomar a sério este tema e procurar soluções que vão de acordo com aquilo que a Igreja está a propor para todas as Igrejas, de todos os países”.

Os bispos portugueses estão durante esta semana a realizar a visita ad limina, que é a obrigação de todos os bispos católicos visitarem periodicamente a cidade de Roma para prestarem contas à Santa Sé e ao Papa sobre a realidade da Igreja nos seus países. A visita inclui reuniões com todos os dicastérios (o equivalente a ministérios de um governo) da Santa Sé e termina com uma audiência com o Papa Francisco.

Na manhã desta terça-feira, os bispos reuniram-se com os responsáveis do Dicastério para a Doutrina da Fé, um dos mais importantes organismos da estrutura da Santa Sé. Sucessor da antiga Inquisição, este é o dicastério que supervisiona as questões da fé e da doutrina católicas. É também sob jurisdição deste dicastério que está a Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores, organismo do Vaticano que tem centralizado a resposta à crise dos abusos.

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De acordo com as declarações de José Ornelas, os bispos portugueses conversaram com os responsáveis do dicastério sobre a forma como esta questão “tem sido conduzida” em Portugal.

O bispo destacou que a Igreja em Portugal está a “tentar resolver” o problema, “não para garantir que nunca mais vai haver um caso destes na Igreja”, mas no sentido de assegurar a “prevenção” e a “formação dos agentes pastorais, para que estejam atentos a estas realidades, saibam detetá-las, saibam evitá-las e saibam também ajudar a criar uma cultura, isso é que é importante, na sociedade portuguesa”.

[Já saiu o segundo episódio de “Matar o Papa”, o novo podcast Plus do Observador que recua a 1982 para contar a história da tentativa de assassinato de João Paulo II em Fátima por um padre conservador espanhol. Ouça aqui o primeiro episódio.]

Segundo José Ornelas, nas reuniões com os responsáveis do Vaticano foi também mencionado que a atitude da Igreja deveria ser reproduzida por outros setores da sociedade. “Estamos a tentar fazer aquilo que nos parece que toda a sociedade devia fazer“, assinalou Ornelas. “Fazer um esforço de conhecer a realidade, fazer um esforço de apoiar as vítimas destas questões, que são sempre dramáticas e traumatizantes, e depois de criar perspetivas para um futuro melhor.”

A reunião aconteceu no mesmo dia em que o Grupo VITA — organismo criado pela CEP para acompanhar as vítimas de abuso em Portugal — foi recebido pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, para assinalar o primeiro aniversário desde que o grupo entrou em funções. Na segunda-feira, o organismo, liderado pela psicóloga Rute Agulhas, confirmou que já tinha recebido 32 sinalizações por parte de vítimas de abusos que pretendem receber uma compensação financeira ao abrigo de um mecanismo recentemente anunciado pelos bispos portugueses.

Sobre o assunto das compensações financeiras, José Ornelas disse em Roma que “as linhas gerais [do mecanismo] estão todas já delineadas e já foram até tornadas públicas”, estando agora em debate interno “a forma concreta” de realizar os processos.

“Tem a ver com a privacidade das pessoas, com a diversidade que pode haver em casos destes, mas sobretudo com ir ao encontro de cada pessoa, na realidade dramática que viveu, e também das suas perspetivas de como é que isto pode contribuir para a sua reparação mais profunda”, destacou o bispo. “É o sentido que damos a tudo isto: reconhecer que um mal lhes foi feito que não devia ter acontecido.

“Não se trata simplesmente de pedir desculpas, e essas desculpas têm sempre lugar e estão sempre por trás disto tudo, mas trata-se, sobretudo, de ajudar as pessoas a recuperarem a sua dignidade”, acrescentou.

Valores caso a caso, pedidos até dezembro e um fundo da Igreja. Nove perguntas e respostas sobre a compensação às vítimas de abusos

Em abril, os bispos anunciaram um mecanismo de compensações financeiras a atribuir às vítimas de abusos sexuais de menores. Os pedidos de compensação (relacionados com casos do passado) podem ser apresentados até dezembro deste ano. Uma comissão de avaliação vai, depois, analisar cada caso para determinar o montante a atribuir — que terá origem num fundo para o qual vão contribuir todas as dioceses portuguesas.

Na segunda-feira, no arranque da visita ad limina, José Ornelas já tinha deixado uma mensagem pública na qual confirmava que a crise dos abusos de menores seria um dos temas centrais dos encontros no Vaticano. “É uma questão dolorosa, mas faz parte da nossa vida. E também não nos deixa simplesmente a chorar ou a lamentar, a pedir perdão, necessariamente, mas, sobretudo, a criar um futuro melhor“, disse Ornelas.