A comissão parlamentar de inquérito à privatização da ANA proposta pelos comunistas foi chumbada, com os votos contra do PS e do PSD, mas o PCP conseguiu luz verde para avançar com uma série de audições sobre a operação, sete. Os principais visados desta iniciativa são os antigos responsáveis políticos do Governo de Pedro Passos Coelho, bem como os atuais gestores da ANA. O PSD respondeu com um novo conjunto de audições de políticos socialistas e ex-gestores.

A lista das personalidades cuja a audição foi já aprovada pela comissão de economia e obras pública já vai em 15 e é provável que venha a crescer. Além destas inquirições, há pedidos de documentação, para já, apenas ao Tribunal de Contas.

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Esta espécie de “mini-comissão de inquérito” segue um modelo ensaiado pelos socialistas no ano passado para a TAP. Neste caso, as audições ocorreram em paralelo com as realizadas na comissão parlamentar de inquérito, o que levou à duplicação de vários testemunhos.

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No caso que envolve a concessionária dos aeroportos estão para já previstas as seguintes audições:

Pedidas pelo PCP

  • Pedro Passos Coelho. É muito invulgar, se não inédito, chamar a uma comissão permanente um ex-primeiro-ministro. Quanto questionados em comissões parlamentares de inquérito, os antigos chefes de Governo têm a prerrogativa de responder por escrito. Nos últimos anos, Pedro Passos Coelho já deu respostas escritas a várias comissões de inquérito, desde o BES ao Novo Banco, passando pelas rendas da EDP.
  • Vítor Gaspar. O ministro das Finanças entre 2011 e 2013 chegou a responder presencialmente na comissão de inquérito aos swaps, meses depois de ter abandonado o cargo. Mas quando foi inquirido por outras comissões de inquérito, nomeadamente sobre banca, deu respostas por escrito. Gaspar é diretor do Fundo Monetário Internacional e a sua residência não é em Portugal.
  • Maria Luís Albuquerque. A ex-ministra das Finanças tem sido na última década uma das presenças mais constantes em comissões de inquérito, sobretudo por causa de processos de resolução ou financiamento público a bancos. Enquanto secretária de Estado do Tesouro foi ela que conduziu a venda da ANA à Vinci.
  • Sérgio Monteiro. É outro interveniente habitual em comissões de inquérito — do Novo Banco, cuja venda Lone Star coordenou, à TAP. O ex-secretário de Estado das Obras Públicas foi um dos principais rostos da privatização da ANA em 2012/13 e, ainda em funções, defendeu que não seria necessário construir um novo aeroporto nos 50 anos de concessão atribuídos à empresa. Monteiro foi também o primeiro governante a dar o seu acordo à proposta de um aeroporto complementar no Montijo.
  • José Luís Arnaut. Antigo dirigente do PSD e ex-ministro de Durão Barroso, o advogado é presidente não executivo da ANA desde 2018 e tem protagonizado a ofensiva pública da concessionária contra a solução de um aeroporto de raiz em Alcochete. Esta proximidade incómoda aos social-democratas já levou Luís Montenegro a dizer publicamente que não fala com Arnaut há anos.
  • Thierry Ligonnières. O gestor da Vinci é o presidente executivo da ANA desde 2018 e tem sido um grande defensor também da solução Portela mais Montijo, embora com menos protagonismo que José Arnaut.
  • Organizações sindicais e representativas dos trabalhadores da ANA.

Pedidas pelo PSD

  • Pedro Marques. Foi o primeiro ministro das Infraestruturas de António Costa que negociou com a ANA um memorando para concretizar a solução Portela mais Montijo, assinado no início de 2019. Pedro Marques deixou o governo para as eleições europeias e enquanto eurodeputado foi ouvido no ano passado sobre a TAP.
  • Pedro Nuno Santos. Sucedeu a Pedro Marques na pasta das Infraestruturas, tendo apoiado a solução Portela mais Montijo até esta ter caído, chumbada pelas câmaras. Em 2022, Pedro Nuno foi a estrela de um dos primeiros dramas da maioria parlamentar de António Costa ao publicar um despacho com uma nova solução aeroportuária, revogado horas depois pelo primeiro-ministro. Pedro Nuno Santos saiu do Governo por causa do caso Alexandre Reis — pelo qual teve de responder na comissão de inquérito sobre a TAP — e um ano depois ganhou as diretas para secretário-geral do PS.
  • João Galamba. Assumiu a pasta das Infraestruturas em janeiro de 2023, ano durante o qual foi realizado o trabalho da comissão técnica independente nomeada pelo Governo, em acordo com o PSD. Num exercício marcado pelos dramas da TAP, pouco tempo dedicou ao aeroporto, apesar de ter defendido a credibilidade da comissão técnica. Saiu do Governo envolvido na Operação Influencer antes de ser concluído o relatório com as recomendações para a solução aeroportuária.
  • José Tavares. O presidente do Tribunal de Contas não é o único juiz desta instituição a ser chamado pelo PSD que também quer ouvir o juiz relator da auditoria sobre a privatização da ANA — José Quelhas — e a juíza responsável pela primeira tentativa de auditoria em 2015 e que não chegou a ser concluída — Maria José Brochado.
  • Joaquim Paes Jorge e Pedro Ferreira Pinto. São ex-presidentes da Parpública, empresa que foi responsável pelo processo de privatização da ANA. Os dois foram ouvidos no ano passado na comissão de inquérito à TAP.

Apesar de esta privatização ter sido realizada há mais de uma década, a auditoria do Tribunal de Contas sobre a operação só foi conhecida no início deste ano, e serviu de pretexto à proposta comunista contra a qual votaram PS e PSD. Esta auditoria chegou a ser criticada pelo atual ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, que à data era autarca em Cascais.

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No entanto, como pano de fundo destas audições, está também o processo de decisão sobre o novo aeroporto de Lisboa que culminou com o anúncio feito há mais de uma semana e que segue as recomendações da comissão técnica, mas apenas numa parte — o relatório não defendia a expansão da Portela.

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Além dos fundamentos da decisão, o relatório e os membros da CTI focaram também as atenções no contrato de concessão da ANA, pelas condições muito vantajosas que foram dadas à concessionária pelo Governo que vendeu a empresa em 2012 e pelo grande poder que este contrato confere à parte privada no que toca à decisão do novo aeroporto.

O Chega ainda tentou trazer a comissão técnica e o relatório à discussão no Parlamento para averiguar fragilidades técnicas e jurídicas apontadas pelo consórcio que promove um aeroporto em Santarém, e que foi afastado das recomendações da CTI. E pediu audições da ex-coordenadora Rosário Partidário, do presidente da ANA e dos responsáveis da UTAO (unidade técnica orçamental do parlamento) e UTAP (unidade técnica que avalia as parcerias público privadas). Mas este requerimento foi chumbado.

Em avaliação está um outro requerimento do mesmo partido para que a UTAP faça uma avaliação dos custos comparados para o contribuinte das soluções estudadas pela CTI, incluindo a de Santarém, e respetivas acessibilidades, o que abrange outros grandes projetos de infraestruturas, como a rede de alta velocidade e a terceira travessia.

De acordo com informação recolhida pelo Observador, o agendamento destas audições vai começar pelos representantes dos trabalhadores e entidades públicas e depois seguir uma ordem temporal, começando pelos ex-políticos do PSD, que poderão ser ouvidos em junho.

O aeroporto e a venda da ANA vão ser um tema exigente, mas não o único a ocupar comissão de economia e obras públicas que é de longe a comissão com mais audições pedidas, desde a CP e a polémica indemnização à secretária de Estado da Mobilidade até à TAP.

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Até agora só foi aprovada uma comissão de inquérito, a do tratamento às gémeas, que foi imposta potestativamente pelo Chega. Na calha para aprovação está outra comissão de inquérito, à gestão da Santa Casa de Lisboa, cujos principais protagonistas foram ouvidos nas últimas semanas na comissão do Trabalho e Segurança Social.

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