A reposição do tempo de serviço dos professores acordados pelo Governo em maio vai ter um custo (bruto) de quase 470 milhões de euros, assumindo este ano um impacto orçamental de 41 milhões de euros (e em termos líquidos em 2024 de 18 milhões). Em termos líquidos, o custo total de 2024 a 2028 é de 203 milhões de euros. Isto segundo as contas da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental), que divulgou esta segunda-feira o estudo que fez para determinar o impacto dessa reposição.
A UTAO elaborou o custo para três cenários. O Cenário 1 assume a reposição integral em 2024; o Cenário 2 reconhece a posição em 25% em cada um dos anos de 2024 a 2027; e o Cenário 3 que “corresponde ao faseamento que entretanto foi acordado entre o Governo e sete estruturas sindicais em 21 de maio de 2024”. Neste Cenário 3, “cada quarto é entregue aos trabalhadores e inicia o pagamento da nova remuneração base em 1 de setembro de 2024 e 1 de julho de 2025, 2026 e 2027”.
Com base nisso, o custo total no cenário 2, em termos brutos, é de 470 milhões, o mesmo do cenário 3, mas tendo impacto em quatro anos em vez dos cinco estimados no cenário 3. Fora do estudo ficou a análise aos professores reformados que perderam o direito da reposição do tempo de serviço. “Ficaram para sempre com este prejuízo nas suas pensões”, salienta a UTAO que acrescenta que “mesmo os docentes que se reformarem doravante ficarão com pensões ligeiramente reduzidas para sempre pelo facto de não terem recebido no momento próprio os salários nominais por inteiro e os aumentos da remuneração base inerentes às progressões remuneratórias nos períodos de suspensão das mesmas”, e não há no discurso público político “sinais de o Governo ou o Parlamento querer considerar” a possibilidade de compensar os reformados.
Afinal, custa mais que os 300 milhões de euros que tinham sido falados pelo anterior Governo para o impacto da medida, e que o atual Executivo também adotou como custo anualizado adicional depois da reposição integral. Fernando Alexandre, o atual ministro da Educação, tinha adiantado ao Observador que “o custo para o Estado, após a recuperação total do tempo de serviço que ocorrerá em 2027, estará na ordem dos 300 milhões de euros”. “É 300 milhões/ano no ano de 2027, em que é completada a recuperação. Vamos ter muitos destes docentes, que vão estar a recuperar tempo de serviço, que entretanto vão sair da carreira e deixam de ter custo. Este custo vai ser depois convertido para zero”.
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Segundo esclarece agora também o Ministério da Educação, em comunicado, “os 300 milhões de euros não representam o acumulado da despesa ao longo de 2024, 2025, 2026 e 2027”. É o custo, a partir de 2027, após estar concluído o processo de recuperação do tempo de serviço, que a medida terá anualmente para o Estado em termos líquidos, segundo as estimativas de uma equipa técnica do MECI. “Os 300 milhões vão reduzindo a partir de 2028, à medida que os docentes vão passando à aposentação”, diz ainda o Ministério, explicando a diferença das suas contas para as da UTAO, dizendo mesmo que até são inferiores face ao estimado pelo Ministério.
É que o custo divulgado pela UTAO, de 470 milhões de euros em 2028, dos quais 202 milhões em termos líquidos, “tem em conta o universo dos professores dos quadros entre o 1.º e o 9.º escalão da carreira, tendo sido retirados os docentes que atingem a idade legal de aposentação”. Já os do Ministério conta que todos os professores abrangidos permanecem na carreira até aos 70 anos. Ou seja o universo é diferente.
A UTAO foi mandatada pelo Parlamento a realizar o estudo do impacto orçamental da reposição do tempo de serviço dos professores, a pedido do PSD. Mesmo sem o estudo concluído o atual Governo avançou para o acordo com os sindicatos (alguns, cinco não assinaram) para que os professores recuperem 50% dos 6 anos, 6 meses e 23 dias congelados em duas tranches e no espaço de um ano: entre 1 de setembro de 2024 e 1 de julho de 2025. Os outros 50% serão devolvido em outras duas vezes, de 25% cada. A reposição integral do tempo de serviço ficará, assim, concluída em 2027.
Ou seja, tal como explica a UTAO o ano cruzeiro, neste cenário, é 2028, o primeiro ano a registar 14 remunerações base mensais com a totalidade do tempo de serviço. “Os três cenários produzem os mesmos efeitos permanentes no saldo global a partir de 2028, ma sua distribuição difere no período de transição (2024 a 2027)”, conclui a UTAO.
No cenário 3, que foi o realizado com base na decisão do Governo, em 2024 o impacto líquido é negativo em 0,006% do PIB no saldo global de 2024. A despesa líquida em 2028 representará um impacto negativo de 0,07% do PIB (previsto para 2024). “Tendo em conta a despesa permanente que é criada por esta medida no ano 2028 (469 M€ em termos brutos e 202 M€ em termos líquidos) e utilizando como referencial o PIB previsto para 2024 (Programa de Estabilidade 2024-28), é possível afirmar que o impacto orçamental bruto no ano cruzeiro de 2018 corresponderá a – 0,17% do PIB e o impacto líquido a – 0,07% do PIB”, diz a UTAO.
A UTAO indica ainda que a “execução da medida altere a distribuição da massa salarial por escalão. Ano após ano, a medida vai passando massa salarial dos escalões mais baixos para os escalões mais altos. É uma consequência natural já que a medida pretende e consegue acelerar a progressão remuneratória dos docentes”.
A UTAO fez uma simulação para um docente solteiro sem filhos e concluiu que a “tributação marginal decorrente da subida em um escalão da carreira oscila entre 41,8% e 51,6% do aumento na remuneração base”. Ou seja, boa parte do aumento é consumido em imposto, o que também explica que o custo líquido para o Estado seja de quase metade do impacto bruto, já que o Estado acaba por receber mais imposto e contribuições sociais.
A UTAO dá um exemplo: A subida do 9.º para o 10.º escalão determina o aumento anual bruto de 4.101 euros, mas, deste valor, só 1.984 euros chegam à conta bancária do docente que fica com 48,4% do aumento no vencimento bruto. O resto, 2.116,65 euros, retorna às administrações públicas: 594,65 euros para o sistema de proteção social e ADSE e 1.522 euros de IRS. “Aqueles 2.116,65 euros de retenções para as administrações públicas representam 51,6% do aumento no rendimento bruto, a tal taxa de tributação marginal. No caso da progressão remuneratória mais barata para as AP, que é a passagem do 1.º para o 2.º escalão da carreira, a taxa de tributação marginal vale 41,8%”.
Contacto com Finanças difícil, Educação teve "postura construtiva"
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Os trabalhos da UTAO foram feitos inicialmente com o Governo anterior. E a UTAO indica que “não foi fácil o contacto com o Ministério das Finanças”. Aliás, diz mesmo que questionou o Ministério de Fernando Medina sobre números divulgados pela comunicação social sobre impacto orçamental.
Mas, “seis semanas após a primeira diligência, o Ministério das Finanças limitou-se a dizer que as informações solicitadas não seriam fornecidas, dando a entender que não pretendia que a UTAO copiasse o alegado estudo. Fica a dúvida sobre se esse estudo alguma vez foi feito. Só quem nunca realizou um projeto de investigação científica poderá considerar ilegítima a leitura de trabalhos de outros autores sobre o objeto da investigação”.
45 dias depois a UTAO descobriu que, afinal, “não era no Ministério das Finanças que residiam os microdados necessários para fazer as contas”.
Já do Ministério da Educação, houve “uma postura construtiva”, em ambos os Governos e conseguindo acesso às direções e institutos com os dados necessários.
A UTAO elogia, ainda, o Ministério da Presidência, mas que também não tinha os dados necessários.
Outras carreiras? Não é possível apurar
Existe na administração pública um número “incerto” de carreiras (há três tipos — carreiras gerais, especiais e outras), mais de 194 (a nível nacional, regional e local), indica a UTAO, explicando assim porque “não foi possível conceber uma compensação equitativa à dos docentes” para a restante função pública, mas divulga os estudos que fez até para reflexão “para melhorar a atração e a retenção de talento nas administrações públicas”. “Há que reconhecer que 194 realidades diferentes é um número muito grande para o exercício de previsão de impactos que a COF (Comissão de Orçamento e Finanças) solicitou”. Até porque estas 194 carreiras “são reguladas em termos remuneratórios por mais de 720 diplomas legais”.
“O emprego e as remunerações nas administrações públicas são governados por muita legislação dispersa, instável e atomizada que dificulta imenso comparar carreiras e até perceber, pelos próprios trabalhadores, as regras a que estão sujeitos”, alerta a UTAO, explicando assim a impossibilidade de “prever impactos de uma medida equitativa para os profissionais das demais carreiras”.
A UTAO chama, ainda, a atenção para a “falha grave de informação sobre carreiras nas administrações públicas”. “É incipiente a existência de bases de microdados em serviços-chave da Administração Central para realizar avaliações de impacto de medidas de política sobre emprego e remunerações. Como é possível lançar quase todos os anos estas medidas e, em 2024, ainda não existir informação de suporte às decisões? Decide-se de olhos quase fechados ao custo e à eficácia das medidas”.
Além destas dificuldades, a UTAO invoca ainda limitações técnicas e estatutárias para fazer uma análise desta dimensão.