Foi em fevereiro de 2022 que começou o conflito armado mais recente em território europeu. Mas rapidamente a guerra na Ucrânia transcendeu o terreno e as fronteiras do país e, de alguma forma, teve impacto, no contexto político e social mundial. Sem exceção, o desporto também foi afetado. Grande parte das federações e associações impediu, numa primeira fase, os atletas russos de participarem nas suas provas, lei que acabou levantada com uma condição: os desportistas naturais da Rússia não podiam competir com a bandeira do seu país.

Anastasiia Kirpichnikova foi uma das atletas afetadas por este novo normal. Natural de Asbest, na Rússia, a nadadora esteve em duas finais nos Jogos Olímpicos de 2020, realizados no ano seguinte; conquistou três medalhas de ouro — 400m, 800m e 1500m livres — nos Europeus; e sagrou-se vice-campeã do mundo nos 800m. Tudo isso ao serviço da Rússia e, naturalmente, antes de 2022.

Perante a impossibilidade de competir sob a bandeira russa, devido às sanções impostas pela Federação Internacional de Natação (atualmente World Aquatics), Kirpichnikova viu a sua carreira chegar praticamente ao fim. Perante o impasse, e uma vez que já se encontrava a viver e a treinar em França desde 2019, ano em que começou a trabalhar com o francês Philippe Lucas, a nadadora pediu então a nacionalidade francesa. Como é normal nestes casos, o processo foi demorado e só no ano seguinte ganhou forma. Foi a 20 de abril de 2023, mais de um ano depois do início da invasão, que Anastasiia Kirpichnikova adquiriu oficialmente a nacionalidade francesa.

Depois de a World Aquatics validar a mudança de nacionalidade, a atleta de 24 anos sagrou-se campeã francesa dos 400m, 800m e 1500m livres, quebrando ainda o recorde nacional nesta última. Seguiu-se o Campeonato da Europa de piscina curta, conquistando o ouro nos 800m livres e nos 1500m livres, e a prata nos 400m livres. Nos Mundiais deste ano, em Doha, não teve a mesma sorte, acabando por sofrer uma bronquite. Ainda assim, conquistou o quinto lugar nos 1500m livres.

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A competir em casa e numa La Défense Arena a rebentar pelas costuras, Kirpichnikova confirmou a candidatura às medalhas e, na primeira prova que disputou, ficou com a prata nos 1500m, atrás da insuperável Katie Ledecky, que quebrou o recorde olímpico. “França é o meu segundo país, é a minha casa. Quero ganhar muitas medalhas para França”, partilhou, citada pelo Le Monde.

Além do percurso bem sucedido como nadadora, Anastasiia Kirpichnikova ingressou na polícia francesa em junho deste ano, encontrando-se atualmente na reserva e a ser apoiada pela equipa de atletas de alto nível da Polícia Nacional. “Durante 10 dias, Anastasiia aprendeu sobre a organização da Polícia Nacional, as suas missões e o seu funcionamento, e recebeu formação sobre a utilização de armas pessoais e técnicas de intervenção. Agora na reserva, poderá desempenhar missões idênticas às de um agente da polícia”, detalhou o ministério da Administração Interna francês.