Aos 50 anos, a italiana Valentina Petrillo será a primeira mulher transgénero a competir nos Paralímpicos, participando nos 200 e 400 metros na classe T12, para atletas com deficiências visuais. Antes da sua transição, Petrillo tinha 11 títulos nacionais na categoria masculina.

Segundo a Associated Press (AP), o amor de Valentina pelo atletismo surgiu quando tinha sete anos, ao ver a vitória do seu compatriota Pietro Mennea nos 200 metros dos Jogos Olímpicos de 1980, em Moscovo. “Eu dizia que queria ser como ele, vestir as cores do meu país e ir para os Olímpicos. Mas queria fazê-lo como uma mulher porque não me sentia homem, não me sentia eu própria”, revelou a atleta.

Aos 14 anos, Petrillo foi diagnosticada com doença de Stargardt, uma distrofia retiniana, que afetou a sua visão central, preservando a periférica. Valentina tem uma visão 50 vezes mais limitada do que uma pessoa sem problemas visuais, mas considera-se sortuda, apesar dos obstáculos que já teve enfrentar.

Já casada e com uma filha, com 41 anos, a italiana voltou ao atletismo e chegou a vencer 11 títulos nacionais na categoria masculina em três anos. Em 2019 começou o processo de transição de género e, em 2020, foi autorizada a competir na categoria feminina no Campeonato de Paratletismo italiano, sendo a primeira pessoa trans a competir na modalidade. No ano seguinte, no seu primeiro campeonato mundial, Valentina conquistou o quinto lugar. As suas grandes conquistas vieram na última edição dos mundiais de paratletismo, onde foi galardoada com duas medalhas de bronze nos 200 e 400 metros, as distâncias que irá percorrer na 17ª edição dos Jogos Paralímpicos em Paris.

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No entanto, o caminho de Valentina até chegar à competição feminina foi alvo de muita polémica. Em 2023, a Federação Mundial de Atletismo (WA — World Athletics) baniu mulheres transgénero de competirem na categoria feminina em eventos internacionais, caso tenham feito a transição depois da puberdade. Porém, a Federação de Paratletismo (WPA – World Para Athletics), não seguiu a decisão do sua entidade homóloga.

Num comunicado enviado à AP, a WPA explicou que as atletas trans nas competições femininas precisam de declarar legalmente o seu género como feminino e fornecer provas de que os seus níveis de testosterona são inferiores a 10 nanomoles por litro de sangue, durante pelo menos 12 meses antes da sua primeira competição. Para referência, um homem saudável chega a ter cerca de 30 nanomoles por litro de sangue, quando uma mulher tem cerca de 2 nanomoles por litro.

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Apesar de preencher os requisitos propostos pela federação, as outras atletas da categoria de Petrillo acusam-na de ter uma vantagem. Um exemplo foi quando a italiana conseguiu o quarto lugar da meia-final dos Campeonatos do Mundo do ano passado, eliminando as possibilidades da espanhola Melani Bergés chegar aos Paralímpicos. A espanhola, numa entrevista ao Relevo, declarou o acontecimento como sendo uma “injustiça”, dizendo que, apesar de “aceitar e respeitar” pessoas trans, o desporto requer força e atributos físicos, colocando a atleta italiana em vantagem. O Comité Paralímpico Espanhol disse à AP que continua a apoiar o envolvimento de pessoas trans nas competições, mas que acredita que deveria existir uma “uniformidade dos critérios utilizados no mundo Olímpico em relação a este tópico”.

Antes, em 2021, mais de 30 atletas já tinham assinado uma petição endereçada ao presidente da Federação de Atletismo italiana com o intuito de desafiar a participação de Valentina em corridas femininas.

Petrillo diz que entende as críticas colocadas, mas referiu à AP um estudo, financiado pelo Comité Olímpico Internacional (COI), que demonstrava uma desvantagem física das mulheres transgénero, em comparação com mulheres biológicas, em diversos parâmetros, incluindo funções pulmonares e força na parte inferior do corpo.

Agora, aos 50 anos, Valentina Trubillo vai viver o seu sonho de participar numa competição olímpica, potencialmente participando na disputa de medalhas nas corridas de 200 metros (7 de setembro) e 400 metros (3 de setembro) da classe T12.