“Depois, encontrar-se-iam com o alvo, entrariam, guardariam os reféns, fugiriam com um camião articulado e dirigir-se-iam para os portos do Canal da Mancha”. Assim se lê no livro de memórias de Boris Johnson, intitulado Unleashed, que será publicado no dia 10 de outubro de 2024, pela editora William Collins. De acordo com a imprensa britânica, a frase faz parte de um excerto em que Johnson aborda uma hipotética operação militar que terá sido tema em cima da mesa durante a governação do antigo primeiro-ministro inglês nos dias da pandemia de Covid-19.

A intervenção, por via marítima, teria como objetivo confiscar as vacinas da AstraZeneca que estavam armazenadas nos Países Baixos. Esta revelação foi feita primeiro pelo Daily Mail, que mostra Johnson a admitir que chegou a considerar uma “operação por mar” a um armazém em Leiden, durante as tensões e disputas pelo fornecimento de vacinas com a União Europeia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em março de 2021, o Reino Unido estava a enfrentar uma escassez de vacinas. Por esta razão, Johnson decidiu discutir a ideia da invasão com funcionários militares. O seu plano consistia, diz a imprensa inglesa, em utilizar barcos insufláveis para navegar nos canais holandeses, e, depois, invadir o armazém, recuperar as vacinas e transportar as doses diretamente para o Reino Unido. Um oficial militar de alto escalão, o tenente-general Doug Chalmers, chegou mesmo a assegurar a Jonhson que a missão era viável, no entanto, explicou que seria uma operação difícil de se realizar sem ser detetada. Isto levou a questões diplomáticas sobre a invasão de um aliado da NATO. O ex-primeiro-ministro concordou no excerto divulgado: “Claro que eu sabia que ele tinha razão e, secretamente, concordava com o que todos pensavam, mas não queria dizer em voz alta: que tudo aquilo era uma loucura”.

As tensões e disputas entre o Reino Unido e a União Europeia, no que tocava ao fornecimento da vacina da AstraZeneca, foram bastante intensas. Bruxelas acusava a farmacêutica de não cumprir os compromissos com os países da União Europeia, enquanto que as entregas ao Reino Unido estavam a decorrer. Boris Johnson acreditava que o Reino Unido estava a ser tratado com “malícia e rancor” pela União Europeia.

Estes excertos são a mais recente ilustração das fortes tensões que se manifestaram na altura da pandemia, quando a prioridade era garantir doses de vacinas. Além disso, a saída do Reino Unido da União Europeia ainda era bastante recente, o que tornava a situação do país mais sensível em termos diplomáticos e comerciais. As disputas pelas vacinas da AstraZeneca chegaram a levar a União Europeia a ameaçar bloquear exportações e Londres a acusar Bruxelas de obstrução.

Apesar da intensificação dos atritos pós-Brexit, Johnson apercebeu-se do dilema de ter justificar uma operação militar contra os Países Baixos, aliados de longa data no seio da NATO, daí a operação ter sido descartada. Nos seus excertos, o antigo primeiro-ministro reflete sobre a situação, reconhecendo que, caso o Reino Unido levasse a cabo a ideia, “teria de explicar por que razão estávamos efetivamente a invadir um aliado de longa data da NATO”.

Tentativa “totalmente inútil” de persuadir Príncipe Harry a ficar no Reino Unido

O livro também relata uma conversa do ex-primeiro-ministro com o príncipe Harry, na qual tentou, sem sucesso, convencer o duque de Sussex a não se mudar para os Estados Unidos com Meghan Markle. Esta intervenção foi feita a pedido do Palácio de Buckingham e de Downing Street, que considerava que a influência política de Jonhson podia alterar a decisão do duque.

Até agora, não houve nenhum comentário por parte dos representantes do Príncipe Harry ou do Palácio de Buckingham sobre este pedido.

A “conversa de homens” durou cerca de 20 minutos, à margem de uma cimeira de investimento do Reino Unido-África em Londres, em janeiro de 2020. Na altura, foi noticiado como sendo um uma conversa de 20 minutos entre o então primeiro-ministro e o príncipe Harry, sem a presença de assessores, no dia seguinte ao discurso em que o príncipe tinha afirmado que o fazia com “grande tristeza”, mas “não tinha outra opção” ”senão abandonar o seu papel na realeza”.

Para o ex-primeiro-ministro, a intervenção pareceu-lhe “ridícula” e a conversa foi “totalmente inútil”, dado que o príncipe já estava decidido a deixar o Reino Unido. Além disso, Meghan e Archie, filho do casal, já estavam na Califórnia, a iniciar uma nova vida longe das pressões da monarquia britânica.

Johnson confessa ainda que não conseguiu mudar a opinião de Harry, referindo-se à tentativa como “condenada ao fracasso”.

Também revela de que forma deveria fazer o pedido: queriam que o ex-primeiro-ministro destacasse o valor do trabalho de Harry, sobretudo nos Jogos Invictus para veteranos militares, para enfatizar ainda mais a sua importância para o Reino Unido. No entanto, nada mudou a decisão do casal, que era popularmente conhecido como “Megxit”.

Detalhes desconhecidos da separação de Harry e Meghan face à família real britânica e esforços conjuntos, de figuras políticas e da Casa Real, realizados para manter o duque de Sussex no Reino Unido, foram revelados graças aos excertos agora noticiados. Nunca nada do que está presente nos excertos do livro de memória de Johnson tinha antes sido mencionado, nem na série da Netflix, que aborda a vida de Harry e Meghan, nem no livro de memórias de Harry, Spare.