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Nobel da Química atribuído a David Baker, Demis Hassabis e John M. Jumper, que decifraram o código das estruturas das proteínas

David Baker foi premiado por criar novos tipos de proteínas. Já Demis Hassabis e John M. Jumper por conseguirem em conjunto e através de IA prever as suas complexas estruturas.

O Prémio Nobel da Química foi atribuído pela Academia Real de Ciências Sueca a David Baker e de forma conjunta a Demis Hassabis e John M. Jumper. Os três foram premiados pelas contribuições para “decifrar o código das incríveis estruturas das proteínas”, os chamados “blocos de construção da vida”.

David Baker, da Universidade de Washington (Estados Unidos), “conseguiu o feito quase impossível de construir novos tipos de proteínas”, destacou o Comité do Prémio Nobel. Já Demis Hassabis e John Jumper, ambos da Google DeepMind, desenvolveram um modelo de Inteligência Artificial “para resolver um problema com mais de 50 anos”: prever a complexa estrutura das proteínas.

“Ambas as descobertas abrem vastas possibilidades“, sublinhou Heiner Linke, do Comité do Nobel da Química, durante a apresentação dos vencedores. Ao Observador, a professora Maria João Romão, da NOVA FCT, aponta no mesmo sentido: “São descobertas que dão um enorme impulso à biologia estrutural. Deixámos de ter praticamente limites ao que se consegue descobrir“.

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O prémio desta quarta-feira é o segundo da semana a envolver Inteligência Artificial, depois do Nobel da Física ter sido entregue a John J. Hopfield e Geoffrey E. Hinton, que usaram ferramentas da física para desenvolver métodos que estão hoje na base do poderoso machine learning”. Vai ser impossível escapar a estas técnicas com IA, prevê Paulo Costa, que coordena o Computational Chemistry and Molecular Interactions Lab, acrescentando que perante um desenvolvimento acelerado na área da IA resta aos cientistas o desafio de tentar estar na crista da onda.

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Uma proteína que não existia na natureza

As proteínas são as moléculas que permitem a vida. “São os blocos de construção que formam ossos, pele, cabelo e tecido. São os motores que alimentam os nossos músculos, a máquina que lê, copia e repara o ADN. São as bombas que mantêm os neurónios no nosso cérebro prontos a disparar. São os anticorpos que permitem a resposta imunitária, os sensores que as células usam para comunicar e as hormonas que regulam todas as células do nosso corpo”, começou por enquadrar Heiner Linke.

epa11650458 (L-R) Chairman of the Nobel Committee for Chemistry Heiner Linke, Secretary General of the Royal Swedish Academy of Sciences Hans Ellegren, and member of the Nobel Committee for Chemistry Johan Aqvist announce the winners of the 2024 Nobel Prize in Chemistry, at the Royal Swedish Academy in Stockholm, Sweden, 09 October 2024. The Royal Swedish Academy of Sciences has decided to award the Nobel Prize in Chemistry 2024 to David Baker (University of Washington, USA) for computational protein design, and to Demis Hassabis (Google DeepMind, UK) and John M Jumper (Google DeepMind, UK) for protein structure prediction, the Nobel statement says.  EPA/Christine Olsson/TT  SWEDEN OUT

Christine Olsson/TT/EPA

As proteínas são formadas por unidades chamadas aminoácidos, que se ligam entre si e formam longas cadeias. A magia acontece quando as sequências de aminoácidos se torcem e dobram numa disposição tridimensional. É esta estrutura que dá às proteínas a sua função.

Há muito tempo que os cientistas sonhavam com a possibilidade de criar novas proteínas. “Este foi o problema que David Baker resolveu”, sublinhou o membro do Comité do Prémio Nobel da Química. “Desenvolveu ferramentas computacionais que agora permitem que cientistas projetem novas proteínas espetaculares, com formas e funções inteiramente novas, abrindo infinitas possibilidades para o maior benefício da humanidade“, destacou.

Foi um trabalho de várias décadas. No final de 1990, Baker começou a desenvolver um software de computador no qual inseria sequências de aminoácidos para prever a estrutura das proteínas. Chamava-se Rosetta e foi apresentado ao público em 1998. A boa receção que teve levou-o e à sua equipa a uma nova ideia: e se fosse usado para criar novas proteínas?

“Estes métodos que ele desenvolveu permitem no fundo pensar numa função ou numa estrutura e pedir ao programa para dizer qual é a sequência de aminoácidos necessária”, explica Paulo Costa. O mais “espantoso”, acrescenta, é que Baker o foi depois testá-lo em laboratório. “Foi desenhar as proteínas que previu e produziu-as, obtendo estruturas muito semelhantes às que tinha previsto”, aponta.

Um grande passo foi a criação, em 2003, da proteína Top7, totalmente diferente das que já conhecíamos. Tem 93 aminoácidos e uma estrutura “única” que não existe na natureza. “Desde então, o grupo de investigação [de Baker] produziu criativas proteínas uma após a outra, incluindo proteínas que podem ser usadas em produtos farmacêuticos, vacinas, nanomateriais e pequenos sensores”, destacou o Comité do Prémio Nobel em comunicado. O software Rosetta foi entretanto tornado público e está disponível a toda a comunidade científica.

“Neste momento é um mundo. Em potência, posso desenhar uma proteína que tanto pode fazer biocombustíveis, como posso desenhar uma proteína que se liga a uma determinada molécula para ser um sensor. Posso desenhar eventualmente aquilo que eu quiser”, refere Paulo Costa.

O Rosetta de David Baker passou por inúmeras atualizações ao longo dos anos. Em 2020, perante o potencial dos modelos com IA, surgiu uma nova versão com a inclusão de previsões com base em depp learning. Continua a ser usado para prever a estrutura de proteínas.

Como a Inteligência Artificial ajuda a prever a estrutura de proteínas

Prever a estrutura das proteínas era um sonho com mais de 50 anos já que, “para entender como funciona a vida, primeiro temos de entender a forma das proteínas”, explicava Heiner Linke. Isso foi possível em parte graças ao trabalho de Demis Hassabis e John Jumper com Inteligência Artificial.

Em 2020, a dupla apresentou um modelo — o AlphaFold2 — que foi usado para prever a estrutura de praticamente todas as 200 milhões de proteínas que os cientistas identificaram. A Google DeepMind, empresa da Google no Reino Unido de que Hassabis e Jumper fazem parte tornou o modelo público e, desde então, o AlphaFold2 já foi usado por mais de dois milhões de pessoas de 190 países.

À semelhança de muitos profissionais, a professora Maria João Romão, da NOVA FCT, experimentou o modelo assim que foi partilhado. Destaca que trouxe uma verdadeira “revolução”. “Antes deste modelo só se conseguia conhecer a estrutura das proteínas através de três métodos — a cristalografia de raio-x, a ressonância magnética nuclear e a criomicroscopia eletrónica — e podiam demorar anos até se obter resultados”, refere. “O uso destes métodos computacionais de facto conduziram a uma verdadeira revolução”, sublinha, acrecentando que o novo método tornou tudo mais rápido e fácil.

As aplicações são inúmeras. Já foi possível, por exemplo, determinar a estrutura de uma enzima bacteriana que provoca resistência antibiótica, visível na animação disponibilizada nas redes sociais do Prémio Nobel. Conhecê-la não é um pormenor e pode ser determinante para descobrir formas de prevenir a resistência a antibióticos. O modelo de IA também tem sido usado para compreender como algumas enzimas podem decompor o plástico.

“Podemos compreender cada vez melhor o funcionamento da vida, compreender doenças que desenvolvem resistências aos antibióticos, novos fármacos, novas vacinas, porque é que alguns micróbios conseguem decompor o plástico, ou mesmo descobrirem enzimas que conseguem converter o CO2 atmosférico em combustíveis alternativas”, sublinha Maria João Romão.

Quem são os vencedores do Nobel da Química?

David Baker é norte-americano e, quando começou os estudos na Universidade de Harvard, estava longe de se interessar por proteínas. Começou por escolher a área de filosofia e ciências sociais, mas ao cruzar-se com o livro “Molecular Biology of the Cell” (em português, “Biologia molecular das células”) decidiu mudar de rumo.

Baker começou a estudar biologia celular e ficou fascinado pelas proteínas. No início da década de 90 começou a dedicar-se a um dos maiores desafios da bioquímica e a investigar a forma como as proteínas se dobram, um trabalho que se revelou essencial quando mais tarde começou a desenvolver o software Rosetta.

David Baker

Apesar do trabalho na área da criação de proteínas, David Baker não saberia como escolher uma. “Adoro todas as proteínas, por isso não consigo escolher uma favorita”, afirmou durante a conferência de imprensa que se seguiu ao anúncio do prémio, em que teve desligar quase 100 chamadas que foi recebendo.

Baker, que estava a dormir quando lhe ligaram a anunciar que tinha vencido o Nobel, disse que olha para o seu trabalho como uma procura de soluções para os problemas atuais, em questões como as alterações climáticas e novas doenças. “O que fizemos com o design de proteínas foi descobrir como fazer novas proteínas que podem resolver os novos problemas”, explicou. Aos 62 anos, o cientista continua na Universidade de Washington, sendo o diretor do Institute for Protein Design e professor de bioquímica.

Demis Hassabis nasceu em Londres, onde os seus pais geriam uma loja de brinquedos. Enquanto adolescente, foi o segundo jogador de xadrez sub-14 mais bem classificado do mundo e começou a criar vídeojogos profissionalmente antes de entrar para a faculdade, diz o jornal Guardian.

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Demis Hassabis

Getty Images

Hassabis estudou ciência da computação na Universidade de Cambridge. Depois disso fundou uma empresa de vídeojogos, mas regressou a Cambridge para fazer um doutoramento em neurociência cognitiva. É co-fundador da DeepMind, que o Google comprou por 650 milhões de dólares em 2014 (quatro anos depois da sua criação). Este ano, aos 48 anos, foi investido cavaleiro pela sua contribuição para a área da Inteligência Artificial.

O norte-americano John Jumper tornou-se o mais jovem laureado em química em mais de 70 anos. É licenciado em física e matemática pela Universidade de Vanderbilt e mestre em química teórica pela Universidade de Chicago. Juntou-se à Deepmind em 2017, já depois da aquisição da Google.

John M. Jumper

John Jumper

Google DeepMind

A ideia de vencer o Nobel já lhe tinha passado pela cabeça, mas estimava que as suas hipóteses não passavam dos 10%, pelo que o plano era dormir até mais tarde, revelou numa entrevista breve partilhada nas redes sociais do Prémio Nobel. Sobre o trabalho que tem vindo a realizar, sublinhou que é necessário “que a computação resolva os problemas da biologia”. “Adoro o facto de já estar a acontecer”, afirmou.

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