O principal arguido do caso GES/BES foi um dos primeiros a chegar ao Campus de Justiça, em Lisboa. Foi por volta das 9h20 que Ricardo Salgado chegou, de braço dado com a mulher e o advogado, e foi sempre apoiado que fez o caminho até à porta do tribunal. O percurso foi demorado e superou até o tempo que o antigo banqueiro esteve dentro da sala de julgamento, onde respondeu apenas a nove questões de foro pessoal feitas pela juíza presidente do coletivo, Helena Susano. A última foi interrompida pelo advogado, Francisco Proença de Carvalho, e pôs fim à intervenção de Salgado nesta que foi a primeira sessão de julgamento do caso que o obrigará a responder por 62 crimes.
Entre a chegada ao Campus de Justiça e o início da sessão de julgamento passaram-se cerca de 30 minutos. Ricardo Salgado foi acompanhado pelo advogado Proença de Carvalho do seu lado direito e pela mulher Maria João Salgado do lado esquerdo, que o seguravam pela mão. A cena foi semelhante à única sessão do processo EDP em que Salgado marcou presença, em fevereiro deste ano.
Os poucos metros entre o carro e o edifício do tribunal, feitos à vista de todos, demoraram mais de 15 minutos a ser percorridos, algo justificado pelo elevado número de câmaras televisivas que acompanharam o antigo banqueiro, mas também pelo facto de Ricardo Salgado ter dificuldades motoras, pelo que se desloca com certa lentidão. Além disso, pelo caminho, Salgado foi confrontado com protestos de lesados do BES — uns visivelmente críticos do ex-banqueiro, outro, de um único elemento, mais compreensivo sobre o papel que Salgado teve na gestão e derrocada do banco. Em qualquer dos casos, Salgado não esboçou qualquer reação.
Lesados do BES usam carro funerário para protesto junto ao tribunal
Já dentro do tribunal, no banco reservado aos arguidos, Ricardo Salgado e a sua mulher só ocuparam os respetivos lugares durante cerca de 28 minutos. A sessão teve início pelas 9h57, com o advogado do antigo banqueiro, Francisco Proença de Carvalho, a pedir que o seu cliente fizesse já esta terça-feira a respetiva identificação — algo que estava previsto acontecer apenas na quinta-feira — para que depois pudesse abandonar a sala, sendo dispensado das restantes sessões.
Depois de a juíza, Helena Susano, referir que “o tribunal entende que faz sentido” tal pedido, Ricardo Salgado foi conduzido pela mulher até à cadeira, ficando de frente para a juíza e perto do coletivo. Maria João Salgado ficou ao lado do marido durante todo o processo, inclusivamente ajudando o antigo banqueiro a ouvir corretamente as perguntas que lhe eram feitas pela presidente do coletivo de juízes. Sempre que a juíza dirigia uma pergunta a Ricardo Salgado, a mulher repetia-a baixinho.
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No total, foram feitas nove questões. Primeiro o nome e a idade, seguindo-se a data de nascimento e a profissão. Salgado foi respondendo, mas já não foi capaz de o fazer quando lhe perguntaram pelo nome da mãe. E, a partir daí, a situação não melhorou:
“– Onde vive?
— Vivo… [silêncio]
– Em Lisboa ou Cascais?
– Cascais?
– E sabe a rua?
– Agora não me lembro.”
Depois destes enganos e confusões, Helena Susano continuou o inquérito: “O senhor Dr. quer que este julgamento — estamos num julgamento — seja feito na sua presença ou sem estar presente?”
Salgado não respondeu e a juíza continuou: “O senhor Dr. quer estar cá?” Nesse momento, Salgado falou para dizer que não sabia, levando a que o seu advogado interrompesse o momento. Proença de Carvalho alegou que Ricardo Salgado não tinha, claramente, condições para continuar a responder. E que o seu cliente iria fazer tudo o que fosse dito pelo seu advogado, não tendo poder de decisão. Proença de Carvalho referiu depois a doença de Alzheimer com que o antigo banqueiro tinha sido diagnosticado.
A sua mulher, que se manteve em silêncio durante todo este momento — falou apenas quando repetiu as questões da juíza ao antigo banqueiro —, ajudou depois Ricardo Salgado a regressar ao banco reservado aos arguidos. Poucos minutos depois, pelas 10h25, o casal abandonou a sala de audiências, deixando o tribunal pela garagem, já sem passar pela rua. O julgamento continuou na ausência do ex-banqueiro.
Esta terça-feira foi a primeira sessão de julgamento deste caso, sendo Ricardo Salgado, o principal arguido, acusado de 62 crimes: 29 de burla qualificada, 12 de corrupção ativa no setor privado, 7 de branqueamento, 5 de falsificação de documento, 4 de infidelidade, 2 de falsificação de documento qualificada, 2 crimes de manipulação de mercado e 1 crime de associação criminosa.
Já na rua, após os minutos em que Salgado esteve a ser identificado, o advogado do antigo banqueiro criticou a situação a que o ex-líder do BES tinha sido sujeito. Proença de Carvalho salientou que Salgado “não tem consciência” de que está num julgamento, porque “tem uma doença e os efeitos são o que são”. E disse que tinha sido aberta uma “página negra na Justiça portuguesa, pelo menos diante de todo o mundo. Sabemos como é que este tipo de casos, este tipo de pessoas com estas doenças, são tratadas no mundo civilizado e ficámos a saber como é que são tratadas, pelos vistos, no mundo incivilizado”, rematou.