Em 2020, Matthew Prince, CEO da tecnológica altamente especializada Cloudflare, acusou o Governo de António Costa de “incompetência” por causa de burocracias e chegou a ameaçar “parar de investir” em Portugal. Quatro anos volvidos, com o país nas mãos de um novo executivo e novas instalações da empresa a serem inauguradas em Lisboa, as críticas mantêm-se. E foram feitas sob o olhar atento de Pedro Reis, ministro da Economia, que esteve presente na inauguração do escritório.
Matthew Prince defende que existem três problemas que “atrasam Portugal”: o sistema de imigração, o aeroporto de Lisboa e a dificuldade em contratar product managers. Começando pelo primeiro, que diz ser o “maior”, o líder da Cloudflare dá um exemplo concreto para explicar a forma como afeta a empresa: “Um dos membros mais seniores da nossa equipa é de um país que não concede automaticamente um visto quando [um cidadão] vem para Portugal. Há dois meses e meio, iniciámos o processo de pedido de visto. Trata-se de uma pessoa incrivelmente bem sucedida […] mas não conseguimos que entrasse no país, não porque não fosse qualificado, mas porque o processo e a burocracia demoram demasiado tempo.”
De seguida, o CEO da Cloudflare desafia Portugal a melhorar o sistema de imigração, especialmente para “candidatos altamente qualificados”, e promete trazer “de volta mais portugueses, da diáspora, que deixaram o país”. Minutos depois, em conversa com o Observador, Matthew Prince afirma que se mantém otimista de que possam existir melhorias, contudo, considera, “parece que o país não está a fazer muitos progressos nesta área”. “E isso está a atrasar-nos. Há pessoas que queriam vir para Portugal, para trabalhar a partir daqui, mas não conseguimos obter um visto. E por isso temos que mandá-las para o escritório de Londres”, continua, salientando que ao longo dos anos a empresa aprendeu “todo o tipo de truques” para lidar com estas preocupações.
Se tivermos um bom advogado em Portugal, muitas coisas são feitas. Agora, temos melhores advogados do que em 2020″, brinca o empresário, acrescentando que uma das soluções implementadas foi levar os trabalhadores para a Madeira, onde o processo é mais rápido, para obterem o visto.
Ainda assim, continua a não ser o sistema ideal. “É dinheiro que temos de gastar em viagens de avião e que podíamos gastar em salários ou noutros investimentos ou a contratar mais pessoas. E trata-se do mesmo país. É um disparate termos de transportar pessoas para uma ilha para obterem um emprego que, se não fossem qualificadas, não teriam”, argumenta.
Quanto à sobrelotação do aeroporto, uma crítica que arrancou risos aos presentes na sala, Matthew Prince considera que é um “problema que tem solução” e defende que “logo a seguir à ponte há um aeroporto muito bom que pode ser utilizado para transferir alguma da carga do de Lisboa e fazer com que este se torne um local fiável para fazer negócios”. “Pode ser um incómodo se chegarmos umas horas atrasados às nossas férias, mas se vamos utilizar o aeroporto como centro de negócios não é aceitável que o atraso médio de um avião seja de 2h30”, aponta.
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Já sobre a dificuldade em contratar product managers, o CEO da Cloudflare começa por reconhecer que Portugal fez um “excelente trabalho na formação de alguns dos melhores engenheiros” que diz já ter visto. Porém, defende que o sistema educativo tem falhado em formar gestores de produto. Para sustentar a sua opinião fez a seguinte analogia: “Os engenheiros são como membros de uma orquestra. O gestor de produto é o maestro. E estamos a sentir falta de maestros.”
A viver em Portugal há dois meses, depois de há vários anos ter selecionado o país para ser o hub europeu da Cloudflare, Matthew Prince assegura que vai “continuar a investir” no país. Em 2019, a tecnológica contava com 14 trabalhadores em Portugal. Atualmente, a equipa já conta com mais de 350 funcionários, número que vai aumentar porque a empresa quer contratar mais 400 pessoas nos próximos três anos. Mas o CEO mostra-se confiante de que poderá não ficar por aí. “Se tivesse de adivinhar, acho que vamos ultrapassar isto [esta estimativa]. Penso que este é um objetivo muito conservador”, afirma, assegurando que se os problemas forem resolvidos vê-se a “contratar facilmente o dobro das pessoas”.
Ministro da Economia, o talento português e um “nirvana para os nómadas”
Antes do discurso de Matthew Prince, o ministro da Economia, Pedro Reis, fez as honras e arrancou a inauguração do escritório. Entre agradecimentos à empresa por continuar a apostar em Portugal, o governante disse que o executivo acredita “no setor privado como um motor de mudança” e considerou o “investimento estrangeiro como chave para a internacionalização”.
“Vejo que os investidores, as empresas, os talentos que escolhem o nosso país sabem que através de Portugal têm acesso a mercados estratégicos. Penso que Portugal, num mundo muito volátil, é cada vez mais considerado um porto seguro e esse é um fator chave na atração de investimento”, defendeu Pedro Reis, destacando que outro ponto importante é a “eficácia das “infraestruturas” do país. “Vamos continuar a investir nisso, não só na logística, mas também nas comunicações”, acrescentou.
O ministro da Economia lembrou também que “em Portugal se pode encontrar talento que vai muito além do facto de termos fomentado, na última década, 4.000 startups e seis unicórnios e a Web Summit” e o que chamou “um nirvana para os nómadas”. “Acredito que há aqui algo que não está na nossa proposta de valor, que não é circunstancial, não é temporário. Fizemos a ligação entre as sociedades, os talentos e os jovens, onde querem estar e o que querem tirar não só do seu emprego, mas da sua existência”, garantiu.