Mais do que uma antecâmara para os Óscares, os Globos de Ouro costumam ser encarados como a alternativa aos prémios da Academia no que toca a cinema. Mais diversos, mais audazes — a um nível por vezes até a roçar o inexplicável —, mas sempre surpreendentes. A 82.ª edição destes galardões, decorrida durante esta madrugada em Los Angeles, foi prova disso mesmo. Quando todas as apostas apontavam que Nicole Kidman recebesse a estatueta de Melhor Atriz em Drama pela sua interpretação em Babygirl, a vencedora veio do Brasil.
Tamanha foi a surpresa para Fernanda Torres que a protagonista de Ainda Estou Aqui admitiu em palco não ter um texto preparado, mas nem por isso deixou de dedicar um discurso à sua mãe, Fernanda Montenegro, que 25 anos antes esteve nessa mesma cerimónia devido a uma nomeação por Central do Brasil. O que distingue a atriz de 59 anos dos demais compatriotas — incluindo a progenitora —, é que venceu mesmo desta vez.
Entre as presenças de mãe e filha nos Globos de Ouro há um elemento em comum: Walter Salles, cineasta conterrâneo que realizou ambos os filmes que as levaram até lá. No caso de Torres, Ainda Estou Aqui recupera o período da ditadura militar do Brasil, evocando a história do político Rubens Paiva, que foi preso, torturado e morto, e da mulher, a ativista Eunice Paiva, que a atriz encarna.
A sua vitória foi tanto mais surpreendente porque Ainda Estou Aqui já tinha perdido na outra categoria a que concorria, de Melhor Filme em Língua Estrangeira, para Emilia Pérez, um dos grandes vencedores da noite. O filme de Jacques Audiard — que partia para a corrida como a película com maior número de nomeações, 10 ao todo — conquistou quatro Globos de Ouro, somando a este já descrito os de Melhor Atriz Secundária para Zoe Saldaña, Melhor Filme de Comédia ou Musical e Melhor Canção por El Mal.
Este musical — que conta a história de uma nova líder de um cartel de droga após uma mudança de sexo — posiciona-se assim como um favorito aos Óscares, depois de já ter vencido também o Prémio do Júri em Cannes. “A luz vence sempre a escuridão. Talvez nos possam pôr na cadeia. Podem bater-nos. Mas nunca nos podem tirar a nossa alma, a nossa resistência, a nossa identidade”, afirmou Karla Sofia Gascon, atriz transgénero e protagonista de Emilia Pérez.
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O outro musical na contenda para várias distinções, Wicked, teve apenas como consolação o galardão de prémio para Bilheteira ou Feito Cinematográfico, mas não foi o único derrotado da noite. Conclave, outro dos mais fortes concorrentes, leva apenas o prémio de Melhor Argumento, ao passo que Anora saiu de mãos a abanar. Mikey Maddison, posicionada como a favorita a vencer como Melhor Atriz de Comédia ou Musical pela sua audaz interpretação de uma stripper no filme de Sean Baker, assistiu à outra grande surpresa da noite quando em seu lugar Demi Moore subiu ao palco para receber a estatueta pela sua performance em A Substância, filme que marcou uma espécie de renascimento da sua carreira.
Foi, de resto, o primeiro prémio de dimensão significativa que a atriz de 62 anos recebeu ao longo de toda a carreira, e a própria fez questão de frisá-lo. “Há 30 anos, um produtor disse-me que eu era uma atriz de filmes de pipocas e, nessa altura, entendi que isto [o prémio] não era algo que me fosse permitido. Que eu podia fazer filmes de sucesso, mas que não podia ser reconhecida”, desabafou.
Com as devidas diferenças, esta 82.ª cerimónia também marcou uma renascença nas hipóteses de reconhecimento de um ator já o teve 20 anos antes. Apesar de continuar a fazer trabalho meritório, há muito que não se via Adrien Brody na contenda para grandes prémios, desde que venceu o Óscar por O Pianista. Interpretando outro homem confrontado com gigantes desafios, venceu o seu primeiro Globo de Ouro — de Melhor Ator em Drama — da carreira por protagonizar a história do arquiteto húngaro László Toth, que foge da Europa no pós-II Guerra Mundial em O Brutalista.
Ainda por estrear em Portugal — acontece a 23 de janeiro — este épico de três horas e meia almejou outros dois dos mais significativos prémios da noite: Melhor Filme de Drama e Melhor Realizador, para Brady Corbet. No seu discurso de aceitação, o cineasta apontou o dedo àqueles que lhe disseram que tal filme era “impossível de distribuir” e que “ninguém o iria ver”, pedindo aos seus pares que arrisquem em projetos mais ousados.
De mencionar ainda a vitória de Kieran Culkin como Melhor Ator Secundário por A Verdadeira Dor — o segundo da carreira, depois de um galardão vencido há um ano pelo seu papel na série televisiva Succession — e de Sebastian Stan como Melhor Ator de Musical ou Comédia em A Different Man. Stan partiu como duplamente nomeado, já que também disputava na categoria dramática por fazer de um jovem Donald Trump em The Apprentice.
Aproveitando a menção ao presidente eleito norte-americano, é de registar que o seu nome não surgiu uma única vez ao longo de toda a cerimónia — contrastando com outras edições onde galardoados e anfitriões aproveitaram o púlpito para criticá-lo ou fazer piadas à sua custa. A única exceção aconteceu numa menção indireta à sua vitória no monólogo de abertura da comediante Nikki Glaser, a anfitriã desta cerimónia. “Vocês são todos tão famosos, tão talentosos, tão poderosos. Quer dizer, podem fazer qualquer coisa — exceto dizer ao país em quem votar. Mas não faz mal. Conseguem da próxima. Se houver uma próxima”, brincou.
Em total contraste com a condução desastrosa de Jo Koy em 2024, Glaser — a primeira mulher de sempre a ter honras de anfitriã dos Globos de Ouro — foi uma lufada de ar fresco, equilibrando humor mais arriscado com piadas mais generalistas. Conhecida sobretudo pelos roasts de comédia em que participa, provou a um público mais alargado que o facto de estar nomeada para Melhor Comédia Stand Up, com Someday You’ll Die, não foi mero acaso. A vitória, porém, iria para Ali Wong, que um ano antes já fora agraciada com uma estatueta por entrar na minissérie Beef.
Ao contrário do que aconteceu no cinema, no que toca à televisão, registaram-se poucas surpresas, em particular quando comparando com o resultado dos prémios Emmy em setembro. Tal como aí, Shōgun, a série da FX, voltou a dominar e a fazer história, vencendo as quatro categorias que disputou: Melhor Série de Drama, Melhor Atriz e Melhor Ator de Drama (Anna Sawai e Hiroyuki Sanada, respetivamente), assim como Melhor Ator Secundário (Tadanobu Asano).
Pelo contrário, The Bear, que nos Emmys já tivera o seu domínio posto em causa, viu-o confirmado aqui, com apenas Jeremy Allen White — que nem sequer pôde comparecer — a vencer o prémio de Melhor Ator de Musical ou Comédia. A série cómica a ser distinguida desta vez foi Hacks, cuja protagonista, Jean Smart, também somou o seu segundo Globo de Ouro como Melhor Atriz de Musical ou Comédia.
A outra produção a sair desta cerimónia com mais do que um prémio foi Baby Reindeer, a polémica série na Netflix que valeu ao seu criador, Richard Gadd, o galardão de Melhor Minissérie ou Telefilme, e a Jessica Gunning a estatueta de Melhor Atriz Secundária. Para terminar, dois papa-Globos de Ouro voltaram a receber troféus para aumentar a coleção na estante: se Colin Farrell, que já tinha dois, recebeu um terceiro como Melhor Ator em Minissérie ou Telefilme por protagonizar um dos arquinimigos de Batman em The Penguin, Jodie Foster passou a ter cinco por vencer nessa mesma categoria no feminino por True Detective: Night Country. Dos dois, porém, é Farrell quem leva a distinção de melhor discurso: “Não tenho de agradecer a ninguém, fiz tudo sozinho”, afirmou, antes de começar a enumerar agradecimentos.
Veja aqui a lista completa de vencedores:
Cinema
Melhor Filme, Drama
- “O Brutalista”
- “A Complete Unknown”
- “Conclave”
- “Dune 2”
- “Nickel Boys”
- “September 5”
Melhor Filme, Musical ou Comédia
- “Anora”
- “Challengers”
- “Emilia Pérez”
- “A Verdadeira Dor”
- “A Substância”
- “Wicked”
Melhor Filme, Animação
- “Flow”
- “Divertida-Mente 2”
- “Memoir of a Snail”
- “Vaiana 2”
- “Wallace & Gromit: A Vingança das Aves”
- “Robô Selvagem”
Prémio para Bilheteira ou Feito Cinematográfico
- “Alien: Romulus”
- “Beetlejuice Beetlejuice”
- “Deadpool & Wolverine”
- “Gladiador 2”
- “Divertida-Mente 2”
- “Tornados”
- “Wicked”
- “Robô Selvagem”
Melhor Filme em Língua Estrangeira
- “All We Imagine as Light – Tudo o Que Imaginamos como Luz”
- “Emilia Pérez”
- “Ainda Estou Aqui”
- “A Semente do Figo Sagrado”
- “Vermiglio”
Melhor Atriz, Drama
- Pamela Anderson, “The Last Showgirl”
- Angelina Jolie, “Maria”
- Nicole Kidman, “Babygirl”
- Tilda Swinton, “O Quarto ao Lado”
- Fernanda Torres, “Ainda Estou Aqui”
- Kate Winslet, “Lee”
Melhor Ator, Drama
- Adrien Brody, “O Brutalista”
- Timothée Chalamet, “A Complete Unknown”
- Daniel Craig, “Queer”
- Colman Domingo, “Sing Sing”
- Ralph Fiennes, “Conclave”
- Sebastian Stan, “The Apprentice — A História de Trump”
Melhor Atriz, Musical ou Comédia
- Amy Adams, “Nightbitch”
- Cynthia Erivo, “Wicked”
- Karla Sofía Gascón, “Emilia Pérez”
- Mikey Madison, “Anora”
- Demi Moore, “A Substância”
- Zendaya, “Challengers”
Melhor Ator, Musical ou Comédia
- Jesse Eisenberg, “A Verdadeira Dor”
- Hugh Grant, “Herege”
- Gabriel LaBelle, “Saturday Night”
- Jesse Plemons, “Histórias de Bondade”
- Glen Powell, “Assassino Profissional”
- Sebastian Stan, “A Different Man”
Melhor Atriz Secundária
- Selena Gomez, “Emilia Pérez”
- Ariana Grande, “Wicked”
- Felicity Jones, “O Brutalista”
- Margaret Qualley, “A Substância”
- Isabella Rossellini, “Conclave”
- Zoe Saldaña, “Emilia Pérez”
Melhor Ator Secundário
- Yura Borisov, “Anora”
- Kieran Culkin, “A Verdadeira Dor”
- Edward Norton, “A Complete Unknown”
- Guy Pearce, “O Brutalista”
- Jeremy Strong, “The Apprentice — A História de Trump”
- Denzel Washington, “Gladiador 2”
Melhor Realização
- Jacques Audiard, “Emilia Pérez”
- Sean Baker, “Anora”
- Edward Berger, “Conclave”
- Brady Corbet , “O Brutalista”
- Coralie Fargeat, “A Substância”
- Payal Kapadia, “All We Imagine as Light – Tudo o Que Imaginamos como Luz”
Melhor Argumento
- “Emilia Pérez”
- “Anora”
- “O Brutalista”
- “A Verdadeira Dor”
- “A Substância”
- “Conclave”
Melhor Banda Sonora
- “Conclave”
- “O Brutalista”
- “Robô Selvagem”
- “Emilia Perez”
- “Challengers”
- “Dune 2”
Melhor Canção
- “The Last Showgirl”,“Beautiful That Way” de Miley Cyrus, Lykke Li, e Andrew Wyatt
- “Challengers”, “Compress/Regress”
- “Emilia Pérez”, “El Mal” de Clément Ducol, Camille and Jacques Audiard
- “Better Man”, “Forbidden Road” de Robbie Williams, Freddy Wexler & Sacha Skarbek
- “Robô Selvagem”, “Kiss the Sky”
- “Emilia Pérez”, “Mi Camino” de Clément Ducol and Camille
Televisão
Melhor Série, Drama
- “The Day of the Jackal”
- “A Diplomata”
- “Mr. and Mrs. Smith”
- “Shōgun”
- “Slow Horses”
- “Squid Game”
Melhor Série, Musical ou Comédia
- “Abbott Elementary”
- “The Bear”
- “The Gentlemen: Senhores do Crime”
- “Hacks”
- “Ninguém Quer Isto”
- “Homicídios ao Domicílio”
Melhor Minissérie ou Telefilme
- “Baby Reindeer”
- “Disclaimer”
- “Monstros: A História de Lyle e Erik Menendez”
- “The Penguin”
- “Ripley”
- “True Detective: Night Country”
Melhor Atriz, Drama
- Kathy Bates, “Matlock”
- Emma D’Arcy, “House of the Dragon”
- Maya Erskine, “Mr. and Mrs. Smith”
- Keira Knightley, “Black Doves”
- Keri Russell, “A Diplomata”
- Anna Sawai, “Shōgun”
Melhor Ator, Drama
- Donald Glover, “Mr. and Mrs. Smith”
- Jake Gyllenhaal, “Presumível Inocente”
- Gary Oldman, “Slow Horses”
- Eddie Redmayne, “The Day of the Jackal”
- Hiroyuki Sanada, “Shōgun”
- Billy Bob Thornton, “Landman”
Melhor Atriz, Musical ou Comédia
- Kristen Bell, “Ninguém Quer Isto”
- Quinta Brunson, “Abbott Elementary”
- Ayo Edebiri, “The Bear”
- Selena Gomez, “Homicídios ao Domicílio”
- Kathryn Hahn, “Foi Sempre a Agatha”
- Jean Smart, “Hacks”
Melhor Ator, Musical ou Comédia
- Adam Brody, “Ninguém Quer Isto”
- Ted Danson, “Temos um Infiltrado”
- Steve Martin, “Homicídios ao Domicílio”
- Jason Segel, “Terapia Sem Filtros”
- Martin Short, “Homicídios ao Domicílio”
- Jeremy Allen White, “The Bear”
Melhor Atriz em Minissérie ou Telefilme
- Cate Blanchett, “Disclaimer”
- Jodie Foster, “True Detective: Night Country”
- Cristin Milioti, “The Penguin”
- Sofía Vergara, “Griselda”
- Naomi Watts, “Feud: Capote vs. the Swans”
- Kate Winslet, “The Regime”
Melhor Ator, Minissérie ou Telefilme
- Colin Farrell, “The Penguin”
- Richard Gadd, “Baby Reindeer”
- Kevin Kline, “Disclaimer”
- Cooper Koch, “Monstros: A História de Lyle e Erik Menendez”
- Ewan McGregor, “Um Gentleman em Moscovo”
- Andrew Scott, “Ripley”
Melhor Atriz Secundária
- Liza Colón-Zayas, “The Bear”
- Hannah Einbinder, “Hacks”
- Dakota Fanning, “Ripley”
- Jessica Gunning, “Baby Reindeer”
- Allison Janney, “A Diplomata”
- Kali Reis, “True Detective: Night Country”
Melhor Ator Secundário
- Tadanobu Asano, “Shōgun”
- Javier Bardem, “Monstros: A História de Lyle e Erik Menendez”
- Harrison Ford, “Terapia Sem Filtros”
- Jack Lowden, “Slow Horses”
- Diego Luna, “A Máquina”
- Ebon Moss-Bachrach, “The Bear”
Melhor Comédia Stand Up
- Jamie Foxx, “What Had Happened Was”
- Nikki Glaser, “Someday You’ll Die”
- Seth Meyers, “Dad Man Walking”
- Adam Sandler, “Love You”
- Ali Wong, “Single Lady”
- Ramy Youssef, “More Feelings”