Está na origem da Operação Marquês e poderá o último arguido conhecido de uma investigação que deverá ser encerrada em breve.

Chama-se Rui Mão de Ferro e é sócio, administrador e gerente de diversas empresas de uma das figuras-chave deste caso: Carlos Santos Silva, o alegado testa-de-ferro de José Sócrates que foi constituído arguido por suspeitas dos crimes de corrupção passiva para ato ilícito (em regime de co-autoria com José Sócrates), tráfico de influência, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.

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Perfil público de Rui Mão de Ferro na rede social LinkedIn.

Este economista de 50 anos, licenciado pelo Instituto Superior de Economia e Gestão, iniciou a sua carreira profissional na Boliden Portugal, tendo passado pela Electroliber (onde terá sido diretor financeiro do Grupo Distri), Frissul – Entrepostos Frigoríficos, Tempus International e Web Lab. Trabalhou também na Otto Portugal, que opera na área de recolha de lixo. Além de administrador de diversas sociedades do universo empresarial de Carlos Santos Silva tem ainda a sua empresa de consultadoria estratégica: a RMF Consulting.

Mão de Ferro está sinalizado pelo Ministério Público (MP) desde o início das investigações a José Sócrates. É referido no primeiro relatório da Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária (PJ), datado de Março de 2012, que está na origem da Operação Marquês como sendo um dos intervenientes indiretos nas transferências bancárias suspeitas entre empresas ligadas à compra de direitos de transmissão televisiva da Liga espanhola de futebol e à compra de direitos desportivos e económicos de jogadores de futebol. No caso da compra dos direitos televisivos, o MP suspeita que José Sócrates estará envolvido no negócio através de Carlos Santos Silva.

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O início da Operação Marquês

Sócio, acionista, administrador e gerente de diversas empresas ligadas a Carlos Santos Silva, Mão de Ferro era o administrador único da empresa Walton Grupo Inversor, uma empresa espanhola dedicada ao negócio de transportes, com sede em Barcelona, que detinha 35% da Code City Players Investment – sociedade liderada por Rui Pedro Soares, ex-administrador executivo da Portugal Telecom e atual presidente da SAD do Belenenses, que detinha a maioria do capital social. Esta última empresa tinha como objeto social a compra e venda de direitos desportivos e económicos de jogadores de futebol tendo participado em diversas operações que estão identificadas nos autos da Operação Marquês.

Mão de Ferro e Santos Silva

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Rui Mão de Ferro é administrador de diversas sociedades do Grupo Proengel, gerente da Taggia XIV e tem uma pequena quota parte do capital social de outra empresa igualmente detida por Carlos Santos Silva

Rui Pedro Soares e a mulher detinham ainda outra sociedade denominada Code City Comunicação, proprietária de uma revista entre outros projetos. Foi a partir de uma transferência de 600 mil euros de Carlos Santos Silva em janeiro de 2012 para uma conta desta empresa do casal Soares na Caixa Geral de Depósitos, considerada suspeita pela PJ, que os radares foram acionados. Seguido o rasto do dinheiro, as autoridades perceberam o casal do Soares tinha transferido uma parte desse montante (cerca de 196 mil euros) para a SAD do Belenenses e outra parte (cerca de 370 mil euros) para a SAD do Beira-Mar.

A PJ acabou por relacionar em Maio de 2013 esta transferência de Carlos Santos Silva para o casal Soares com outra operação igualmente considerada suspeita verificada também em 2012: a compra por parte do empresário da Covilhã de diversos imóveis a Maria Adelaide Monteiro, mãe de José Sócrates, por cerca de 600 mil euros – sendo que cerca de 450 mil euros foram parar à conta de Sócrates.

O negócio dos direitos televisivos

Ainda antes de ser instaurado um processo-crime formal que tem José Sócrates e Carlos Santos Silva como visados, a PJ recebeu igualmente uma denúncia que voltou a envolver o nome de Rui Mão de Ferro – e desta vez já como um gestor o ligado a Carlos Santos Silva.

Tudo começa com um cheque de de 2,7 milhões de euros da Partrouge Media, uma empresa do universo de Miguel Paes do Amaral, à ordem da Walton Grupo Inversos, empresa que tinha como administrador único Mão de Ferro. O cheque terá sido depositado em Junho de 2011 na conta de Carlos Santos Silva no BES – o que causou curiosidade à PJ – e estará relacionado com a venda para Portugal dos direitos televisivos da liga espanhola de futebol das épocas desportivas de 2012/13 até 2014/15.

Esses direitos pertenciam a uma sociedade chamada Worldcom, detida por Rui Pedro Soares e sua família, e que teria como Rui Mão de Ferro como gerente desde maio de 2011. A Walton, por seu lado, representaria os interesses da Worldcom em Espanha, daí a razão do cheque ter sido passado em seu nome.

O procurador Rosário Teixeira analisou a informação da PJ no despacho que abre formalmente a investigação a Carlos Santos Silva por suspeitas de fraude fiscal e branqueamento de capitais e concluiu que o depósito do cheque da Patrouge na conta de Carlos Santos Silva indiciava que o empresário da Covilhã estaria relacionado com o negócio da compra e venda dos direitos desportivos.

As empresas e os livros

Com o decorrer da investigação, o Ministério Público reforçou a sua suspeita de que Rui Mão de Ferro seria um representante de Santos Silva na Walton – e este um testa-de-ferro de José Sócrates.

Além da relação empresarial, os investigadores detetaram também uma cumplicidade forte entre os dois. Tal como o jornal i noticiou em abril, e agora repetido pela SIC com mais pormenores, Mão de Ferro terá ajudado a esconder provas que alegadamente incriminariam José Sócrates. Logo após ter sido confrontado pela revista Sábado em julho de 2014 com a informação de que estaria a ser investigado, Sócrates encontrou-se com Carlos Santos Silva na sua casa em Lisboa. Horas depois, Santos Silva terá pedido a Rui Mão de Ferro para se desfazer de documentação que o ligariam ao ex-primeiro-ministro. 

Aquando das buscas que antecederam a detenção de José Sócrates e Carlos Santos Silva, realizadas entre 19 e 21 de novembro, Rui Mão de Ferro foi incluído nos alvos a visitar, tendo sido encontrada documentação relacionada com a compra das casas de Maria Adelaide Monteiro, mãe de Sócrates, por parte de Santos Silva e ainda documentação relacionada com João Perna, o motorista de Sócrates – noticiou em abril o jornal i, citando um acórdão da Relação de Lisboa.

Rui Mão de Ferro está ainda referenciado nos autos da Operação Marquês como sendo um dos participantes no esquema de compra em massa do livro de José Sócrates (“A Confiança no Mundo”), lançado em Outubro de 2014, financiado com dinheiro vivo que provirá da conta de Santos Silva no BES – conta essa que foi alimentada com parte dos 23 milhões de euros que o empresário da Covilhã transferiu da Suíça e que o MP diz pertencerem a José Sócrates.

Ao que o Observador apurou, Mão de Ferro deverá ser o último arguido da Operação Marquês, o que indicia que o despacho de encerramento de inquérito deverá ser conhecido em breve. Nesse despacho, o procurador Rosário Teixeira informará os arguidos sobre os factos que levarão a uma acusação formal, quais os que serão alvo de arquivamento e quais que serão alvo de extração de certidão para novos inquéritos autónomos.