Menos novos casos de infeção por VIH, menos casos de sida e menos óbitos associados ao VIH. As contas são de subtrair, os resultados do ano 2014 são bastante positivos e deixam Portugal mais próximo da média da União Europeia, sublinhou, em entrevista ao Observador, António Diniz, diretor do Programa Nacional para a Infeção VIH/Sida.

Mas a verdade é que nem tudo são notas positivas. Há ainda muito a fazer neste capítulo, logo a começar pela questão da prevenção e do diagnóstico.

Em que ponto estamos em matéria de prevenção e controlo da infeção VIH/Sida, em Portugal?

Nos últimos anos creio que conquistámos algumas coisas importantes. Conquistámos uma melhor estrutura e uma melhor organização em termos de resposta de cuidados de saúde e os resultados começam a mostrar que nos estamos a aproximar, cada vez mais e de forma mais rápida, dos padrões da União Europeia.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Pode dar alguns exemplos?

Estamos a conseguir, apesar de ainda não ser de uma forma sustentada nem definitiva, diminuir o número de novos casos de infeção por VIH. Passámos de uma incidência de 14,2 por cada 100 mil habitantes em 2013 para 11,7 por 100 mil em 2014. Ainda estamos acima da média europeia, mas estamos a aproximar-nos. Aproximámo-nos também na proporção de casos de utilizadores de drogas injetáveis. No princípio do século XXI eram mais de 50% o número de novos casos de infeção por VIH que ocorriam em utilizadores de drogas injetáveis. Agora estamos com 3,9%. Além disso, estamos a diagnosticar as pessoas mais cedo e o número de casos de sida também tem descido.

O caminho que estamos a tomar é um caminho correto. Devemos estar satisfeitos com os resultados, mas estes resultados não são ainda suficientes.

Qual é o principal problema que ainda subsiste?

O principal problema e a principal limitação que nós temos para atingir as metas em 2020 ainda tem a ver com o diagnóstico: 49% de casos chegam tardiamente às consultas, o que ainda é uma percentagem elevada, mesmo que tenha havido um grande progresso nos últimos anos. Viemos de um valor na ordem dos dois terços, há quatro ou cinco anos, para um número abaixo dos 50% e em linha com os 47% registados na União Europeia.

E como se conseguiu este progresso em termos de diagnóstico?

Colocámos testes rápidos nos centros de saúde em dezembro de 2013, além de promovermos a abertura de concursos para organizações da sociedade civil para elas fazerem diagnóstico precoce nas populações mais vulneráveis. E fizemos sair, em dezembro de 2014, uma norma da DGS — com caráter de obrigatoriedade no Serviço Nacional de Saúde (SNS) — a dizer que todas as pessoas entre os 18 e os 64 anos deveriam, pelo menos uma vez, conhecer o seu estado em matéria de VIH.

Um dado curioso do relatório deste ano sobre o VIH/Sida é aquele que mostra que mais de um quarto dos novos casos ocorrem acima dos 50 anos e 7% acima dos 65. O que é que isto revela? E que medidas exige?

Por causa disso, ainda este ano devemos retirar o teto dos 64 anos da norma publicada há um ano pela DGS. Rapidamente vai cair. Este indicador revela que a vida sexual das pessoas se prolonga mais do que há uns anos e que esse grupo é o que tem o menor conhecimento da infeção, o que menos se protege através da utilização de preservativo e o que menos em risco se considera. Esta junção faz com que, naturalmente, os casos venham a aumentar progressivamente. Isto reforça a necessidade de promover a atuação junto destas pessoas, que ainda é mais difícil do que junto das pessoas mais jovens. Os cuidados de saúde primários têm um papel aqui muito importante, porque este é um grupo que vai já com alguma assiduidade ao médico de família.

Que desafios Portugal ainda tem pela frente em matéria de VIH/Sida?

As metas que a ONUSIDA estabeleceu no seu plano de ação 2016-2021 passam por conseguir que 90% das pessoas infetadas sejam diagnosticadas, que 90% das diagnosticadas sejam tratadas e que 90% das tratadas estejam controladas.

Ora, se queremos atingir esses objetivos – que eu acho possível — temos de aprofundar um conjunto de medidas. Temos de continuar a aprofundar a prevenção — através da educação, formação em todos os sítios e de uma melhor rede de distribuição de material de prevenção, com a ajuda de organizações não governamentais. Nas escolas, por exemplo, não existe isto de forma sistemática, nem em termos de educação, nem em termos de ter acesso a material de prevenção. Temos de mudar isso.

O número de novos casos por transmissão de homens que fazem sexo com homens caiu em 2014, mas o peso que estes casos assumem está a crescer. Porquê?

Seguramente porque assumem comportamentos de risco. Vai-se iniciar até ao fim do ano um estudo para tentar avaliar e perceber porque motivo os homens que têm sexo com homens adquirem a infeção. Este estudo será feito através de inquéritos a pessoas infetadas que estão a ser seguidas nos hospitais. As conclusões poderão contribuir para estabelecer medidas de prevenção mais eficazes e destinadas aos fatores que terão determinado que este grupo populacional esteja a crescer. Isto não é uma originalidade de Portugal. Este é o percurso da UE, onde a média de novos casos no grupo de homens que tem sexo com outros homens se situa nos 41%, acima dos 31% portugueses.

O facto de as pessoas terem noção que esta é uma doença crónica pode constituir um problema? 

Esse é outro fator que pode contribuir para o aparecimento de novos casos. Como a perspetiva em relação à infeção se modificou drasticamente e passou de uma doença quase fatal a curto prazo para doença crónica, levou a que todos afrouxássemos um pouco a intensidade do esforço que se fazia. A importância que se dá hoje à infeção por VIH não é a mesma que se dava antigamente. Houve um afrouxar da vigilância da comunidade em geral e não só em Portugal.

De qualquer forma, lembro-lhe que ainda no ano passado houve óbitos. Sendo uma doença crónica, é uma doença que ainda não tem cura e que mata.

Acha que as pessoas já estão suficientemente informadas e que sabem o que é o VIH, o que é a sida e quais as vias de transmissão?

Todos os anos fazemos um inquérito à população para saber qual o conhecimento que ela tem e acho que a questão central não está atualmente na informação. As pessoas na generalidade respondem corretamente às questões. O problema não é saberem o que é certo ou errado, o problema é interiorizarem e passarem esse conhecimento para as atitudes diárias. É este passo entre o conhecimento intelectual da realidade e a aplicação diária e a interiorização deste processo por forma a modificar o comportamento que ainda não foi suficientemente dado.

Há ainda muito preconceito?

Estamos melhores em termos de discriminação. Não tem comparação com aquilo que se viveu nos anos 80 e 90, mas ainda existe. E ainda existe em todos os meios e em todos os contextos. Ainda existem situações de discriminação no meio laboral, no meio escolar, familiar, de saúde. E nunca será possível eliminar a 100% esta discriminação, mas será fundamental diminuir até para que uma pessoa consiga atingir todas as outras metas.

Sete associações de apoio a doentes com VIH estão a avisar que vão ficar sem dinheiro a partir de janeiro e que 1.500 doentes poderão perder o apoio. Como vê esta situação? 

Essas organizações estão financiadas pela DGS e asseguram algumas estruturas de apoio social a pessoas afetadas: apoios domiciliários, estruturas residenciais e realização de tarefas. A 31 de dezembro acaba o financiamento desses projetos, mas eu acho que estas associações não vão fechar portas nem deixar de apoiar esses doentes. Dificilmente o Serviço Nacional de Saúde (SNS) conseguiria garantir os cuidados a estes doentes.

Eu gostaria que o concurso já tivesse sido aberto, mas nós precisamos de autorização. Depois, desde a data da abertura até à sua conclusão levará sempre alguns meses. O mais importante nesta altura é que se consiga assegurar às organizações que o financiamento vai chegar.