O Centro Hospitalar Universitário de Rennes (CHU) anunciou esta tarde que morreu um dos pacientes que estava internado depois de participar num ensaio clínico com uma molécula criada pela farmacêutica portuguesa Bial, segundo a AFP. A vítima que perdeu a vida este domingo estava em morte cerebral.
A Bial já lamentou a morte do paciente e garantiu que está a acompanhar os restantes pacientes hospitalizados. “Expressamos os nossos profundos sentimentos e solidariedade para com os familiares deste voluntário”, lê-se no comunicado que a Bial disponibilizou hoje na página na Internet.
A empresa liderada por António Portela disse ainda que está a “acompanhar os restantes voluntários hospitalizados” e que continua a colaborar com as autoridades para “apurar as causas desta trágica e lamentável situação”.
A vítima mortal foi admitida no hospital no domingo, dia 10, e teve uma evolução tão rápida que os médicos pensavam que estaria a ter um acidente vascular cerebral. Mais tarde verificaram que se tratava de uma trombose, disse Pierre-Gilles Edan, chefe do serviço de neurociências do CHU, numa conferência de imprensa na sexta-feira.
De acordo com o hospital, o estado de saúde dos outros cinco homens hospitalizados continua estável. O Le Monde avançou que quatro deles registam danos cerebrais cuja gravidade ainda não é possível precisar, embora haja receio que sejam de natureza irreversível. Um quinto homem não apresenta sintomas. Os doentes têm idades compreendidas entre 28 e 49.
#BREAKING: Man dies after being left brain-dead in French drug trial: hospital
— AFP News Agency (@AFP) January 17, 2016
O ensaio clínico contou com a participação de 128 voluntários, segundo a ministra da Saúde francesa, Marisol Touraine: 90 pessoas tiveram a molécula administrada em diferentes doses, enquanto os restantes receberam placebo. Uma nota do hospital anunciou que 84 desses voluntários expostos à molécula foram contactados, sendo que dez deles foram examinados no sábado (ontem), sem que fossem registadas quaisquer anomalias.
“Uma investigação [em ensaios clínicos] comporta sempre riscos, mas esta estava a ser conduzida em França, onde tudo é levado ao mais ínfimo pormenor. São a primeira linha de investigação”, disse ao Observador Miguel Guimarães, presidente Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos, reforçando as alegações da empresa e da ministra da Saúde em como tudo estava a seguir as normas requeridas.
A molécula usada no ensaio clínico foi criada pela Bial, mas produzida para o ensaio noutros laboratórios europeus e depois testada na Biotrial. O composto criado pela farmacêutica portuguesa inibe uma proteína importante na destruição dos endocanabinoides, que atuam no apetite, na sensação de dor, no humor e na memória, explicou o Público.
“Uma infeção bacteriana podia explicar esta situação”
As autoridades francesas comunicaram no sábado que foram abertas três investigações no laboratório onde estavam a ser desenvolvidos os ensaios clínicos. A iniciativa partiu da farmacêutica portuguesa Bial. Os investigadores estarão a tentar compreender se o acidente registado foi causado por um erro humano, nomeadamente ao nível da dosagem, ou se terá a ver com a própria molécula. Mas um contaminante ou um agente patogénico (que causa doenças) também podem explicar a situação.
“O óbvio é que exista uma relação com o medicamento, mas às vezes não é o verdadeiro”, explica o Miguel Guimarães. “Uma infeção bacteriana podia explicar esta situação.”
Mas se o problema se dever à molécula, o médico lembrou que: “Nunca se faz uma escalada grande na dose da medicação.” Os ensaios clínicos normalmente começam por uma dose mais baixa que se vai aumentando gradualmente, grupo a grupo, até um máximo definido. A Bial confirmou que este era o último grupo de pessoas que estaria a ser sujeito a este ensaio clínico de fase I e que portanto estariam a tomar a dose mais alta. Mas nenhum dos voluntários dos grupos anteriores apresentou até ao momento qualquer tipo de sintomas.
Lívia Sousa, a responsável pela área de ensaios clínicos da Unidade de Inovação e Desenvolvimento do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, explicou ao Observador que quando é registada uma reação aguda, a toma do medicamento é imediatamente interrompida e regra geral a situação do doente é revertida. Uma reação aguda desenvolve-se mais ou menos rapidamente como resposta a um agente estranho, que poderia neste caso ser a molécula. Por essa razão é que eliminando esse elemento estranho se prevê que se reverta a situação. Um exemplo de reação aguda é uma reação alérgica.
Miguel Guimarães confirmou que quando se interrompe uma medicação, ainda que a situação não se reverta totalmente, também não se espera que agrave, porque a molécula entretanto já foi eliminada pelo organismo. E deu o exemplo dos anti-inflamatórios que, como efeito secundário, afetam o estômago. Quando se para de tomar, as dores no estômago também param, se não imediatamente, pelo menos dentro de algumas horas.
Mas a verdade é que esta molécula é nova e não se conhece como reagiria no organismo – é por isso que se realizam ensaios clínicos. “Como não existe antídoto para a molécula nova, também não existe tratamento, tudo o que se pode fazer é suporte básico de vida”, refere Miguel Guimarães.
A molécula foi identificada pela Bial como um inibidor da enzima FAAH (hidrólase de amidas de ácidos gordos). b, disse, citado pelo New York Times, Andrea Hohmann, professor de neurociências da Universidade de Indiana, que se dedica ao estudo do sistema endocanabinoide e à dor.
Citado pelo mesmo jornal, Daniele Piomelli, professor de anatomia e neurobiologia, farmacologia e química biológica da Universidade da Califórnia, confirmou que moléculas deste tipo já tinham sido testadas e que, embora não se mostrassem eficazes para o fim a que se destinavam, também não se mostraram perigosas. Ainda assim o professor lembrou que a estrutura e propriedades farmacológicas são por enquanto desconhecidas.
*Artigo atualizado às 17h50