O recurso de José Sócrates relacionado com o acesso a parte da prova indiciária reunida contra si pelo Ministério Público vai  mesmo ser analisado pelo desembargador Rui Rangel. Indicado em Julho por sorteio, Rangel vai apreciar o recurso com o seu colega Francisco Caramelo da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, tal como foi noticiado pelo Correio da Manhã. A decisão deverá ser calendarizada na próxima 5.ª feira. Em causa estão os prazos do inquérito. Caso Rangel dê provimento a este recurso, poderá ficar aberta a possibilidade dos advogados que defendem Sócrates terem acesso a algumas provas reunidas contra si, e que agora estão apenas nas mãos da investigação. Contactado pelo Observador, Rangel recusou fazer qualquer comentário.

A intervenção de Rui Rangel no processo Sócrates é encarada como polémica devido aos comentários públicos que fez publicamente sobre as diferentes decisões do pocurador-geral adjunto Rosário Teixeira e do juiz de instrução criminal Carlos Alexandre que foram sendo noticiadas pela comunicação social. Comentador regular nos media sobre assuntos de Justiça, o desembargador da Relação Lisboa participou num debate na TVI no dia 10 de Junho onde, juntamente com juristas e jornalistas, comentou a decisão de José Sócrates de recusar a libertação com pulseira electrónica que tinha sido decidida pelo juiz Carlos Alexandre.

Nesse debate na TVI, Rui Rangel entendeu que a decisão de Sócrates “não era uma posição de força” em relação ao sistema judicial mas sim “um direito do arguido” que derivava da lei, acrescentando que o pior que a Justiça podia fazer seria reagir “epidermicamente, de forma vingativa, só porque o arguido usou de um direito e de uma prerrogatia legal. Isso é o pior que pode acontecer”. O que acabou por ser visto em diversos meios judiciais como uma censura à decisão do juiz Carlos Alexandre de manter Sócrates em prisão preventiva.

Ao que o Observador apurou, o desembargador da Relação de Lisboa entende que fez comentários generalistas e abstractos sobre a interpretação da lei – e não sobre o caso em si. Logo, não vê razões para pedir escusa por entender que está em causa qualquer “desconfiança sobre a sua imparcialidade”, tal como está descrito no artigo do Código de Processo Penal que regula as recusas e escusas.

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Na sua decisão de avançar para a apreciação, pesou também o facto de o Supremo Tribunal de Lisboa ter recusado dois pedidos anteriores de escusa relacionados com o Correio da Manhã, a empresa proprietária do título e dois jornalistas daquele jornal.

Esta convicção de Rui Rangel levou-o a rejeitar um convite da RTP para participar esta segunda-feira no programa “Prós e Contras”  que partia do caso Sócrates para analisar as relações entre a Justiça, a Política e a comunicação social.

Rui Rangel na TVI: ” É um direito do arguido recusar a pulseira electrónica – e não uma posição de força. É um direito do arguido. Está na lei. Ponto. E (do exercício) desse direito nem sequer se pode tirar qualquer consequência que venha a prejudicar os (restantes) direitos do arguidos naquele processo”

“O que pode ficar de pior para todos nós, para o Estado, para a democracia, para o Direito, é que a Justiça reage epidermicamente, de forma vingativa, só por que o arguido usou de um direito e de uma prerrogativa legal de recusar a pusleira electrónica. Isso é o pior que pode acontecer”.

Outro caso mas com regras diferentes

A presença de juízes de direito na comunicação social ou em programas de televisão informativos nunca foi um caso pacífico. O recato a que os magistrados judiciais estão obrigados por lei, e uma cultura judiciária que tem a discrição como palavra de ordem, faz com que os juízes que têm uma presença regular na comunicação social sejam regularmente criticados pelos seus colegas.

O juiz Eurico Reis, por exemplo, é outro caso conhecido. Presença regular na SIC Notícias e na RTP durante vários anos, o desembargador da Relação de Lisboa pediu escusa em 2010 num processo relacionado com um processo civil que envolvia a providência cautelar interposta por Rui Pedro Soares contra o semanário Sol a propósito da divulgação de factos relacionados com o processo Face Oculta. Saliente-se, contudo que as regras estipuladas pelo Código de Processo Civil são mais apertadas em relação a escusas ou recusas dos juízes do que o Código de Processo Penal.

Nomeado no final de Outubro de 2010 para apreciar um recurso dos jornalistas para analisar a decisão da primeira instância que deferiu a providência cautelar, Eurico Reis foi alvo de um incidente de suspeição por parte de três jornalistas do Sol por ter afirmado oito meses antes na SIC Notícias, em relação às primeiras notícias daquele semanário sobre o caso Face Oculta, que “os jornalistas são cúmplices de um criminoso” por darem “cobertura à violação do segredo de justiça”, ou seja, por darem “cobertura a crime que atenta contra o Estado de Direito”. Apesar de recusar fundamento para qualquer inimizade grave contra os jornalistas, Eurico Reis acabou por pedir escusa a Vaz das Neves, presidente da Relação de Lisboa, segundo notíciou o Público.