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José Manuel Fernandes. Estamos condenados a pagar sempre mais impostos

Desta vez não há disfarces: o Orçamento assume desde já que a carga fiscal vai aumentar. Era inevitável. O “monstro” está de regresso pois voltámos ao antigamente: todos os anos temos um Estado maior, mas não temos um Estado melhor.

Nos últimos quatro anos os deputados aprovavam um Orçamento e depois Mário Centeno executava outro. Houve todos os anos um Orçamento cheio de promessas e uma realidade cheia de cativações e de cortes no investimento público. O Orçamento aprovado na Assembleia foi sempre um Orçamento para consumo político interno, enquanto o Orçamento realmente executado foi sempre aquele que teve de ser para os números baterem certo em Bruxelas. Durante quatro anos a geringonça foi fechando voluntariamente os olhos.

Agora que chegamos ao primeiro Orçamento com excedente orçamental vai ser diferente? Há, de facto, menos espaço para fábulas e talvez por isso já se assume logo de entrada que a carga fiscal vai subir. É uma novidade.

Mas o essencial é que este Orçamento é o resultado da camisa de forças que foi sendo construída nos últimos anos, com a política de reversões e devoluções que criaram mais despesa pública rígida sem terem melhorado os serviços públicos – pelo contrário. É essa camisa de forças que faz com que o famoso reforço orçamental para a saúde não seja mais do que um penso rápido, por exemplo. Ou que depois tantas expectativas criadas só haja 0,3% de aumento nas tabelas salariais dos funcionários do Estado, mesmo sendo necessário gastar muitas centenas de milhões só por via do descongelamento das carreiras na Administração Pública.

O Orçamento tornou-se assim num verdadeiro pot-pourri de muitas medidazinhas que foram sendo divulgadas pela comunicação social para dar a ideia de que temos grandes mudanças quando quase nada muda na agulha dos grandes números. São no fundo meros adereços colocados em cima da montanha da despesa rígida do Estado, essa mesma despesa que cresceu em cada um dos quatro anos de geringonça.

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Aliás é muito significativo que chegue a 2020, o ano da aposta no investimento público, como diz o primeiro-ministro no seu vídeo, e o Orçamento para o investimento público seja o mesmo de 2019 – e que não saibamos se vamos acabar 2020 como estamos a acabar 2019, isto é, com um quinto desse investimento público por concretizar.

No fundo, não há milagres porque não há dinheiro, como não há petróleo no Beato. O que há, o que sempre haverá, é imaginação para criar novos impostos, novas taxas e taxinhas, agora todas muito politicamente correctas em nome do aquecimento global ou de zelarem pela nossa saúde (vade retro fumadores, vade retro apreciadores de bebidas açucaradas…). Mas este tornou-se o nosso destino, pois voltámos ao antigamente: todos os anos temos um Estado maior, mas não temos um Estado melhor.

José Manuel Fernandes é publisher do Observador

Fernando Alexandre. O excedente orçamental e os seus custos

Alcançar o marco histórico do excedente orçamental implica custos. As condições que garantiram a consolidação na anterior legislatura não se vão repetir.

O grande destaque do Orçamento do Estado para 2020 vai para a previsão de um excedente orçamental de 0,2% do PIB. Trata-se do primeiro excedente orçamental alcançado em democracia. Durante décadas, os sucessivos défices contribuíram para o endividamento e para os desequilíbrios externos que levaram a três pedidos de assistência externa. Numa palavra, este excedente não pode deixar de ser saudado. Quem não o fizer ignora os riscos do elevado endividamento e da baixa poupança, riscos que continuam a expor o país a choques externos.

Alcançar aquele marco histórico implica custos. As condições que garantiram a consolidação orçamental na anterior legislatura não se vão repetir. O Governo reviu em baixa o crescimento, confirmando os sinais de desaceleração da economia europeia. O aumento das receitas fiscais não poderá advir de aumentos significativos do emprego e do consumo. Os recordes da carga fiscal que têm vindo a ser batidos também não aconselham aumentos das taxas de tributação. A margem para a redução dos custos através da redução dos juros da dívida pública diminuiu. As necessidades de mais investimento público são já demasiado visíveis. E corrigir a suborçamentação da saúde não decorre de jogos políticos – é mesmo uma necessidade.

Neste aperto, não surpreende a decisão do Governo de reduzir o valor real dos salários dos funcionários públicos e das pensões. No entanto, em relação ao sector privado, o Governo manifestou uma grande preocupação com os rendimentos dos trabalhadores. Anunciou um aumento do salário mínimo de 635 euros para 2020 e de 750 euros até ao final da legislatura. Esta dualidade só parece incoerente quando nos esquecemos da restrição orçamental: o aumento dos salários dos privados aumenta as receitas fiscais e as contribuições sociais e ajuda a alcançar o primeiro excedente da democracia. Ao invés, o aumento dos salários dos funcionários públicos e das pensões impediria alcançar esse marco histórico.

Talvez não sirva de grande consolo para os trabalhadores do Estado e para os pensionistas, mas a verdade é que o excedente orçamental reduz a probabilidade da repetição de cortes de salários e de pensões no futuro.

Fernando Alexandre é professor na Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho e colunista do Observador

Paulo Trigo Pereira. Um bom Orçamento, mas que precisa de ser melhorado

Este é um bom Orçamento porque pretende alcançar um saldo nominal quase equilibrado, reforça claramente o investimento público, considera implicitamente que não há ainda condições para diminuir o nível da fiscalidade enquanto não houver uma melhoria dos serviços públicos

Há inevitáveis questões que se colocam neste Orçamento de Estado 2020 e se manterão nos próximos anos. Qual o saldo orçamental que deveremos ter, assumindo um crescimento moderado da economia? Estamos já em condições de fazer um desagravamento do nível de impostos? Como queremos recuperar de dez anos de desinvestimento público em capital físico e humano? Para melhorar os serviços públicos devemos dar prioridade ao reforço dos recursos humanos em áreas críticas (por exemplo, enfermeiros) ou a aumentos transversais e generalizados dos salários? Dado o impacto muito grande da despesa com pensões, que estratégia ter para os anos vindouros?

Estamos perante a proposta de Orçamento de Estado do governo que este ano, ao contrário dos quatro anos da legislatura passada, não foi antecedido de verdadeiras negociações. Assim, considero-o um bom ponto de partida para um debate e para melhorias, resultante de negociações, que podem e devem ocorrer na especialidade. É um bom Orçamento porque pretende alcançar um saldo nominal quase equilibrado, reforça claramente o investimento público, considera implicitamente que não há ainda condições para diminuir o nível da fiscalidade enquanto não houver uma melhoria dos serviços públicos (em particular na saúde, onde há uma clara aposta). Há uma estabilidade do sistema fiscal, o que também é favorável às decisões económicas, apesar de pontuais alterações de taxas sobretudo de atualização. Vai no caminho correto porque considera que, na opção inevitável entre mais emprego público em áreas críticas dos serviços públicos ou acréscimos salariais significativos, opta sobretudo pelo emprego, sobretudo tendo em conta o impacto salarial da conclusão do processo de descongelamento das carreiras. É um Orçamento contido na área das pensões, algo que é importante pelo grande impacto que alterações nos valores destas teriam no desequilíbrio das contas públicas.

É, contudo, um Orçamento que pode e deve ser melhorado. Portugal pode ter perfeitamente um pequeno défice (0,25% do PIB) nos próximos anos sem que isso ponha em causa a mais importante regra orçamental europeia no que toca à redução da dívida pública. Não apresenta a proposta de redução do IVA da eletricidade para a taxa intermédia, algo que se justifica por razões ambientais, de transição energética, e por razões sociais dado o peso da despesa com eletricidade nos orçamentos familiares das famílias de baixo rendimento. Não introduz uma proposta de aumentar significativamente o Orçamento da cultura que poderia perfeitamente ser financiado através da exportação fiscal sobre não residentes sem que isso afetasse minimamente o turismo, que beneficia grandemente da nossa oferta cultural. Enfim, há várias propostas que podem e devem ser aprovadas na especialidade, para melhorar o Orçamento não o desvirtuando.

Paulo Trigo Pereira é economista, ex-deputado e colunista do Observador

Inês Domingos. O PSD deve votar contra o Orçamento

O Governo continua a apostar no aumento da carga fiscal. O peso dos impostos e das contribuições sociais efetivas sobe de novo de 34,7% do PIB em 2019 para 35% do PIB em 2020, sobretudo por via do aumento do peso dos impostos indiretos

O primeiro saldo orçamental positivo da democracia, que muito deve às tendências de racionalizações e de crescimento iniciadas com o Governo PSD,  devia representar a oportunidade histórica para o país para melhorar a transparência a responsabilização e simplificar as contas públicas. No entanto, este orçamento é meramente um novo episódio a acrescentar ao hat-trick de Mário Centeno: mais carga fiscal, mais despesa corrente, investimento público (ainda) insuficiente.

O Governo continua a apostar no aumento da carga fiscal. O peso dos impostos e das contribuições sociais efetivas sobe de novo de 34,7% do PIB em 2019 para 35% do PIB em 2020, sobretudo por via do aumento do peso dos impostos indiretos, que sobem cerca de 1200 milhões de euros.

Este novo aumento para um novo máximo resulta do já familiar episódio da novela a que o Governo nos habituou nos últimos quatro anos. Primeiro o anúncio de medidas bondosas para as famílias no capítulo “devolução de rendimentos”, por exemplo com descontos de IRS para jovens trabalhadores ou aumentos nos limites das deduções fiscais para famílias com dois ou mais filhos pequenos. Mas seguido imediatamente do capítulo meio envergonhado do aumento dos impostos indiretos, que são de qualquer forma menos visíveis para as famílias: tabaco, embalagens, bebidas açucaradas, consumo e atualização de escalões abaixo da inflação, penalizando os contribuintes cujos aumentos de salários colocarem os seus rendimentos num escalão de imposto superior. Já para as empresas, algumas medidas que servem sobretudo para compensar as pequenas empresas pelos custos adicionais associados ao aumento do salário mínimo.

Lamentavelmente, há três eixos fundamentais de reforma das finanças públicas que ficaram de novo completamente postos de lado com este Orçamento. Por um lado, a implementação da reforma à Lei de Enquadramento Orçamental de 2015 que prevê uma transformação profunda da forma como se analisa e controla as contas públicas, a implementação de objetivos por programas, maior transparência e celeridade na divulgação da informação. A implementação desta reforma foi adiada na anterior legislatura e, segundo o relatório do Tribunal de Contas, nem este adiamento será cumprido. Em segundo lugar, a simplificação da fiscalidade, onde Portugal se encontra em desvantagem competitiva face à maioria dos seus congéneres da OCDE. Por fim, dedicar partes da receita ao objetivo prioritário de reduzir a dívida pública abaixo dos 100%, enquanto o crescimento económico o permite.

Para lá das medidas avulsas do Orçamento, o facto incontornável é que o documento político e económico mais importante do país para o próximo ano é sinal da incapacidade reformista deste Governo. Sobretudo por isso, o PSD deve votar contra este Orçamento.

Inês Domingos é economista, ex-deputada do PSD e colunista do Observador

Pedro Benevides. Um orçamento que chegou atrasado e muito incompleto.

Só quando se discutir o orçamento medida a medida, se perceberá se a geometria dos últimos anos é repetível ou se Costa fez bem em começar a dividir os ovos por vários cestos.

A economia vai crescer poucochinho (1,9%), o país é o que é e o Ronaldo das Finanças não consegue fazer milagres (nem chegar a horas decentes). Mas sabe dizer piadas. Aos repórteres que fizeram uma maratona de espera quase até à meia noite, Mário Centeno elogiou a… rapidez deste orçamento como sinal da “coesão” dentro do governo. E depois rematou com a punchline:”Tenho muitas dúvidas de que alguém não se reveja neste orçamento”.

Estas frases, ditas em pé à maneira do stand-up, têm graça, sabendo-se que houve tensão mesmo entre ministros não só pelo pouco tempo disponibilizado para discutir propostas, como pelo regatear das verbas (às vezes em público) que couberam a cada um. Têm graça também sabendo que os parceiros da defunta “geringonça” têm olhado de lado para o que o Governo acabou de lhes pôr na mesa.

António Costa já garantiu, no habitual video no Youtube, que este é um orçamento de continuidade e até piscou o olhos aos parceiros dizendo que salvaguardou “todos os progressos alcançados na anterior legislatura”. Ora, se limparmos a propaganda habitualmente associada a estes gestos simbólicos, isto significa que vamos ter mais uma vez um orçamento de contenção nos gastos, de gestão corrente, onde há algumas boas ideias, mas pouca ambição e pouco dinheiro.

Prometem-se alguns benefícios fiscais para as empresas, apoios para jovens e para quem tem filhos (mas só até aos 3 anos, que depois toda a gente sabe que saem à borla), números vistosos na saúde e as eternas promessas de que agora é que é no investimento público (e depois vai-se a ver e a previsão para 2020 é basicamente igual à que foi feita para este ano).

A carga fiscal também volta a subir, mas traz à boleia uma novidade histórica que tem impacto e que Centeno pode celebrar: pela primeira vez em democracia, o Governo prevê um excedente orçamental, tão necessário num país altamente endividado.

O problema é que esse é um trunfo que a entusiasmar alguém no Parlamento só se for à direita e essa não se prevê que venha a dar a mão a Costa (exceção feita aos deputados do PSD da Madeira, que o primeiro-ministro tem seduzido com alguns milhões).

Então o que sobra? Sobram algumas medidas acordadas com o PAN (que já valem preciosos quatro votos) entre milhões para a agricultura biológica ou o IVA a 23% para as touradas. E sobram algumas declarações vagas com espaços em branco por preencher nas difíceis negociações que se prevêm à esquerda, aí sim, na especialidade.

No menu, o Governo apresenta os milhões para a Saúde, o plano plurianual de contratações para a administração pública ou as promessas para as Forças de Segurança. E deixa em aberto (propositadamente?) possíveis aumentos extraordinários nas pensões.

Bloco e PCP reconheceram os sinais, mas já disseram publicamente que não chega e mantêm o poker face que anuncia que está tudo em aberto. Só nessa altura, quando se discutir o orçamento medida a medida, se perceberá se a geometria dos últimos anos é repetível ou se Costa fez bem em começar a dividir os ovos por vários cestos.

Mário Centeno, que saiu satisfeito do Parlamento, apenas parece ter posicionado as peças para a aprovação na generalidade. O resto, logo se vê, que entretanto mete-se o Natal e todos têm muitas contas para fazer até que alguém diga que se “revê neste orçamento”.

Pedro Benevides é editor de Política do Observador

Nuno Vinha. Foi você que pediu menos Centeno no Orçamento? Espere pelo próximo

A realidade está lá, como uma chapada que nos desperta de sonhos com vacas voadoras, ou de histórias que vendem uma Dinamarca em cada esquina. E a realidade é que não há alternativa ao caminho de Mário Centeno.

Entre as narrativas que antecederam a apresentação da proposta de Orçamento de Estado para 2020, muitas deitaram raízes em torno de duas ideias: a de um ministro das Finanças fraco, acossado (e batido aos pontos) pelos outros ministros, todos eles em busca de mais dinheiro para os seus setores; e a segunda, a de um ministro da Economia em alta, a querer (e a conseguir) puxar pela economia através das empresas. Finalmente, dizia-se, o investimento que o país precisa (e precisa mesmo), finalmente o “fim” do “aperto de cinto” que vivemos, sobretudo, desde 2011.

Finalmente, mais Siza no Orçamento e menos Centeno a carregar na consolidação orçamental para depois ir brilhar para Bruxelas.

É certo que Pedro Siza Vieira, um ministro com grande ascendente no Governo e sobre António Costa, conseguiu (facilmente) incluir um aumento dos benefícios para as empresas que reinvestem os seus lucros, uma redução das tributações autónomas ou a taxa reduzida de IRC para as PME com lucros até aos 25 mil euros. Uma custa 15 milhões de euros, outra 23,5 milhões. Dão um sinal, é certo, mas não mexem a agulha entre os grandes números do Orçamento. Números como os 23 mil milhões de euros que custa a Função Pública portuguesa (que, ainda assim, não teve aumentos durante uma década). Ou os 54 mil milhões de euros de receita fiscal e os 21 mil milhões das contribuições sociais (a subir um pouquinho mais aquela que já é a maior carga para os contribuintes de sempre).

É que a realidade está lá, como uma chapada que nos desperta de sonhos com vacas voadoras, ou de histórias que vendem uma Dinamarca em cada esquina. E a realidade é que não há alternativa ao caminho de Mário Centeno. De Centeno ou de qualquer outro ministro responsável que venha para o seu lugar. Para o caso é indiferente. E não sou eu a dizer, é a matemática: conter a despesa, aproveitar o crescimento e ter excedentes (como aquele que já consta neste OE, a ver vamos se assim será…), para assim reduzir a dívida portuguesa (atualmente em 116% do PIB), para reduzir os juros que o país paga, para cumprir os objetivos de médio prazo e os critérios europeus. E assim equilibrar, de forma sustentada e continuada, a economia. Com crescimentos semelhantes aos países que comparam com Portugal.

É este o caminho que aponta este exercício orçamental (como foi os anteriores quatro) e foi isso mesmo que Mário Centeno disse, sem rodeios, após entregar o documento na AR, já depois nas 23h15 de segunda-feira.

Nuno Vinha é editor de Economia do Observador