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Uma das filhas mais velhas de José Eduardo dos Santos já tinha anunciado na semana passada que iria entregar formalmente uma queixa às autoridades espanholas — e a denúncia para que seja investigada uma tentativa de homicídio de José Eduardo dos Santos acabou mesmo por avançar esta segunda-feira. Além do crime de tentativa de homicídio, Tchizé dos Santos pede também que sejam investigados alegados crimes de omissão do dever de auxílio e de ferimentos causados por negligência médica.
Os acontecimentos desta segunda-feira foram apenas os mais recentes de uma série de episódios relacionados com a situação clínica do antigo Presidente de Angola, depois de o estado de saúde de José Eduardo dos Santos se ter agravado, no início da semana passada. Desde então, a família do antigo líder angolano reuniu-se em Barcelona e o governo de Luanda tem acompanhado de perto o evoluir da situação.
No final da semana passada, a família dos Santos emitiu um comunicado em que pediu respeito pela privacidade do clã neste momento decisivo. Mas a tomada de posição de Tchizé dos Santos, já esta segunda-feira, mostra que nem todos os membros da família estão interessados em lidar com este momento com a mesma discrição.
O que diz a queixa apresentada por Tchizé?
Na base da ação interposta por uma das filhas de José Eduardo dos Santos estão suspeitas de negligência médica, omissão de dever de auxílio e, inclusive, de homicídio. Para enquadrar estas suspeitas é preciso recuar ao final de março, quando o ex-líder angolano foi internado na clínica Teknon, em Barcelona. Segundo algumas versões, Eduardo dos Santos terá sofrido uma queda, seguida de três AVC’s, tendo passado 15 minutos sem que ninguém se tivesse dado conta dessa situação — e, em resultado disso, terá estado um longo período privado de oxigénio. Outras versões falam num quadro de Covid-19 que se terá agravado.
Certo é que no dia 23 de junho, cerca de um mês depois de dar entrada na clínica, Zédu (como é conhecido em Angola) passou para os Cuidados Intensivos daquela unidade de saúde catalã.
De acordo com a versão de Tchizé dos Santos, o seu pai terá caído em sua casa, mas o pedido de ajuda só terá sido feito 15 minutos depois da queda. Aliás, a advogada contratada por Tchizé dos Santos, Cármen Varela, adiantou que serão pedidas análises “sobre possíveis envenenamentos” e sobre o que terá acontecido durante esse quarto de hora em que não foi pedida intervenção médica.
Filha de José Eduardo dos Santos quer investigação sobre alegada tentativa de homicídio do pai
E, durante uma entrevista à DW África, Tchizé deu mais detalhes sobre o que terá acontecido: “O meu pai teve uma paragem respiratória devido a uma infeção respiratória que não foi diagnosticada pelo Dr. João Afonso, que não foi tratada por negligência.” A filha de José Eduardo dos Santos garantiu ainda que o médico que acompanha o antigo chefe de Estado “é suspeito de estar a deteriorar o estado de saúde do engenheiro Eduardo dos Santos”.
Levaram o engenheiro José Eduardo dos Santos para Angola, para uma viagem de uma semana e depois ficaram a impossibilitar a sua saída de Angola durante imenso tempo. Como é que o médico de família vê o seu paciente a perder 30 quilos e não informa a família? Nós não tivemos conhecimento, tem de haver uma investigação. Isto é um caso de polícia”, defendeu Tchizé.
Fontes próximas da filha de José Eduardo dos Santos confirmaram ao jornal espanhol La Vanguardia que a denúncia foi apresentada contra o médico do antigo Presidente angolano e ainda contra a sua mulher, Ana Paula dos Santos, uma vez que entende que o casamento entre os dois não é válido em Espanha (o casal estaria, alegadamente, separado de facto).
Qual o estado de saúde de José Eduardo dos Santos neste momento?
Bastante delicado. Depois de ser assistido em casa, o antigo Presidente de Angola foi então transportado para o Centro Médico Teknon, em Barcelona, onde permanece nos cuidados intensivos. Na última terça-feira, o quadro clínico de José Eduardo dos Santos piorou e mantém-se, como avançou a família no final da semana passada, “crítico e delicado”. Houve tentativas de retirá-lo do coma, mas esse processo teve de ser imediatamente revertido — neste momento, o ex-líder angolano continua em coma induzido e os exames realizados na última semana terão revelado lesões cerebrais irreversíveis.
José Eduardo dos Santos internado em unidade de cuidados intensivos em Barcelona
Em comunicado enviado à Lusa, a família dos Santos referiu que este é um momento sensível e pediu que seja “respeitada a sua privacidade”.
A família continua a acompanhar, em permanência, toda a evolução do estado de saúde do engenheiro José Eduardo dos Santos, juntamente com a equipa médica”, acrescentava o comunicado.
Durante a semana passada, a família de José Eduardo dos Santos chegou a ter uma reunião marcada com a equipa do hospital para que fosse discutida a situação clínica.
O que tem feito Tchizé dos Santos?
Uma das filhas mais velhas de José Eduardo dos Santos, Tchizé, tem sido a que mais tem falado sobre o caso do pai, sobre João Lourenço, atual Presidente de Angola, e até sobre o que o estado clínico do pai pode representar para o país.
E João Lourenço não tem sido poupado nos ataques: “Porque é que querem desligar as máquinas? Para satisfazer o capricho de João Lourenço de ver morrer aquela pessoa que ele odeia e que ele quer destruir e ir triunfante dançar em cima do seu caixão?”. Ainda em entrevista à DW África, Tchizé disse ainda que aquilo que aconteceu ao pai “foi induzido, foi muito bem maquinado”, numa sugestão de que a deterioração do estado de saúde de Zédu poderá ter decorrido de ação humana.
É nisso que se baseia a tese de um possível envenenamento do ex-líder angolano. E a tese (de Tchizé dos Santos) é esta: com receio de que o ex-líder angola estivesse insatisfeito com a governação de João Lourenço, e perante a possibilidade de José Eduardo dos Santos poder apoiar um adversário do atual chefe de Estado nas próximas eleições presidenciais, a corte de Luanda teria tentado silenciar Zédu. A tese foi agora passada a papel e apresentada juntos das autoridades espanholas.
Mas há outro plano na queixa formalizada pela filha de Eduardo dos Santos. Desde que foi colocada a hipótese de desligar as máquinas que asseguram que José Eduardo dos Santos continua a respirar, Tchizé tem dito, em todas as suas intervenções, que não vai permitir que esta seja uma opção. E, num áudio que circulou nas redes sociais, voltou a acusar João Lourenço de utilizar este caso na esfera política: “Se o senhor João Lourenço quer preparar um funeral, prepare o seu próprio e mate-se.”
Eu, como filha, nunca irei permitir que desliguem as máquinas de um pai vivo, que tem o coração a bater normalmente, um coração que está bom, não teve ataque cardíaco, não teve AVC”, acrescentou.
Já nas redes sociais, Tchizé tem deixado vários recados: “Quem nos abandonou na pior hora, nunca voltará a ser nosso amigo e não deve ter uma segunda oportunidade de se aproximar de nós”.
Os ataques estendem-se ainda a Ana Paula dos Santos, mulher de José Eduardo dos Santos, que é acusada de ter abandonado o marido com quem tem quatro filhos. Segundo Tchizé, Ana Paula dos Santos reaproximou-se do marido, depois de vários anos ausente, e este episódio terá agravado o seu estado de saúde.
Que posição tem assumido Isabel dos Santos?
Primeiro, aquela que será a mais reconhecida das filhas de Eduardo dos Santos, a empresária Isabel dos Santos, começou por partilhar nas redes sociais várias fotografias com o pai. Depois, decidiu viajar desde Londres até Barcelona para visitar José Eduardo dos Santos.
Bastante menos vocal sobre este caso, em comparação com aquilo que tem sido a postura de Tchizé, Isabel dos Santos juntou-se, na semana passada, à irmã para avançar com um pedido de proteção policial para o pai, segundo a SIC, atirando as suspeitas pelo estado de saúde do pai para o governo de Angola.
Porque é que a família contratou uma advogada?
Depois das várias intervenções públicas de Tchizé dos Santos, esta decidiu contratar uma advogada espanhola por três razões: impedir que as máquinas que mantêm José Eduardo dos Santos a respirar sejam desligadas, garantir que Ana Paula dos Santos não se aproxima do marido e formalizar a queixa sobre tentativa de homicídio.
Tchizé dos Santos contrata advogada espanhola para impedir que desliguem suporte de vida do pai
“Quem aqui pode decidir são as filhas (Isabel e Tchizé), que representamos, e que não querem desligar as máquinas do pai”, disse a advogada, numa gravação a que a Lusa teve acesso. “Estamos a falar de um ex-chefe de governo de um governo corrupto e de um tema muito delicado”, acrescentou Cármen Varela.
A advogada alegou ainda que o casamento entre Ana Paula dos Santos e José Eduardo dos Santos não é válido em território espanhol e que estes estão já separados. Por isso, nessa lógica, as representantes legais serão as duas filhas mais velhas — Isabel dos Santos e Tchizé.
O que tem feito o Governo angolano?
Tchizé não quer que Ana Paula dos Santos se aproxime do pai, mas o atual governo angolano faz questão de, numa altura em que José Eduardo dos Santos continua em coma, manter contacto com a mulher do antigo Presidente de Angola. A informação foi avançada por uma nota da Presidência, assinalando apenas que “João Lourenço voltou a falar hoje, ao telefone, com a senhora Ana Paula dos Santos, no âmbito do acompanhamento que está a fazer sobre o estado de saúde do ex-Presidente da República”.
José Eduardo dos Santos. Presidente angolano volta a ligar a Ana Paula dos Santos
Esta chamada acontece depois de, na semana passada, quando o estado clínico de José Eduardo dos Santos se agravou, João Lourenço ter enviado para Barcelona o ministro das Relações Exteriores. No entanto, e tal como o Observador avançou esta segunda-feira, o ministro já não se encontra em Espanha.
Apesar de ser conhecida a distância entre os dois, João Lourenço tem falado quer sobre o estado de saúde quer sobre a relação que tem com o seu antecessor. “Uma coisa são as relações entre mim e ele e outra coisa é a luta contra a corrupção”, disse em entrevista à RTP África, a propósito das próximas eleições presidenciais, marcadas para 24 de agosto.
Sublinhando que a relação entre os dois “é boa”, João Lourenço revelou mesmo ter sido sempre ele a deslocar-se sempre que se encontraram: “Durante este tempo, tivemos vários encontros e, desses vários encontros, quase sempre, quem se deslocou ao encontro do presidente José Eduardo dos Santos fui eu. Eu é que sou chefe de Estado, o normal seria ser eu a receber o Presidente José Eduardo dos Santos, mas não foi isso que aconteceu e foi por decisão minha”.
Neste momento, seja qual for a decisão médica tomada nos próximos dias, o governo angolano garantiu que vai continuar a suportar todas as despesas médicas, os gastos com a manutenção e pessoal da mansão de Miramar, em Luanda, e as despesas com a casa de Barcelona. Ao Observador, fonte do executivo presidido por João Lourenço sublinhou que “a “atitude do governo angolano não mudou”. “Obviamente que mantém até ao fim as suas responsabilidades constitucionais em relação ao ex-Presidente”.
Caso José Eduardo dos Santos não recupere, o funeral pode ainda dar origem a outro problema. Ainda que um funeral de Estado faça parte das responsabilidades do Governo, Tchizé e Isabel dos Santos poderão não querer que o pai seja sepultado em Luanda. Aliás, no plano judicial, Isabel dos Santos não tem carta verde para entrar em Angola e circular com toda a liberdade: depois de ter sido constituída arguida em janeiro de 2020, no âmbito de investigações à petrolífera Sonangol, a filha do ex-líder angolano poderá mesmo ser detida, se decidir regressar a Luanda.