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Nord Stream 2 Gas Pipeline Construction Continues
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O gasoduto Nord Stream 2, cuja construção terminou no ano passado, tornou-se numa arma diplomática no centro do conflito entre Rússia e Ucrânia

Getty Images

O gasoduto Nord Stream 2, cuja construção terminou no ano passado, tornou-se numa arma diplomática no centro do conflito entre Rússia e Ucrânia

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A Europa ainda depende do gás russo — e o conflito na Ucrânia está a deixar isso mais evidente. 5 perguntas e respostas

Com a escalada de tensões entre Rússia e Ucrânia, o gás natural tornou-se numa arma diplomática entre Moscovo e o Ocidente. Como pode a Europa depender menos da Rússia? Cinco perguntas e respostas.

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O conflito está a deixar o mundo em suspenso. Há vários meses que a Rússia tem vindo a acumular tropas nas regiões mais próximas da fronteira com a Ucrânia e paira sobre o leste da Europa a possibilidade de uma invasão russa. A Ucrânia prepara-se para a eventualidade e até os civis treinam, com armas de madeira, para a possibilidade de serem mobilizados para reforçar as forças armadas. No centro, um conflito que se arrasta praticamente desde o final da Guerra Fria — quando a Ucrânia se tornou independente e o país se viu dividido entre o Ocidente e a Rússia — e que se aprofundou em 2014 com a anexação da Crimeia. A Europa e os Estados Unidos ponderam sanções contra Moscovo caso a invasão se concretize

No meio da tensão crescente entre a Rússia e o Ocidente está um bem precioso para os dois lados: o gás natural, que a Rússia tem em abundância e de que a Europa depende em grande medida. A rede de gasodutos russos que abastecem a Europa tem sido brandida como arma política de parte a parte. A Rússia tem a mão na torneira e pode fechar o abastecimento, afetando consideravelmente as necessidades energéticas da Europa. Por outro lado, Bruxelas está em vias de aprovar o novo gasoduto Nord Stream 2, que representará uma grande fonte de receitas para Moscovo e permitirá a Putin exercer mais pressão sobre a Ucrânia, uma vez que deixará de usar os gasodutos que atravessam o território ucraniano para fazer chegar gás à Europa, privando Kiev das taxas que cobra a Moscovo pelo transporte e que são uma das suas maiores fontes de receita.

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A suspensão do projeto tem sido apontada como uma possível sanção contra Moscovo, uma vez que não só deixará a Rússia sem as receitas correspondentes como enviará a Putin a mensagem de que a Europa não está dependente do gás russo para as suas necessidades energéticas. Mas a Alemanha, ponto de chegada do gasoduto e principal destinatária do gás natural, defende o avanço do projeto, já que precisa do gás para cumprir as suas metas climáticas durante a transição energética — sobretudo depois de encerrar as centrais nucleares. Neste artigo, o Observador procura as respostas a cinco perguntas centrais para compreender o problema energético que se soma à crise militar em curso no leste europeu.

Porque é que a Europa vai buscar tanto gás natural à Rússia?

A resposta curta é simples: porque a Rússia tem mesmo muito gás natural. Estima-se que a Rússia detenha cerca de 19% das reservas globais de gás natural no seu vastíssimo território, sobretudo na Sibéria — a enorme região praticamente desabitada que permite à Rússia ser o maior país do mundo em termos de território. Como explica a Bloomberg, o país começou a exportar gás natural para a vizinha Polónia na década de 1940, ainda na época da União Soviética, e na década de 1960 instalou os primeiros gasodutos para distribuir gás natural para as repúblicas soviéticas e para os estados-satélite — o que contribuiu decisivamente para impor a Rússia como uma potência energética no contexto euroasiático.

Os primeiros gasodutos soviéticos atravessavam a Ucrânia para transportar gás natural para regiões como a Hungria ou a Eslováquia. Contudo, com a queda da União Soviética, em 1991, inaugurou-se uma era de profunda tensão entre Rússia e Ucrânia, com a política ucraniana a desenhar-se na fronteira entre aqueles que pretendem manter a Ucrânia na esfera de influência de Moscovo e os que querem que o país abrace a União Europeia e deixe para trás as ligações à Rússia — um conflito que, por estes dias, vive um dos seus momentos de maior tensão, com a ameaça de uma invasão russa iminente a pairar sobre a Ucrânia.

A rede de gasodutos que transportam gás natural da Rússia para a Europa

A partir da década de 1990, a presença dos gasodutos soviéticos na Ucrânia tornou-se também um foco de tensão e a Rússia procurou rotas alternativas para transportar o gás natural para o continente europeu. Exemplos disso são o gasoduto Yamal, um projeto lançado em 1992 para transportar gás para a Polónia e a Alemanha através da Bielorrússia, ou o Nord Stream 1, que em 2011 começou a transportar gás para a Alemanha através do Mar Báltico após uma década de estudos e negociações com vista à execução do projeto. A Rússia também transporta gás para a Turquia através de gasodutos que cruzam o Mar Negro.

Quão dependente do gás russo está hoje a Europa?

Atualmente, a União Europeia tem uma forte dependência do gás natural russo para as suas necessidades energéticas. Em 2019, o gás natural representou 22% do consumo de energia na União Europeia, sendo a segunda fonte de energia do bloco europeu, apenas atrás dos produtos petrolíferos (que representaram 36%). Deste gás natural, cerca de 35% é importado da Rússia, chegando ao continente europeu através dos gasodutos Yamal e Nord Stream 1. Dentro da UE, o gás é depois distribuído através de uma rede de gasodutos europeus.

Feitas as contas, podemos afirmar que quase 8% das necessidades energéticas da União Europeia são asseguradas pelo gás natural da Rússia. Em números absolutos, em 2021, a Rússia exportou cerca de 177 mil milhões de metros cúbicos de gás natural para a Europa e a Turquia.

É uma percentagem significativa, sobretudo tendo em conta que o consumo de energia não se mantém nos mesmos níveis ao longo de todo o ano. No inverno, as necessidades energéticas disparam devido às baixas temperaturas, que obrigam ao maior investimento no aquecimento das casas — e as energias não renováveis, incluindo o gás natural e os produtos petrolíferos, oferecem maior estabilidade no fornecimento de eletricidade do que as energias renováveis, mais facilmente afetadas pelas condições meteorológicas.

Basta olhar para o que aconteceu em 2009, numa altura em que o gasoduto Nord Stream 1 ainda não estava em funcionamento e cerca de 80% do gás importado à Rússia chegava à UE através dos gasodutos que atravessavam a Ucrânia. Na altura, um desentendimento entre Rússia e Ucrânia fez tremer o abastecimento. A Rússia acusava a Ucrânia de falhar os pagamentos e de desviar gás, motivo que levou Moscovo a suspender temporariamente o transporte de gás através dos gasodutos da Ucrânia. Isso fez com que a União Europeia ficasse durante mais de duas semanas sem gás russo — uma crise que ocorreu em janeiro, no pico do inverno, e que causou uma disrupção significativa na matriz energética europeia, obrigando inclusivamente ao encerramento temporário de fábricas.

Esta dependência só tem vindo a aprofundar-se. A entrada em funcionamento do Nord Stream 1 em 2011 aumentou significativamente o abastecimento de gás natural para a Europa — e a quantidade de gás transportado entre a Rússia e a Alemanha deverá disparar com a entrada em funcionamento do gasoduto Nord Stream 2. A nova infraestrutura custou 10 mil milhões de euros e a sua construção ficou concluída em setembro do ano passado. Terá uma capacidade para transportar 55 mil milhões de metros cúbicos de gás natural por ano para a Alemanha, praticamente duplicando a quantidade de produto bombeado para a Europa todos os anos.

Slavyanskaya compressor station of Nord Stream 2 gas pipeline

A infraestrutura do Nord Stream 2 foi concluída em 2021, mas o gasoduto ainda não está em funcionamento

Peter Kovalev/TASS

Mas o gasoduto ainda não está em funcionamento — e o seu futuro é ainda uma grande incógnita, uma vez que a infraestrutura se transformou, entretanto, num dos elementos centrais do atual conflito entre Rússia e Ucrânia. A questão ucraniana, um dos maiores pontos de tensão entre Rússia e o Ocidente desde o fim da Guerra Fria, intensificou-se em 2014, com a anexação da Crimeia pela Rússia em resposta à intenção da Ucrânia de aprofundar os laços com a União Europeia. Desde então, apesar do cessar-fogo acordado em 2019, a tensão na fronteira não se dissipou: pelo contrário, desde o início de 2021 que tem vindo a aumentar, com a Rússia a posicionar militares na região fronteiriça e o Ocidente a temer uma invasão russa em 2022.

O conflito com a Ucrânia pode perturbar o abastecimento de gás?

O episódio de janeiro de 2009 é uma recordação evidente de como um conflito entre Rússia e Ucrânia pode levar Moscovo a fechar a torneira e, com isso, suspender o abastecimento à Europa. Todavia, atualmente a Europa já recebe gás russo por outras vias que não os gasodutos que atravessam a Ucrânia — pelo que o problema é mais amplo do que apenas isso. No centro do debate está, hoje, o gasoduto Nord Stream 2. No Ocidente, há visões diferentes sobre a nova estrutura, mas há convergência num aspeto: a abertura do novo gasoduto tornará a UE mais dependente da Rússia no que respeita à energia e trará benefícios económicos significativos a Moscovo. Por isso, o Nord Stream 2 tornou-se uma arma central na tensão Ocidente-Rússia.

Controlado pela empresa estatal russa Gazprom, o Nord Stream 2 é visto por muitos no Ocidente essencialmente como uma ferramenta de política externa da Rússia. Os Estados Unidos temem que a entrada em funcionamento do novo gasoduto aumente a capacidade de influência russa sobre a Alemanha e, por conseguinte, sobre a União Europeia. A Ucrânia, por seu turno, teme perder as receitas que obtém cobrando impostos sobre o gás que passa pelo seu território e diz que está a ser punida pela sua aproximação ao Ocidente. Já a Polónia, que é atravessada pelo gasoduto Yamal, lamenta que o gás natural deixe de passar pelo seu território com a entrada em funcionamento de mais um gasoduto no Mar Báltico. E a França também já veio lançar apelos à Alemanha que abandonasse o projeto, com o Governo de Paris a admitir que a suspensão do gasoduto poderá ser uma sanção a aplicar à Rússia no caso de uma invasão da Ucrânia.

Russkaya Compressor Station of TurkStream gas pipeline in Krasnodar Territory, southern Russia

A Gazprom é a empresa estatal russa que controla o consórcio dono do Nord Stream 2

Dmitry Feoktistov/TASS

A Alemanha, destinatária do gás natural, tem defendido o projeto — mas o gasoduto continua sem licença para operar, uma vez que o regulador alemão exige que a empresa detentora da infraestrutura (um consórcio internacional controlado pelos russos da Gazprom) adote uma forma jurídica legal na Alemanha. Só quando essa empresa subsidiária estiver criada é que o processo de certificação poderá avançar e o Governo alemão já afirmou que, caso a licença não seja concedida, o consórcio não receberá qualquer indemnização. Ao mesmo tempo, Bruxelas também está a analisar o projeto para perceber se o gasoduto está de acordo com as regulações energéticas europeias.

Numa altura em que paira sobre a Ucrânia a perspetiva de uma invasão russa, o Ocidente tem pressionado a Alemanha a endurecer a posição relativamente ao gás natural, para que o gasoduto possa ser usado como vantagem negocial contra Moscovo. Nas palavras do secretário da Defesa norte-americano, Ben Wallace, o gasoduto é “uma das poucas fichas que podem fazer a diferença” numa negociação com Moscovo. Na perspetiva ocidental, usar a suspensão do Nord Stream 2 como sanção contra a Rússia vai não só enfraquecer as finanças de Moscovo como enviar ao Kremlin a mensagem de que a União Europeia não depende energeticamente da Rússia — o que aumentará a vantagem negocial sobre Putin.

A Alemanha, porém, não vê o caso da mesma maneira, uma vez que precisa desesperadamente do gás natural russo para a transição energética e uma sanção do género contra a Rússia teria um forte impacto na economia alemã.

Por outro lado, Moscovo também pode usar o gás que já controla como forma de pressão sobre o Ocidente. Nos últimos meses, para exercer pressão sobre a Ucrânia, a Rússia já reduziu em cerca de 50% a quantidade de gás natural que faz chegar à Europa através dos gasodutos que atravessam a Ucrânia — o fluxo que está em maior perigo devido ao conflito atual. Ciente da grande dependência da Europa face ao gás russo, Moscovo pode reduzir ou cortar o abastecimento de gás natural como forma de responder à pressão ocidental.

A pressão diplomática entre a Rússia e o Ocidente poderá jogar-se com o gás natural no centro: Moscovo ameaçando cortar o abastecimento e o Ocidente prometendo deixar de depender do gás russo. Trata-se efetivamente de um aspeto de dependência mútua entre os dois blocos, pelo que poderá ser usado pelos dois lados como arma política. “Claro que existe alguma interdependência”, disse recentemente à France 24 um diplomata alemão sob anonimato. “Nós recebemos muito gás da Rússia, e a UE é o maior mercado de gás para a Rússia. Uma grande parte da receita da Rússia tem origem nas exportações de gás.”

Senado americano prepara a “mãe de todas as sanções” contra a Rússia

A possibilidade de a Rússia invadir a Ucrânia tem ganhado contornos cada vez mais sérios na comunidade internacional e os Estados Unidos já preparam sanções a aplicar a Moscovo em caso de invasão. “A decisão de suspender o Nord Stream 2 faria parte da estratégia política ou militar da UE” no caso de uma invasão, acredita a economista Anna Creti, diretora do departamento de economia do clima da Universidade de Paris-Dauphine, numa entrevista também à France 24. Washington e Bruxelas já assumiram que uma invasão da Ucrânia por parte da Rússia poderá resultar num corte no abastecimento de gás natural. “Os EUA e a UE estão a trabalhar em conjunto para um abastecimento contínuo, suficiente e atempado de gás natural para a UE de diversas fontes por todo o mundo, para evitar choques no abastecimento, incluindo os que possam resultar de mais uma invasão russa da Ucrânia”, lê-se num comunicado conjunto de Joe Biden e Ursula von der Leyen, de onde se pode interpretar tanto a possibilidade de a invasão causar uma interrupção no abastecimento através dos gasodutos já em funcionamento como também a possibilidade de a suspensão do Nord Stream 2 ser determinada em resposta à invasão.

Ainda assim, Anna Creti alerta para um aspeto negocial importante: uma suspensão do Nord Stream 2 não pode ser decidida unilateralmente, já que está em causa um consórcio que inclui também empresas europeias, que poderão negociar várias cláusulas do contrato — uma situação que a Rússia pode aproveitar para minar a sanção. Uma suspensão pode ser operacionalizada através de uma decisão técnica de Bruxelas sobre o cumprimento das regulações energéticas, uma vez que essa decisão poderá ter em conta se a UE está “a dar demasiado poder à Rússia”, mas não é certo que seja possível aguentar uma decisão apenas com base em pressupostos técnicos durante um tempo indefinido.

Slavyanskaya compressor station of Nord Stream 2 gas pipeline

O gás natural é uma das principais ferramentas de poder da Rússia sobre o Ocidente

Peter Kovalev/TASS

No fim de contas, o gás natural tornou-se numa arma diplomática no centro do maior conflito dos últimos anos entre a Rússia e o Ocidente, em vias de evoluir para uma verdadeira guerra armada, ao dispor das duas fações: a Rússia tentará inevitavelmente fazer uso do seu poder energético sobre a Europa, assumindo-se como imprescindível para o abastecimento de gás natural do continente europeu e negociando com essa vantagem sobre o Ocidente; a Europa, por seu turno, terá necessariamente de buscar alternativas ao gás russo para que, tornando-se energeticamente independente de Moscovo, possa avançar para as sanções sem temer represálias no abastecimento de energia. No meio deste puxar de corda, que poderá causar disrupções no abastecimento de gás natural ou fazer aumentar os preços da energia (num continente europeu já a lutar com preços galopantes), a Alemanha fará valer os seus interesses enquanto destinatária primordial do futuro gasoduto russo.

E Portugal será afetado?

Em 2021, 22,95% da eletricidade produzida em Portugal foi gerada a partir do gás natural. Porém, Portugal não compra gás natural à Rússia. Na realidade, a maioria do gás natural consumido em Portugal chega ao país na forma de gás natural liquefeito, entrando no sistema português através do porto de Sines, onde é gaseificado e introduzido na rede. O maior fornecedor de gás natural de Portugal é a Nigéria — Portugal chegou a receber gás da Argélia a partir do gasoduto de Marrocos, mas apenas representava 0,1% do total nacional. A Galp tem ainda alguns contratos de compra de gás natural liquefeito com outros pontos do mundo, incluindo com os EUA. Isto significa que uma disrupção no abastecimento de gás russo não afeta diretamente o consumo desta fonte de energia em Portugal.

Contudo, Portugal não é imune a perturbações que possam surgir no mercado internacional. Uma disrupção no transporte de gás natural da Rússia para a Europa do Norte vai necessariamente colocar mais pressão sobre outros fornecedores mundiais, aumentando a procura e os preços do gás — o que acabará, indiretamente, por afetar os preços em Portugal.

Crise da energia e fim do carvão levam Governo a criar reserva adicional de gás natural

Recentemente, já antecipando as perturbações no mercado, o Governo português aprovou a criação de uma reserva adicional no sistema nacional de gás, além das reservas de segurança atualmente previstas. Num sistema de energia altamente dependente das energias renováveis, como o português, a existência de centrais a gás natural permite assegurar a produção de eletricidade caso as renováveis falhem. De acordo com a portaria aprovada na semana passada, a reserva tem de garantir 45 dias de consumo anual para os clientes protegidos e 16 dias consecutivos de consumo das centrais de ciclo combinado à sua capacidade máxima.

Como justificação para reforçar a reserva de gás, o Governo apresentou “a recente evolução dos mercados de energia” — a que a situação na fronteira russa não é alheia — e também o encerramento das centrais a carvão em 2021, que aumentou a necessidade de ter alternativas de último recurso operacionais.

Como é que a Europa pode ficar menos dependente da Rússia?

O gás natural tem sido frequentemente apelidado de “combustível da transição”. Embora seja um combustível fóssil, a produção de eletricidade a partir do gás natural emite metade do dióxido de carbono em relação à produção elétrica a partir de outros combustíveis, como o carvão. Por isso, na impossibilidade de transitar com efeitos imediatos para uma produção elétrica 100% renovável, os países europeus precisam do gás natural para assegurar a estabilidade da produção de eletricidade na próxima década, enquanto preparam a produção renovável e, simultaneamente, reduzem as emissões de dióxido de carbono.

Para muitos países europeus, o gás natural é, por isso, um ativo fundamental para cumprirem os seus compromissos climáticos e energéticos da próxima década, embora não haja unanimidade quanto ao papel do gás natural no combate às alterações climáticas (basta, para o perceber, olhar para a atual controvérsia em torno da proposta da Comissão Europeia para classificar como “verde” o gás natural e o nuclear). As potenciais perturbações no abastecimento do gás russo devido ao conflito na Ucrânia pintam um cenário sombrio para o futuro — e a Alemanha é um caso paradigmático, uma vez que está a meio de um processo de encerramento total da sua produção de energia nuclear.

No ano de 2021, cerca de 13% da energia produzida na Alemanha teve origem em centrais de fissão nuclear — uma forma de produção elétrica que é limpa do ponto de vista climático, mas muito controversa devido aos riscos de segurança que acarreta. Em 2011, na sequência do desastre de Fukushima, o governo alemão determinou que o país abandonaria a energia nuclear até 2022. No final de 2021, a Alemanha encerrou três das suas seis centrais nucleares. As restantes deverão encerrar este ano — e deixar uma grande lacuna na matriz elétrica alemã. A alternativa que permite ao país cumprir os seus compromissos climáticos é o gás natural, o tal “combustível da transição”, que evitará que Berlim recorra à poluente queima de carvão.

Liquified Natural Gas boat, the 'Pacific Notus' on Darwin Port after lea

A importação de gás natural liquefeito (por exemplo, a partir dos EUA ou do Qatar) é vista como uma alternativa ao gás russo

Fairfax Media via Getty Images

Por este motivo, o Nord Stream 2 é um projeto fundamental para a economia alemã (que importa 90% do gás natural que consome), o que está a aprofundar as divisões entre os parceiros europeus sobre o destino do gasoduto russo. Em Berlim, há vontade de receber o gás natural, mas não a qualquer custo. A chefe da diplomacia alemã, Annalena Baerbock, já veio dizer que o gasoduto não está em condições de ser aprovado, porque os requisitos legais ainda não estão cumpridos “e porque as questões de segurança permanecem, em qualquer caso, sobre a mesa”. “Em caso de uma nova escalada [de tensões] este gasoduto não poderá entrar em serviço”, disse.

Para os Estados Unidos e para muitos países europeus, uma excessiva dependência da UE em relação à Rússia constitui um perigo para o Ocidente. Por isso, uma parte significativa dos esforços de Washington e Bruxelas têm-se concentrado na exploração de alternativas ao gás russo para esvaziar as ameaças de Moscovo. A partir de Portugal, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, também já veio posicionar-se a favor de um “desenvolvimento de interligações de gás” que permitisse “diversificar as fontes de gás e diminuir a dependência energética face à Rússia, retirando assim uma alavanca que [Moscovo] usa para efeitos negativos”.

Como fazê-lo? Esta sexta-feira, por exemplo, Joe Biden reúne-se na Casa Branca com o emir do Qatar, Tamin bin Hamad al Zani, e um dos temas em cima da mesa será justamente o gás. O Qatar é um dos grandes produtores de gás natural liquefeito com que os EUA estão a negociar a possibilidade de abastecer a União Europeia — embora Washington não revele os outros países com os quais está a negociar nem qual a capacidade que outros países têm para substituir o gás russo. Outra hipótese seria a Noruega, que é o segundo maior fornecedor de gás natural do continente europeu, mas que já disse estar atualmente a alimentar a Europa à capacidade máxima — e que será incapaz de substituir o gás que a Rússia não fornecer.

A União Europeia, um mercado único em que a Alemanha marca o ritmo, definiu como objetivo atingir a neutralidade climática até 2050, o que significa um investimento de grande monta em energias renováveis. Até lá, o gás natural será uma das ferramentas fundamentais para a transição energética — mas, para já, está preso num impasse, num conflito complexo e que a Europa dificilmente poderá ajudar a resolver enquanto se mantiver dependente do gás russo. Nesse conflito, a energia já está transformada em arma diplomática. Resta saber como será usada e por quem.

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