“Não é frequente ver uma colega de profissão, ainda mais com ideias progressistas, passar a frequentar palácios e a envergar tiaras”, escreve Mábel Galaz na introdução do seu livro Letizia Real. A autora é jornalista e durante cerca de 30 anos seguiu de perto os acontecimentos na Casa Real espanhola e acompanhou os assuntos da realeza no geral no jornal El País. Esteve presente no restrito grupo de jornalistas a quem o príncipe Felipe contou, no Natal de 2001, que a relação com a modelo sueca Eva Sannum tinha terminado e também entre os profissionais da comunicação chamados ao palácio de El Pardo para anunciar o noivado do herdeiro do trono espanhol e apresentar a sua noiva, Letizia Ortiz. A escolhida do príncipe foi, desde o início, uma personagem controversa na família real e, ao longo de quase 20 anos, a sua figura parece ter vindo a destacar-se à medida que o enredo da monarquia espanhola se foi complicando.
Mábel Galaz conheceu Letizia quando esta era ainda jornalista. Viu-a passar dos ecrãs da televisão onde dava as notícias para os palácios nos quais se formou como princesa das Astúrias e hoje assume o papel de rainha de Espanha. “Já se escreveu muito sobre Letizia, ainda que, diretamente se saiba muito pouco”, escreve a autora, por isso decidiu contar a história da soberana nos corredores reais. O resultado foi o livro Letizia Real com cerca de 250 páginas preenchidas com episódios bem conhecidos, com momentos testemunhados na primeira primeira pessoa e com pormenores que só quem se move nos bastidores deste meio saberia. Em Espanha o lançamento desta obra aconteceu em setembro de 2022, pela altura em que a rainha completou 50 anos. Agora chega a versão portuguesa e a autora respondeu a algumas perguntas do Observador.
No prólogo do livro pode ler-se que “lutou por espaços, discutiu, explicou e tentou que a personagem de Letizia adquirisse a relevância social que no seu entender merecia, por si própria e pelo papel institucional que desempenhava”. Porquê? O que acha que precisa ser contado na história da rainha?
No prólogo, Soledad Gallego-Díaz, diretora do El País durante uns anos, explica que fui a responsável durante mais de uma década pela secção de “Gente y Estilo” do diário. Durante esse tempo tentei mostrar a outra cara dos protagonistas que cada dia apareciam nas páginas do jornal, entre eles Letizia. Creio que a nossa obrigação como jornalistas é contribuir com a máxima informação possível sobre as pessoas que nos representam, mantendo o seu direito à intimidade. Contar a história de Letizia era e é necessário já que é uma rainha atípica no protocolo não escrito das casas reais. Uma mulher jornalista, divorciada, que decide dar o passo de mudar radicalmente de vida.
Faz referência ao perfeccionismo de Letizia e chega a escrever que “acabaria por ser o seu pior inimigo”. Explique-nos porquê?
Letizia sempre procurou a perfeição, como jornalista, como princesa e agora como rainha. Ser tão perfecionista converteu-a, por vezes, em alguém que parecia demasiado fria e distante. Creio que agora se deu conta do seu erro e no último ano está a tentar mostrar-se mais próxima.
Muito se escreveu sobre a relação difícil de Letizia com o Rei Juan Carlos. Com a rainha Sofia, Letizia esteve apenas duas ou três vezes antes do noivado. Letizia não era o estereótipo de princesa perfeita e sabe-se que enfrentou muitos obstáculos. Como foi recebida Letizia pelos Reis e no meio da Casa Real?
Foi recebida com desconfiança. Juan Carlos nunca escondeu a sua opinião sobre ela, mas Felipe foi implacável na sua decisão: ou ela, ou ela. Tudo depois de renunciar a Eva Sannum. Sofia tentou ser uma referência, mas com o tempo ficou claro que Letizia e a sogra têm uma maneira muito distinta de exercer o seu papel.
Como é atualmente a relação com a rainha Sofia e como se desenvolveu?
Inicialmente, Sofia exerceu como tutora de Letizia. Agora os seus papéis são bem diferentes. Ficou claro que as suas personalidades são opostas, portanto a relação entre ambas gira em volta da Coroa no que toca ao institucional e em volta de Felipe no que toca ao pessoal. Felipe adora a sua mãe.
É notório que a rainha se esforça para cumprir as suas funções na perfeição. Mas ao mais pequeno erro a opinião pública não lhe perdoa. O momento em que falou por cima do príncipe Felipe no anúncio do noivado e a cena na missa de Páscoa com a rainha Sofia são dois exemplos, em vários anos, que a perseguem. Porque é que os erros de Letizia não são tolerados? Os espanhóis ainda não a aceitam?
Letizia teve vários handicaps nos quase 20 anos que está na Casa do Rei. Os monárquicos não gostam dela e os que não o são, menos ainda. Por isso ela tenta reescrever o seu papel, transformar-se numa rainha do século XXI. Neste sentido, creio que desde a cimeira da NATO, faz agora um ano, notou-se esta evolução. Não quer ser uma rainha decorativa. Creio que nos últimos meses o seu trabalho está a ser mais valorizado.
Falemos de aparências. Conta no seu livro que foi a rainha Sofia quem lhe sugeriu que arranjasse uma estilista e que Letizia fez operações plásticas. A imprensa internacional venera o estilo de Letizia, mas a rainha parece ter um desprendimento em relação às joias reais e preferir um estilo mais descontraído. Como é a relação de Letizia com a aparência?
Letizia quer distanciar-se dos palácios e pisar a rua, daí que aposte na moda low cost e fuja das joias da coroa, mas quando uma situação pede, usa uma tiara. Ela manifesta-se em certas ocasiões através dos seus looks. A rainha tem poucas oportunidades de dar a sua opinião, por isso recorre a estas coisas. Por exemplo quando estourou a invasão da Rússia na Ucrânia apareceu em público com uma camisa bordada por mulheres ucranianas.
Ao longo de cerca de 30 anos escreveu sobre a realeza espanhola e não só. Como compara o papel e a postura de Letizia ao longo dos anos com o de outras princesas e rainhas da Europa?
A rainha de Espanha pertence a uma geração de rainhas do século XXI que sabem que têm que interpretar o seu papel, como acontece com a monarquia, que procura o seu sentido para continuar. Neste sentido, o facto de Letizia ser uma mulher com uma vida prévia está a ajudar neste processo. Custou a Letizia adaptar-se ao seu papel. Em minha opinião, está a ser melhor rainha do que princesa.
Controversa, perfecionista, soberana: a rainha Letizia de Espanha aos 50 anos
Explique-nos como foi o processo deste livro.
Conheci Letizia como jornalista, por isso segui o seu percurso na Casa do Rei desde o primeiro dia. Tudo me ajudou na hora de escrever o livro e claro que contei com a ajuda de muita gente, uns facilitando a sua identidade e outros preferindo não a dar.
Como jornalista que há tantos anos acompanha a Casa Real, o que mudou no funcionamento da instituição do reinado de Juan Carlos para o de Felipe? Letizia impôs algumas mudanças ou há algo hoje que seja o seu reflexo?
Houve mudanças ainda que, em minha opinião, precisa haver mais. Felipe delimitou o que é família real do que é família do Rei, que aposta na transparência e na exemplaridade depois dos escândalos de Urdangarin e dos problemas de Juan Carlos. Letizia tenta ter personalidade própria na instituição. São cada vez mais os atos a que preside sozinha e, a mim, chama-me a atenção a quantidade deles que são relacionados com a mulher.
A família real passou por um verdadeiro terramoto nos últimos anos. Com o afastamento de Iñaki Urdangarin e do próprio Rei emérito, acha que haverá uma reunião da família nos próximos anos? Como vê o futuro da Monarquia espanhola?
O futuro da monarquia espanhola, como as do resto da Europa, está em período de observação. Não haverá aproximação com Urdangarin e mais desde o início dos trâmites de divórcio da infanta Cristina. O destino de Juan Carlos I é o grande problema do seu filho. A lógica parece indicar que deveria aproximar-se de Espanha dado o seu estado de saúde e a sua idade, mas não é uma questão só dele, é do governo.