Discurso de Luís Montenegro,

No arranque do 42.º Congresso do PSD

Dois anos e três meses depois chegamos aqui reforçados. Na unidade e coesão do partido, sem nunca perder a pluralidade. Reforçados na abertura da nossa organização a toda a sociedade. Muitos continuaram independentes e outros aderiram

Previsivelmente, o primeiro discurso do 42.º Congresso do PSD serviu para fazer um balanço dos últimos dois anos, período importante em que o partido passou da longa e penosa travessia no deserto da oposição para o poder, oito anos depois de António Costa ter derrubado Pedro Passos Coelho. Mas serviu também para falar para dentro do partido, para galvanizar as tropas, e preparar o partido para o combate autárquico que aí vem. Mas Montenegro tinha uma surpresa preparada logo para o arranque dos trabalhos: Ana Gabriela Cabilhas, atualmente deputada e ex-dirigente da Federação Académica do Porto, e Sebastião Bugalho, cabeça de lista da AD nas últimas eleições europeias, tornaram-se militantes do partido por proposta de Montenegro. “São dos melhores que há em Portugal”, celebrou o líder social-democrata.

Em dois anos, ganhámos as eleições regionais dos Açores, vencemos duas eleições regionais na Madeira, mantivemos a nossa representação no Parlamento Europeu e voltámos a vencer as eleições legislativas nove anos depois. Não são os eleitores que se enganam, somos nós que temos de mostrar o mérito das nossas propostas.”

O tal balanço muito próprio de Luís Montenegro. Em rigor, José Manuel Bolieiro já era poder quando foi a votos pela segunda vez — e venceu. Na Madeira, o embaraço do PSD com a estrutura regional é uma evidência e a relação entre primeiro-ministro e presidente do Governo Regional da Madeira está muito longe de ser a melhor. Nas europeias, não há outra forma de ver a coisa: o PSD perdeu. Por pouco, mas perdeu. Factual é o regresso do PSD ao poder nove anos depois. Vitória por margem curta, mas uma vitória. O que Montenegro espera é manter bem viva a onda laranja, na expectativa de que contamine outros atos eleitorais.

[Vamos] pôr de lado os interesses ou as vaidades pessoais. Vamos abrir as candidaturas à sociedade civil. Se o fizermos, vamos mesmo reconquistar a liderança da Associação Nacional de Municípios e da Associação Nacional de Freguesias”

Ultrapassado — aparentemente — o impasse orçamental e garantida a sobrevivência política para os próximos dois anos, Luís Montenegro volta-se agora para as autárquicas. O caminho começou a ser traçado ainda por Rui Rio — com as conquistas de Funchal, Coimbra e, sobretudo, Lisboa, o antecessor de Montenegro devolveu o partido aos bons resultados nas eleições autárquicas, depois de dois ciclos particularmente negativos. Na altura falou-se muito do virar de página, mas foi sol de pouca dura para o PSD — meses depois Costa tiraria da cartola uma maioria absoluta. As próximas eleições realizam-se noutro contexto: serão imediatamente antes da discussão do próximo Orçamento do Estado, que será previsivelmente chumbado, abrindo uma crise política em 2026. Nessa altura, é de esperar que o sucessor de Marcelo Rebelo de Sousa venha a dissolver a Assembleia da República e convoque eleições antecipadas. Montenegro (e Pedro Nuno Santos, evidentemente) sabe bem da importância do resultado das autárquicas para abrir boas expectativas para o período de seis meses de intenso combate político se vai abrir imediatamente a seguir às eleições. No caso do PSD, um mau resultado nas autárquicas pode deixar Montenegro em maus lençóis para as legislativas.

As pessoas estão fartas de intrigas, de truques ou de malabarismo. A política é das pessoas e é para as pessoas. Não acertámos sempre. Mas também não andamos aos ziguezagues. Não ficamos nem eufóricos nem deslumbrados com sondagens [positivas], como também não ficamos deprimidos quando elas são menos boas. Não estamos zangados com os portugueses nem assustados com os desafios, nem tão pouco a olhar para dentro (…) O tempo não é para queixumes nem para lamentações. Também não é tempo para passa-culpas. O nosso tempo é para agir”

Quem assistiu atentamente aos últimos dois meses de drama orçamental, saberá bem que a quem Luís Montenegro se referia nesta parte do seu discurso. É o bê-à-bá de qualquer primeiro-ministro em funções: enquanto os líderes da oposição se dedicam à tática e à ‘baixa política’, o chefe de Governo só pensa no país e nos portugueses. António Costa tinha esse mesmíssimo discurso, Pedro Passos Coelho também, José Sócrates e todos antes dele idem, idem, aspas, aspas. Mas, naturalmente, Montenegro sabe que está numa posição de vantagem: o anúncio da viabilização do Orçamento do Estado por parte de Pedro Nuno Santos deixou o PS, além de partido, numa posição desconfortável entre ter de explicar como foi do “praticamente impossível” à abstenção em seis longos meses. Quanto a André Ventura rompeu dizendo que havia um acordo secreto com o primeiro-ministro e acabou a ser chamado de mentiroso e a falar sozinho. É Montenegro a gozar o momento.

Diz-se que só fizemos o mais fácil. Aquilo que ninguém percebe é que se era assim tão fácil porque é que não estava feito? Isso é diferente e faz toda a diferença. Não somos iguais [ao PS]. Não é uma política de benesses. (…) Não são powerpoints inconsequentes como eram aqueles a que o país estava habituado. Não são meros papeis com nomes pomposos, são medidas concretas que estão a ser executadas”

Nesta parte do discurso, já Luís Montenegro elencava tudo aquilo que o Governo diz ter conseguido ao longo dos últimos sete meses, da Saúde à Educação, passando pela imigração e pela Administração Pública. Tantas vezes acusado de estar a tentar garantir a simpatia de determinados segmentos (pensionistas, funcionários públicos, mais jovens, corporações mais vocais) com objetivos eleitorais, Montenegro veio agora defender que não são “benesses”; são reformas para transformar a Administração Pública e os serviços públicos. É mais uma variação de uma ideia em que Montenegro tem insistido muito: é um ‘fazedor’ e um ‘reformista’ para romper com oito anos de “estagnação socialista” e por oposição ao ‘conformista’ António Costa.

Sei que é um ritmo forte, muito intenso. Sei que alguns dos que se dedicam mais à conversa do que à ação têm uma tendência de desvalorizar este ritmo. Mas cá estaremos para prestar contas e responder pelo prestígio da política, valor da palavra dada

Mais uma vez, Montenegro insiste que este Governo, ao contrário dos executivos socialistas que lhe antecederam e do que o atual secretário-geral do PS contesta, está mesmo apostado em reformar o país — estranho seria que dissesse o contrário, mas adiante. A ironia é mesmo utilizar uma expressão que António Costa chegou a celebrizar — “palavra dada é palavra honrada” –, sendo que não é a primeira vez que o faz publicamente. Mesmo com o apoio de Pedro Nuno Santos ao Orçamento do Estado, Montenegro não desiste de tentar vincar as diferenças entre a Aliança Democrática e o PS.

Não somos descendentes de pântanos, de bancarrotas ou de empobrecimento. Somos descendentes do sentido de Estado de Francisco Pinto Balsemão, do transformismo de Cavaco Silva, do patriotismo de Durão Barroso e Pedro Santana Lopes, da coragem de Pedro Passos Coelho e valores social-democratas de Francisco Sá Carneiro”

Mesmo a terminar, Luís Montenegro fez, em simultâneo, críticas aos legados de Guterres, Sócrates e Costa e a homenagem a todos os líderes do PSD que chegaram ao cargo de primeiro-ministro, sem esquecer o padroeiro que tenta emular — Aníbal Cavaco Silva — e o criador com quem teve de romper para se relançar e relançar o partido — Pedro Passos Coelho. O tempo dirá qual será o legado de Montenegro, mas a tarefa que tem pela frente é de gigantesca importância: é a primeira vez desde Cavaco Silva que a direita chega ao poder sem austeridade e com dinheiro para gastar e distribuir. Se falhar, pode comprometer por muitos, muitos anos o futuro do partido; conseguindo, arrisca-se mesmo a repetir Cavaco e a ficar no cargo por muitos e largos anos.