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A invasão escocesa foi só fora de campo: o jogo de abertura num pub em Munique

No início, barulhentos e confiantes (até demais). No fim, silenciosos e pessimistas. O Observador seguiu a montanha russa de emoções escocesa num local que lhes é querido: um pub, mas em Munique.

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André Maia, enviado em Munique

Quem passasse na tímida rua Trautenwolfstraße, em Munique, nunca imaginaria o que estava a acontecer um par de metros abaixo do chão. A fachada do Shamrock Irish Pub engana: de fora, só se veem as mesas da esplanada e um pequeno átrio. Mas é descendo as escadas que a magia acontece. Este pub tipicamente britânico é subterrâneo, mas deixa as emoções à flor da rua. Ainda mais com futebol e com escoceses. Os barulhentos escoceses. Desde a estação de metro de Fröttmaning até à de Giselastraße, foram eles que animaram todo o percurso.

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“No Scotland, no party” ou “I canboogie, boogie-boogie” foram alguns dos melhores sucessos que foram sendo cantados — ou gritados —, deixando os alemães pequeninos. Mas isso foi apenas fora de campo. Lá dentro, a história foi outra. Mas aqui, a nossa história não é tanto sobre futebol. É sobre como vê-lo. E nós vimos este Alemanha-Escócia em Munique, mas em casa escocesa, num pub. E vamos ser sinceros: há lá sítio melhor para ver um jogo da Escócia do que num pub? Nem no estádio. Quer dizer, há quem não ache o mesmo.

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O Shamrock Irish Pub encheu... para ver a derrota da "equipa da casa"

Scott, o homem que comprou bilhete, mas que nunca o recebeu

Há infelicidades na vida. E dentro das coisas menos importantes que ela tem, talvez dar centenas de euros por um bilhete para um jogo do Euro, pagar a viagem e depois não entrar no estádio esteja no top. Foi o que aconteceu a Scott. Vindo de Edimburgo, ficou a arder porque o ingresso nunca chegou, apesar de o ter comprado. “Era suposto eu estar ali, não é. Vim eu para Munique para estar mais perto da equipa e agora fico a ver na televisão”, diz cabisbaixo (apenas por causa do bilhete, porque aqui estava ainda 0-0).

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E porquê um pub, em substituição do estádio? Óbvio. “Sempre nos sentimos mais em casa. Nós estamos habituados a isto. Não escolhia mais nenhum sítio para ver o jogo. Sem ser o estádio, claro”, conta-nos em voz alta, abafada pelo som das colunas ligadas à televisão, sem nunca tirar os olhos dela. Mas não é que estivesse propriamente à espera de perder um golo da Escócia, até porque Scott foi dos poucos escoceses pessimistas (realistas?) que encontrámos: “A minha expectativa é que façamos um ponto no grupo. Só um ponto. Mas podemos passar. Porque até podemos vencer a Suíça e a Hungria. Mas acho que fazemos só um ponto”.

No fim, Scott ficou mais perto de estar certo e apanhou uma dupla desilusão: não foi ao estádio (apesar de ter pago) e ainda foi goleado. Valeram as cervejas, que garante que estavam boas.

Scott, à direita, desanimado com o resultado e com o facto de ter sido "roubado"

Quantas cervejas já bebemos? “Já perdemos a conta!”

Jarett e Xander entraram no pub já com o jogo a decorrer e com um ar ofegante. Estiveram na zona centro de Munique até ao início do jogo e depois correram para o Shamrock. Porquê? “Queríamos ver o jogo em casa e já que não podemos estar no estádio, preferimos vir aqui”. E porque não no estádio? “Já não arranjámos bilhete, esgotaram”, diz Jarett, já com um ar meio perdido. Quantas cervejas já teria bebido? “Já não sei, sinceramente. Comecei a beber de manhã e agora vamos a mais uma ronda. Já perdi a conta”. Os jogadores da Escócia podem dizer a mesma frase, mas em relação ao jogo.

Mas havia quem estivesse pior do que Jarett e Xander. Aliás, vamos confessar: entrevistámos outro escocês, Callum McCartney, durante cerca de dois minutos. Desses, nem metade conseguimos transcrever, por culpa do álcool, mas também do carregado sotaque. Eis o que se conseguiu aproveitar: “Eu não consegui bilhetes porque eram muito caros, mas queria estar em Munique, por isso vim para aqui. Acho que ainda nos podemos qualificar, sou otimista”, disse (entre outras coisas que fariam Sir Alex Ferguson soar percetível).

Noutra mesa, com outros dois amigos escoceses — já fora de combate — estava Lewis. Quando falámos, a Alemanha já ganhava por 1-0 e aí, o otimismo escocês começou a virar: “Já estava à espera deste resultado, a Alemanha tem uma ótima equipa. Mas ainda acho que podemos qualifi…”. Golo da Alemanha. 2-0. Lewis interrompeu a frase e disse só isto: “It’s tough”. Foi duro.

Jarett e Xander, quando já tinham perdido a conta das cervejas que beberam

Este irish pub é mesmo irish. E é o sonho de Michael

Michael nasceu na República da Irlanda. A terra dos duendes, dos arco-íris com potes de ouro no fim, mas também dos pubs. Quando Michael visitou Munique para ter aulas e viu um pub como os da sua terra, não pensou duas vezes: tinha de trabalhar ali. E assim foi. Começou como funcionário e comprou-o em 2011, há 13 anos. A partir daí fez disto a sua vida. E o futebol anda de mãos dadas com o negócio. “São tantas histórias de futebol aqui. Guardo com carinho especial as finais. A final do último Euro, por exemplo. Isto cheio de ingleses. Ainda mais numa altura de pandemia. O futebol salvou-me o negócio, porque era o que fazia encher o pub nesse tempo”.

E vai salvar de novo. Michael explica que para hoje tinha toda e cada mesa do pub reservada. Infelizmente, na realidade, isso não se confirmou. “É do tempo. A chuva não ajuda. Em junho até costuma estar bom, mas este ano estamos com azar”.  Ainda assim está confiante para o resto do Euro: “Acho que é realista pensar que teremos mais vendas, mas o tempo tem de ajudar”.

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Aqui, uma funcionária de Michael interrompe para pedir ajuda. Quando acaba de falar com o chefe — em alemão — dirige-se a nós, entre risos: “Peço desculpa”. Não foi “Sorry”. Muito menos “Ich entschuldige mich”, que não perceberia. Foi “peço desculpa”, na língua do homem que celebrou esta semana 500 anos.

Michael, o irlandês que trocou tudo por um pub em Munique

Luísa, não há escolas de alemão em São Paulo?

O mundo é realmente pequeno, mas naqueles cinco metros abaixo do chão, num jogo de abertura entre Alemanha e Escócia, num pub em Munique, nunca pensámos ouvir português, muito menos atrás do balcão. Chama-se Luísa Koprowski, vem de São Paulo e está na terra mais famosa da Baviera há quatro anos. E veio por um motivo que pouco se usa agora, na era dos Duolingos e da globalidade: “Eu vim com o objetivo apenas de aprender alemão. Mas depois entrei na faculdade e pronto, acabei por me manter cá”. A jovem de 22 anos está a estudar Engenharia Bioquímica e junta a isso o trabalho no pub. E já nota diferenças no ar.

“Já se nota a diferença no ar por causa do Euro. Há uma semana estava tudo mais calmo. Agora as ruas já estão cheias, o metro também. Dá para perceber que vai acontecer alguma coisa”. Pausa, para o jogo: há penálti para a Alemanha! Mas como Luísa não liga muito a futebol, continuemos. Será que tem mais trabalho agora, com o Euro? “Depende. Mas acho que sim. Tendo em conta que as pessoas querem ver os jogos, espero isto lotado”, diz.

E já que não há Brasil… sobre Portugal, o que se espera? “O meu namorado é português! Por isso estou a torcer por Portugal. Mas aqui, vou fingindo que torço pela Alemanha”, diz entre risos. O problema é se há um Portugal-Alemanha. Quem sabe na final. Se os escoceses sonhavam com isso no início, também nós podemos. Não queremos é uma queda tão grande como os senhores do Kilt. A eles, na primeira noite, só valeu mesmo a música e a cerveja.

Luísa Koprowski, brasileira de 22 anos, trabalha no pub. Só aí finge que torce pela Alemanha

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