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É o número 285 da Rua da Rosa, em pleno coração do Bairro Alto, em Lisboa. Num edifício que visto de fora parece estreito e limitado em termos de áreas, desvendam-se vários andares e salas que nos levam inclusive até à rua detrás, a Rua de São Boaventura
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É o número 285 da Rua da Rosa, em pleno coração do Bairro Alto, em Lisboa. Num edifício que visto de fora parece estreito e limitado em termos de áreas, desvendam-se vários andares e salas que nos levam inclusive até à rua detrás, a Rua de São Boaventura

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

É o número 285 da Rua da Rosa, em pleno coração do Bairro Alto, em Lisboa. Num edifício que visto de fora parece estreito e limitado em termos de áreas, desvendam-se vários andares e salas que nos levam inclusive até à rua detrás, a Rua de São Boaventura

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A livraria que é um bar, um cinema e uma galeria: a Casa do Comum de José Pinho está pronta para abrir as portas

Último projeto do livreiro e fundador da Ler Devagar é inaugurada esta semana. O Observador foi conhecer a história do espaço, as salas que o preenchem e a filosofia cultural que quer morar ali.

É uma casa em construção permanente. Tem um bar, uma livraria, uma sala de projeção de filmes e espaços abertos a diferentes propostas artísticas – até mesmo um canto destinado à leitura, a que chamaram Museu da Preguiça. No meio da azáfama, ultimam-se os preparativos: há livros espalhados por toda a parte, abrem-se caixas que chegam a todo o momento, montam-se móveis que farão parte da decoração e colocam-se desenhos nas paredes para uma primeira mostra expositiva. “Era urgente abrir portas”, dizem-nos. Passam-se seis meses desde a morte de José Pinho (1953-2023), o livreiro e fundador da Ler Devagar, que sonhou com um espaço assim: comum a todos e ligado à fruição cultural multidisciplinar, onde (claro está) nunca faltassem livros. São estes – pelos menos para já – os elementos fundadores da Casa do Comum do Bairro Alto — Centro Cultural (CCBA), um “lugar em sentido contrário às dinâmicas mais sensíveis da cidade de Lisboa”, que abre as suas portas esta terça-feira, dia 31 de outubro.

Estamos defronte do número 285 da Rua da Rosa, em pleno coração do Bairro Alto, em Lisboa. Num edifício que visto de fora parece estreito e limitado em termos de áreas, desvendam-se vários andares e salas que nos levam inclusive até à rua detrás, a Rua de São Boaventura, onde curiosamente se fundou a Ler Devagar, em 1999. Até se fixar na LX Factory (em 2008 e já depois de ter passado por vários espaços provisórios), onde se tornou numa das livrarias mais fotografadas em todo o mundo, foi ali mesmo que começou o sonho de criar uma livraria de fundos, que dá chances aos livros em segunda (ou terceira) mão e onde a poesia é uma das secções mais destacadas. Acima de tudo, foi ali, naquele cruzar de ruas, que José Pinho decidiu criar um espaço que fosse mais do que uma livraria. Chegados a 2023, a Casa do Comum, como explicam os seus promotores, quer ser um lugar-refúgio dedicado a todas as atividades humanas que são feitas em comum. Um espaço que convida à escuta, à leitura e ao convívio numa “cidade em hipertrofia acelerada, sujeita a várias pressões urbanísticas, turísticas, económicas, sociais”, em que muitas destas premissas aqui acarinhadas parecem estar em vias de extinção. A coordenação e programação vai ficar a cargo de Miguel Ribeiro, que foi até há poucos dias o diretor do DocLisboa.

“A verdade é que dada a tipologia do edifício e a personalidade do José, percebemos que devíamos fazer uma livraria com bar, sala de cinema e de concertos, galeria… no fundo, são possibilidades"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Para marcar o seu arranque, a CCBA, que foi o último projeto de José Pinho, terá ao longo dos próximos dias uma programação dedicada em exclusivo à sua abertura de portas. De 1 a 5 de novembro, será local de encontro e de atividades — lançamentos de livros, concertos, debates, projeção de filmes, DJs — numa montra da pluralidade de olhares, de pessoas e de gostos que se pretende acolher nesta casa. Ao Observador, Joana Pinho, filha do fundador da Ler Devagar e atual presidente do Conselho de Administração da empresa que gere a livraria e alguns dos festivais literários criados pelo pai, conta que a ideia central por detrás do projeto era fazer uma livraria com o espírito de encontro da Ler Devagar original. “A verdade é que dada a tipologia do edifício e a personalidade do José, percebemos que devíamos fazer uma livraria com bar, sala de cinema e de concertos, galeria… no fundo, são possibilidades e por isso mesmo é que vamos tentar. Ele conseguia movimentar as pessoas e juntá-las e na realidade o que fizemos foi pegar nessas sinergias que já estavam iniciadas por ele e continuar esse caminho”.

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Uma casa começa-se pelo telhado

Foi ainda em vida que José Pinho se interessou pelo espaço onde agora se inicia a vida da Casa do Comum. O livreiro que sempre viveu neste bairro de Lisboa soube através da vizinhança que o edifício, pertencente à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, iria ficar vazio. “Antes disso, o edifício estava cedido aos trabalhadores da Imprensa Nacional e funcionava como uma espécie de sociedade recreativa. Quando ele soube que essa cedência iria terminar, começou logo a fazer contactos para que se pudesse fazer algo do espaço”, conta Joana Pinho. Não só visitou o espaço como o idealizou. O seu espírito mantém-se por ali intacto e, sobretudo, vivo. “Infelizmente por atrasos nas obras, não conseguiu ver o projeto terminado, mas viu quase tudo”, sintetiza a também filha do fundador da Ler Devagar. Era preciso dar-lhe forma e abri-lo. Ainda se pensou fazer a abertura a meio do verão, a 16 de junho (a data de aniversário da livraria), mas a morte do fundador, a 30 de maio, alterou os planos.

“Houve um grande esforço para abrir, mas uma vez que ele não resistiu, resolvemos então abrandar e repensar o projeto”, acrescenta Joana Pinho. Mesmo como embrião, não deixam de se recordar as palavras de Sérgio Godinho a propósito da importância de José Pinho, proferidas na mais recente edição do Fólio – Festival Literário de Óbidos: “Sempre se disse (acho que fui eu), que o Zé Pinho começava as casas pelo telhado. Isso poderia ser preocupante em si, mas nele acreditava-se no que ele acredita. Por baixo do telhado ia preenchendo os espaços, úteis por função e utilidade. Ele sempre juntou essas duas características. Sabia que a função da cultura era tanto de ser útil, como gratuita. E assim se deslocava, como se nada tivesse sido. Um rasto de luz”. Também ali estas palavras ecoam.

Raquel Santos, responsável pela gestão da livraria, e Joana Pinho, filha de José Pinho, administradora da empresa que gere a Casa do Comum e a Ler Devagar

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

“Quando alguém lhe dizia para abrandar ou se acalmar nos muitos projetos que queria fazer, o José dizia ‘eu só paro seis meses depois de morrer’ e é por isso que aqui estamos agora, prontos para abrir”, salienta. Simbolicamente, explica Joana Pinho, esta é uma concretização de sonho, que dá finalmente descanso ao seu legado, que ali continuará a ser transmitido. Neste contexto, a Casa do Comum será também um projeto de forte componente social, ligado às escolas e centros de dia que existem no bairro. Por outro lado, realçam os seus criadores, estará sempre aberto aos artistas que procuram lugar para a experimentação, um espaço de discussões e ideias, que assume o caráter político de ser ao mesmo tempo lugar de criação, de preguiça, de encontro e de celebração.

E agora, José?

No acordo feito com a Santa Casa da Misericórdia, o espaço está cedido para os próximos 25 anos. Tempo mais do que suficiente para alinhavar a importância da livraria que será, obviamente, nevrálgica no funcionamento da Casa do Comum. Raquel Santos, uma das responsáveis pela livraria, explica que a mesma será focada nas ciências sociais, nas editoras independentes e edições de artista. “Terá um catálogo maior no que toca à filosofia, estudos de género e prima por ter também os catálogos das principais editoras independentes, muitas delas com pequena distribuição”, sintetiza. Desta forma, a livraria quer ligar-se ao centro e às suas atividades que se estendem para lá das suas paredes, na formação de uma comunidade de leitores e como espaço de diálogo e de cruzamento com outras áreas do pensamento.

"O edifício estava cedido aos trabalhadores da Imprensa Nacional como uma espécie de sociedade recreativa. Quando o José soube que essa cedência iria terminar, começou logo a fazer contactos"

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Passando por um pequeno corredor no mesmo piso, entramos depois no Museu da Preguiça. “Esta é uma especificidade que remonta diretamente ao José Pinho”, explica Raquel Santos. Entre camas e poltronas que podem ser utilizadas para a leitura ou para um simples momento de repouso, a sala vai conter uma coleção privada de literatura erótica de José Pinho, bem como a coleção de Roger Claustre, outro dos fundadores da Ler Devagar. E há de tudo: Marquês de Sade, Klossowski, Alexandrian, Miller ou Ramón Gómez de la Serna, mas também edições do escritor português Vilhena, revistas especializadas no tema e catálogos artísticos. Sem tabus, estes livros são para requisitar e consultar, e o espaço para ser servido da devida calma que a leitura requer. “O José sempre sonhou ter uma livraria com camas, mas nunca tinha sido possível. Será aqui que esse desígnio ganha forma”, acrescenta Raquel.

Entre as muitas edições raras por descobrir, os catálogos de pequenas editoras e a restante programação deste centro cultural, a Ler Devagar volta, alguma forma, ao seu bairro de adoção. Será, como diz o nome, uma Casa do Comum. No meio da sala onde irá funcionar a livraria, vê-se um quadro com uma foto de José Pinho e um poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado José, onde se lê: “E agora, José?/ A festa acabou/ A luz apagou/ O povo sumiu/ A noite esfriou (…) Você marcha, José!/ José, para onde?”. Seguimos a interrogação para vislumbrarmos melhor o caminho que foi, afinal de contas, trilhado por José Pinho, condecorado ainda este ano com o grau de comendador da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. Neste caso, é mais do que a sua memória que aqui se guarda. Esta casa quer trazer outra vida ao bairro, mas ser também um lugar de encontro para todos. E foi do telhado que se fez abrigo para as ideias que irão, certamente, motivar o seu futuro.

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