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"As casas que começam pelo telhado deixam raízes": homenagens a José Pinho marcam terceiro dia do Folio

Este artigo tem mais de 1 ano

Exposição de ilustrações em memória de José Pinho, conversas sobre o legado do livreiro fundador do festival e a apresentação de uma série com a sua participação marcaram o dia em Óbidos.

"Começar a casa pelo telhado" foi o título de uma conversa onde se recordaram histórias de vida de José Pinho
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"Começar a casa pelo telhado" foi o título de uma conversa onde se recordaram histórias de vida de José Pinho

"Começar a casa pelo telhado" foi o título de uma conversa onde se recordaram histórias de vida de José Pinho

Entre copos de vinho, histórias e risos — foi desta forma que no Folio se lembrou a influência de José Pinho. O livreiro e criador do festival literário está presente um pouco por todo o evento este ano e este sábado assistiram-se a dois dos principais momentos de homenagem: a mesa “Começar a casa pelo telhado”, em que figuras como Sérgio Godinho, Jorge Silva e Luís Afonso recordaram várias histórias de vida do fundador da Ler Devagar, à qual se seguiu a inauguração PIM! — Para Imaginar o Mundo, tradição anual do festival e que este ano se concentrou, precisamente na figura de Pinho, com ilustrações alusivas à sua vida e obra numa mostra intitulada O Risco de Ler Devagar.

Ao todo, são 69 as ilustrações (uma por cada ano de vida do fundador do Folio) que compõem a exposição, todas elas girando em torno dos livros, da literatura e das livrarias. “Os nossos maiores parceiros continuam a ser, sem sombra de dúvida, todos os ilustradores, mesmo aqueles que querem participar mas não podem”, sublinhou Mafalda Milhões, responsável pela curadoria da Folio Ilustra. A sessão de inauguração da exposição, na Galeria NovaOgiva, serviu ainda para entregar o Prémio Nacional de Ilustração à artista Inês Viegas Oliveira.

Com curadoria de Mafalda Milhões, exposição ilustrada PIM! — Para Imaginar o Mundo escolheu este ano como tema "O risco de Ler Devagar"

MARIYA SHUPENYA ricardomarypictu

Antes da abertura da exposição, a mesa do Folio Mais, na Casa Abysmo,  recordou algumas histórias da vida de Pinho. “Ninguém vai chorar hoje. O José Pinho era uma pessoa de sorrisos”, alertou logo à partida a jornalista Ana Sousa Dias, que moderou a conversa. Numa tarde onde também foi lembrada a figura de João Paulo Cotrim, escritor e fundador da editora Abysmo (que morreu em 2021 e foi homenageado pelo Folio em 2022), Sérgio Godinho — a quem a expressão que deu o nome à conversa foi atribuída — recuperou o texto que escreveu por ocasião da morte de Pinho. “Era alguém que nos instigava a continuar”, referiu o músico.

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“As casas que começam pelo telhado dão raízes; é preciso ter os pés assentes na terra, mas, às vezes, é preciso haver alguém que os tenha nas nuvens” disse Luís Afonso, cartoonista, livreiro, sócio e amigo de José Pinho, com quem fundou, em Serpa, a livraria Vemos, Ouvimos e Lemos, entretanto encerrada.

A conversa recuperou ainda a história do próprio Folio e de como este teve origem num acaso. “A Mafalda Milhões foi a um festival de ilustração em Bolonha com o Telmo Faria, então Presidente da Câmara de Óbidos. E encontraram o José Pinho no aeroporto”, começou por explicar Ana Sousa Dias. “A Mafalda apresentou-os e explicou ao José que Óbidos tinha muitas potencialidades. Aquilo começa a crescer, uma semana depois o José Pinho vem cá, o Telmo pergunta-lhe se era possível fazer uma livraria, e ele responde: ‘Uma livraria? Não. Vão ser mesmo sete livrarias e três festivais literários’” concluiu — acrescentando que de sete livrarias, passaram a existir onze.

O ímpeto de trabalho e a vontade de lhe dar continuidade mencionados por Godinho foram também assumidos por algumas das pessoas que trabalharam mais de perto com José Pinho. “O José costumava dizer que ‘a sorte dá muito trabalho’. Trabalhava mesmo muito, investia tudo o que tinha naquilo em que acreditava” frisou Raquel Santos, da Ler Devagar, numa conversa com o Observador onde também esteve Joana Pinho, filha do livreiro. “Quando as pessoas lhe diziam para ter calma e descansar, ele respondia : ‘Só paro seis meses depois de morrer’”, lembrou a agora diretora das livrarias criadas por Pinho.

Esta ideia informou, em parte, a data escolhida para a inauguração do Centro Cultural do Bairro Alto (CCBA), no próximo dia 1 de novembro, próximo da data em que se assinalam seis meses da morte de José Pinho. O espaço multidisciplinar incluirá um cinema, uma biblioteca, uma livraria Ler Devagar e um bar com espaço de dança. O CCBA foi um dos últimos grandes projetos ao qual o livreiro se dedicou em vida, fruto de uma vontade de regressar ao Bairro Alto, morada original da Ler Devagar antes da ida para a LX Factory, segundo contou Joana Pinho. “Mais do que lembrar o José Pinho, é usufruir do projeto que ele iniciou e que vamos continuar. Ele não está cá, mas está o projeto, e vamos pegar nele e concretizá-lo. Não se trata de estar sempre a lembrá-lo, mas sim de continuar a história”, disse.

Capicua apresentou em Óbidos o seu novo livro infantil, "Cor de Margarida"

Também durante a tarde teve lugar a sessão de apresentação de Cor de Margarida, novo livro infantil de Capicua, editado pela Nuvem de Letras e com ilustrações de Matilde Horta. A sessão juntou dezenas de pessoas na Livraria do Mercado — Casa Penguin Random House, grupo editorial responsável pela edição do projeto.

O percurso do livro, explicou, começou de forma quase inesperada. “Estava a tentar adormecer o meu filho e, naquela noite, em vez de se contentar com os livros que temos na estante, resolveu pedir para inventar uma história da minha cabeça. (…) Inventei uma história que começava com essa premissa, de uma margarida que estava muito triste, que se achava muito simplória e queria ser cor-de-rosa” disse a rapper e escritora, que anteriormente já tinha publicado o livro Aquário (Companhia das Letras). “De cada vez que voltava a contar a história (porque as crianças, quando gostam de uma história, querem ouvi-la várias vezes), ia acrescentando um diálogo novo, elaborando os detalhes. Depois de ele próprio já ter perdido interesse na história, resolvi passá-la para o computador, enviei-a à editora, que me propôs fazer um livro ilustrado“.

À noite, mais eventos, e mais homenagens a José Pinho. Jorge Carrión, autor de Livrarias e da recém-publicada coleção de ensaios Contra a Amazon, que ao final da manhã esteve à conversa com Isabel Lucas precisamente sobre o tema das livrarias, apresentou na Galeria NovaOgiva o primeiro episódio de Booklovers, um documentário em quatro partes produzido pelo próprio e descrito como “uma série sobre o amor aos livros através das bibliotecas e das livrarias”, que lança uma visão global sobre algumas cidades importantes no panorama literário e livreiro mundial.

Carrión esteve em Lisboa e trabalhou com José Pinho para a série durante os últimos meses de vida do divulgador cultural. “É muito estranho, não estive no funeral, mas estive com ele todos os dias durante três meses”, confessou o escritor espanhol após o visionamento do primeiro episódio da série, que incide sobre Lisboa e, em parte, centra-se na Ler Devagar e em Pinho — uma figura que o espanhol considerou incontornável para o seu percurso no mercado português. “Foi a primeira pessoa que me quis traduzir para português. Tinham só passado umas semanas do lançamento do Livrarias em Espanha, e já um amigo seu lhe tinha falado que a Ler Devagar estava no livro e queria publicá-lo, não importava a editora”, disse.

Jorge Carrión apresentou Booklovers, série documental sobre a importância das livrarias, que contou com a participação de José Pinho

Este sábado passaram ainda por Óbidos nomes grandes da literatura internacional como Hervé Le Tellier e Julia Navarro, que durante a tarde conversaram acerca das “utopias” da sociedade, tema que também tocou na importância do jornalismo na criação literária. “O jornalismo deu-me ferramentas para escrever os meus romances. Nós, os jornalistas, temos a possibilidade viver muitas vidas, que são as vidas das pessoas que vamos conhecendo e encontrando pelo caminho” refletiu a autora espanhola, que durante vários anos foi jornalista política no seu país natal. Le Tellier, por seu turno, revelou que, para 2024, tem previsto publicar nada menos do que quatro livros.

À noite, a Tenda Vila Literária encheu-se para uma conversa conduzida por Pedro Mexia com Terry Eagleton, filósofo e crítico literário, que discorreu acerca da importância do pensamento crítico na sociedade contemporânea. “É sempre bom elogiarmos os anfitriões, caso nos comecem a atirar com coisas” disse o britânico no início de uma bem humorada conversa que incluiu reflexões sobre o papel do pensamento crítico em algumas das principais democracias ocidentais, como os EUA, descritos por Eagleton como o mais fértil território para a teoria crítica. “É até estranho, porque os EUA são uma cultura muito afirmativa, não são nada críticos. (…) Já estou a ser anti-americano à primeira pergunta. Não o consigo evitar, já consultei médicos e psiquiátricos, não há saída”, disse.

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