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“Ahhhh!!!”
Ouve-se um grito vindo da cozinha aberta do restaurante 100 Maneiras, em Lisboa, e logo de seguida um prato explode no chão. Toda a gente começa a gritar. Numa das paredes desta casa, uma televisão estava sintonizada na transmissão da cerimónia da Gala das Estrela Michelin onde se acabava de anunciar a atribuição da primeira estrela Michelin para um projeto do chef Ljubomir Stanisic. Tudo aconteceu no passado dia 14 de dezembro e o Observador teve oportunidade de assistir às reações in loco, num dia de normal funcionamento do restaurante, com os clientes (poucos) a entreolharem-se, sorrindo.
Ljubomir dispensa descrições: se antes de 2020 todo o país já o conhecia como o cozinheiro rebelde que não se inibe de dizer palavrões em público, os tempos de pandemia catapultaram-no para um patamar mediático diferente, mais interventivo na esfera político-social do país. Uma faceta ligeiramente diferente foi surgindo à conta disso mas naquela noite, por uns segundos, Ljubo, como muitos lhe chamam, deixou de ser Ljubo. De ar incrédulo, com os olhos a lacrimejar e levando as mãos à cabeça segundo sim, segundo sim, parecia ter ficado sem palavras… Até que soltou um sonoro “f****!” e a partir daí regressou o Stanisic dos reality shows e das polémicas.
Da greve de fome à estrela Michelin: o ano louco de Ljubomir Stanisic
Ao longo da noite o chef foi alternando entre o seu trabalho na cozinha, brindes de celebração e entrevistas. Na maior mesa do restaurante — a que melhor permitia o distanciamento social exigido — estavam a sua mulher e os dois filhos; as companheiras de Manuel Maldonado e Miguel Santos (os seus braços direitos); e o ilustrador e tatuador Hugo Makarov, amigo de longa data de Ljubomir, que mais tarde acabou mesmo por tatuar uma pequena caveira na mão do chef, ali em pleno restaurante.
Os tempos de pandemia exigem celebrações mais contidas e, surpreendentemente para quem tem fama de rock star, foi assim que estas decorreram. Mesmo assim isso não travou os muitos brindes, daí que só no dia seguinte tenha sido possível falar melhor com o chef, que nos últimos meses se tornou um dos principais rostos da luta por apoios aos setores da restauração e hotelaria; fez uma greve de fome para reivindicar um encontro com o primeiro-ministro e/ou o ministro das Finanças; encabeçou manifestações em todo o país e agora, recentemente, viu-se envolvido num processo onde é acusado de corrupção.
Foi sobre tudo isso que se falou ao longo de quase uma hora e meia. Houve ainda tempo de perceber o porquê de o chef achar que a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) “é mais um conjunto de tachos”, de defender que a abolição de serviço militar obrigatório dificulta a existência de união no país e de esclarecer a suposta comparação de António Costa com o ditador Slobodan Milosevic.
Este 2020 teve pandemia, crise, manifestações, processos, a mudança de estação de televisão… Foi um dos anos mais complexos da sua vida?
Não, não acho que tenha sido o mais complexo. Acho que foi o mais estranho, isso sim. Cheio de coisas desconhecidas como a pandemia, por exemplo. A mudança de trabalho, ter ido da TVI para a SIC, isso foi uma coisa boa, super positiva. Foi um ano difícil, um ano de merda, muito estranho porque, como costumo dizer, quando não conheces o inimigo, não sabes onde lhe dar um tiro. É um ano muito confuso…
Como acha que a longo prazo, daqui a uns anos, vamos olhar para trás e ver este ano?
Da mesma forma como olhamos hoje para o ano das bombas em Hiroshima e Nagasaki, para o ano de Chernobyl. É como uma espécie de catástrofe nuclear que matou muita gente. Esta pandemia afetou muitas vidas injustamente.
Qual foi a primeira coisa que lhe passou pela cabeça quando os representantes do Guia Michelin, na cerimónia transmitida a partir de Madrid, disseram “100 Maneiras”, ao anunciar os vencedores do ano?
Nem me lembro, pá! Parecia um cowboy, só queria ter duas pistolas para começar a dar tiros para o ar. Foi um momento eufórico, muito bonito, porque (sinceramente), não estava nada à espera. Foi um ano muito pesado e nós, apesar de trabalharmos sempre para esse patamar, nunca pensámos que pudesse ser este ano — até porque o Guia está-se sempre um bocado a lixar para nós.
Ljubo quase parecia mais nervoso depois do anunciar da estrela do que antes. Sempre que passava pelas zonas comuns do restaurante, de jaleca em forma de camisa branca, avental e máscara preta com caveiras, ia de passo acelerado. O exterior do restaurante era onde acabava por ir parar mais vezes, para fumar cigarro atrás de cigarro (sempre de enrolar). “F…, olha para isto, estou todo a tremer das mãos ainda!”, comenta. Os seus braços direitos, Maldonado e Miguel Santos, estavam com o mesmo nível de excitação. “Eu até tinha deixado de fumar, mas pronto”, comenta Santos enquanto acende um Marlboro.
Uma coisa que chegou a dizer em várias entrevistas é que procurava não ligar às estrelas — até disse que se estava a “cagar” para elas. Isso mudou agora?
Acho que a minha posição em relação a isso vai mudar. Quando trabalhei em Cascais [o primeiro 100 Maneiras, que acabou por falir no seguimento da crise de 2008] tinha a ambição de ter uma estrela. Cheguei a ter um Bib Gourmand e no ano em que abri falência — talvez o meu melhor até à altura — achei mesmo que ia ganhar. Isso afetou-me muito e decidi que a partir dali nunca mais ia querer saber de estrelas, estava a cagar-me para elas. O que eu queria era ter clientes, deixá-los satisfeitos, trabalhar e pagar o negócio.
Chegou a dizer que parte da justificação da falência foi precisamente o investimento que fez para tentar garantir a estrela…
Não foi a principal causa, definitivamente, mas tive ali uma panca. É preciso ter um pouco de humildade: qualquer chef com que fales vai dizer-te que pelo menos uma vez na vida teve esse sonho, de ganhar uma estrela. É preciso gastar muito dinheirinho num bom copo, num bom serviço, no guardanapo de bom algodão, etc… Eu fui um desses sonhadores. Acho que ir mudando com o tempo é sinal de inteligência e eu fiz isso, neste caso, e comecei a cagar-me para as estrelas. Hoje, depois de receber uma, obviamente que fico muito feliz. Nunca tive nada contra as estrelas, só não lhes ligava nenhuma, que é diferente. Não estava obcecado, diariamente a pensar “temos de ganhar! temos de ganhar!” É muito importante para mim, já agora, destacar o Miguel Santos [Diretor de Operações] e Manuel Maldonado [Chef Executivo do 100 Maneiras], que são os dois pilares do restaurante. Sem eles isto não era possível.
Mesmo não querendo dar importância à estrela, quem trabalha a um nível como o vosso está sempre “em risco” de vencer uma. É difícil afastar essa ideia da cabeça?
Muito sinceramente: não, não estava nem aí. Agora os meus funcionários acredito que pensassem nisso. Sempre que se chega a esta altura do Outono/Inverno, a conversa sobre as estrelas está em todo o lado. Este ano, a vitória caiu que nem ginjas! Com toda a luta que fiz, com toda a desgraça que passámos… Soube-me ainda melhor.
Este ano voltou a haver uma grande discrepância na distribuição de estrelas entre Portugal e Espanha, com os espanhóis a terem muito mais do que os portugueses, como tem vindo a ser habitual. No meio voltou a ouvir-se críticas à forma de atuação do guia. Acha que Portugal tem razões de queixa?
Eu pessoalmente não tenho nada a apontar: para ser sincero, toda a gente sabe quando vêm inspetores, quais são os nomes deles, que reservas fizeram, etc. Se o pessoal não acha justo, unam-se enquanto setor, sejam uns homenzinhos e escrevam-lhes uma carta a expor o seu descontentamento. Enviem isso para eles ou para a comunicação social. Se há essa opinião, sejam homenzinhos. Eu não a tenho. Espanha tem o seu mérito. Há 25 anos, quando lá fui pela primeira vez, comia um pão de merda, comida terrível! A dada altura eles aperceberam-se que a gastronomia trazia muito turismo, começaram a olhar as coisas de outra maneira e tornaram-se, com o tempo, em verdadeiras máquinas. Acho que isto das comparações quase que é mais dor de cotovelo que outra coisa: eles trabalham super bem, protegem o produto espanhol como ninguém… Mas voltando à tua pergunta: se há qualquer ideia de que isto é injusto ou não está bem, então sejam homenzinhos! Se achasse que era injusto já os tinha insultado mil vezes. Isso é conversa de corredores, não vejo nenhuma pessoa a levantar-se e a dizer orgulhosamente “esta merda está incorreta!”. Ninguém disse nada: há um gajo no corredor que diz uma coisa, outro que diz outra coisa, mas nada mais que isso.
Uma parte importante do seu ano, para lá da estrela, foi o protesto à frente da Assembleia da República em que o Ljubomir e outros empresários dos setores da noite, da hotelaria e da restauração fizeram greve de fome para serem ouvidos ou por António Costa ou por Siza Vieira. Durante esses dias alguma vez pensou em desistir?
Nem uma vez, mas ao terceiro dia tive a plena noção de que era um grande estúpido.
Porquê?
Porque sim… Porque embarquei numa coisa sobra a qual devia ter pensado ainda mais. Não me arrependo de absolutamente nada e nunca me arrependerei, mesmo assim, sei que foram decisões tomadas de cabeça quente. Ao terceiro dia percebi que estava a rebentar com a minha saúde, a ser estúpido, para conseguir falar com quem manda. Essa luta foi sempre pelos direitos humanos, pelos meus colegas de setor — para eles mais do que para mim. Comecei a preocupar-me que isso fosse afetar seriamente a minha saúde. Nós estivemos lá todos plenamente convictos de que íamos continuar, mesmo assim, nos últimos dias, já estávamos no limite. Mesmo quando fui para o hospital não descansei até conseguir fugir de lá.
Durante esse protesto foram visitados várias vezes por representantes de partidos. Sente que houve quem se tivesse tentado aproveitar politicamente da vossa manifestação?
Houve claramente, não vale a pena fazermo-nos de parvos. Agora, aquilo que pretendiam, isso já não sei. Isto é algo que me irrita muito. A política é uma prostituta, pende sempre para o sítio onde está o dinheiro, os interesses ou os votos. Mas eu não gosto nada de política… Acho que tenho jeito, sinceramente, mas não gosto nada dos seus meandros. As minhas lutas são outras…. Um gajo devia era estar no canto da sua cozinha ou da sua horta, a caçar, e ficar calado. Contudo, violações de direitos humanos afetam-me, não consigo calar-me e não lutar contra um político, um trator, um tanque, seja o que for. É uma grande estupidez, eu sei, mas pelos Direitos Humanos um gajo tem de fazer tudo.
Uma das coisas que gerou alguma polémica, durante o vosso protesto, foi a suposta comparação que fez entre o primeiro-ministro António Costa e o ditador Slobodan Milosevic. Que paralelismo encontrou entre os dois?
Acho que isso foi um aproveitamento total, mau jornalismo. Comparar o António Costa com o Milosevic é, no fundo, comparar um elefante com um rato. António Costa tem um cargo democrático e o outro é um ditador filho da puta, acho que isso é uma grande diferença. Em segundo lugar: eu odiava o Milosevic e era conhecido simpatizante do António Costa (até votei nele). O António Costa era alguém por quem tinha muito respeito mas que agora perdeu muito. Mas isso são outros quinhentos: ele era meu cliente. Não quero é viver outra vez da mesma forma como vivi com o Slobodan Milosevic — e esta merda está a caminhar para o mesmo sítio. Foi isso que disse e volto a repeti-lo. Num país tão pequeno não podes falar com um político? Ainda por cima quando é alguém que foi eleito pelas pessoas! Até ontem era tudo porreiro, éramos clientes, íamos ao restaurante e até conhecíamos as mulheres uns dos outros. Agora, porque dava uma opinião mais política, passava a estar contra. Não pode ser, não pode haver filhos e enteados.
O menu servido na mesa gigante do restaurante, onde estavam amigos e família, foi o mais completo da carta. Ao longo de várias horas foram desfilando pratos como o tipicamente bósnio ajvar (pasta de pimento e especiarias), queijo kajmak ou stelja (fumeiro típico, neste caso de javali). “Posso servir um pouco mais?”, perguntam várias vezes os empregados de mesa antes de servirem o champanhe que a ocasião justificava. O “sim, por favor”, foi sempre a resposta mais popular. Comeu-se ainda pão “da mãe Rosa”, receita da progenitora do chef (que não esteve presente); uma espécie de “tacos” de cabeça de porco assada; um burek (folhado bósnio) com molho de sapateira; um prato de pescada com algas em várias texturas e muito, muito mais.
Chegou a falar com o primeiro-ministro?
Não. Mas ainda vamos falar.
Em que ponto estão as negociações do movimento “Sobreviver a Pão e Água” com o Governo?
Acho que tudo isto foi uma grande turbulência. O movimento “Sobreviver a Pão e Água” representou sempre uma luta pelos direitos humanos. A luta pelos setores da restauração, discotecas, bares e pequenas PMEs. Eu não percebo nada do negócio da noite, rigorosamente nada, mas percebi que estavam a passar mal, daí termo-nos unido todos para conseguir dar alguma força ao movimento. Força para se conseguir passar a mensagem de que ou trabalhamos ou não trabalhamos e recebemos apoios para isso.
O que fez surgir o dito movimento?
Quando o governo começou a dizer que deu isto e apoiou aquilo e nós estávamos todos a falir, foi lixado. Eu não gosto de injustiça, outras pessoas que se juntaram também não e o ministro Siza Vieira não podia vir para a televisão dizer que tinha apoiado isto e aquilo quando não era bem assim. Por exemplo, um apoio dado pelo Estado de 50 mil euros não é, realmente, esse valor, isto porque a ele seria retirado os 20% de taxas. Era preciso explicar as coisas com transparência e honestidade. Muito bem que querem ajudar mas não me digas que me deste uma casa quando depois acabo por ficar é com uma tenda na mão! Não dá para dar tangas, não dá para mentir. Se é para deixar morrer setores, então que o digam, não é dizer de que se quer ajudar sem nunca deixar de cobrar taxas, por exemplo. Estavam a gozar com os nossos direitos e o movimento nasceu por causa disso.
Muita gente do setor acabou por olhar para vocês como seus representantes numa altura em que as associações que o deviam ser, segundo muitos colegas seus, não o estavam a fazer de forma eficiente. Como foi lidar com essa responsabilidade?
Foi muito complicado… Então não?! A primeira coisa que quis fazer foi unir norte e sul. Peguei no carro e fui para o Porto dar apoio a uma manifestação do setor. Voltei para Lisboa e na primeira noite fui ao Jornal da Noite e dei a minha opinião sobre a situação. Foi a partir daí que tudo começou a ganhar força. Como tive muitos anos na guerra comecei logo a pensar na logística. A estratégia é a principal maneira de chegares ao que queres por isso percebi que era preciso haver uma outra manifestação em Lisboa e outra a sul, em Faro. Assim unia-se todo o país numa mesma luta. Foi o que aconteceu, mas depois começou a descambar um pouco porque isto de tentar unir norte e sul… Ou sou eu que sou muito estúpido ou eles são todos muito teimosos…
Então?
Em qualquer luta, a união é importantíssima! Isto não é Lisboa, Porto ou Faro, é Portugal inteiro! Olhava para isto com muita ambição, ainda olho da mesma forma, mas acho que ficou tudo mais lento porque falta união em Portugal. A ideia era estarmos juntos e lutar em conjunto mas depois fui percebendo melhor que esta malta para se unir é uma seca. Há sempre aquela conversa do “a minha é maior que a tua”… Não percebo… Isto não pode ser uma coisa pessoal, quando é e levas as coisas demasiado a peito, qualquer luta começa a perder o juízo. Neste país há muita falta de união, apercebi-me ainda mais disso depois da greve de fome e, pessoalmente, acho que isto é assim porque já não há tropa obrigatória há mais de 20 anos. As pessoas não percebem que não se podem deixar soldados para trás.
Apesar do simbolismo do dia, os clientes que foram parar ao 100 Maneiras na noite em que ele venceu a estrela Michelin muito provavelmente não faziam ideia do que tinha acontecido. Mas um deles, pelo menos, sabia muito bem: “Queria só aproveitar para lhe desejar os parabéns, chef”, comentou um homem que celebrava nesse dia o seu 40º aniversário. Estava a sair da casa de banho quando se cruzou com Stanisic pelo caminho. “A minha família tem ligações à restauração e queria também que soubesse que todos valorizamos muito aquilo que fez e faz pelo setor”, atirou ainda. Emocionado, Ljubo agradeceu.
Falava das manifestações em que participou por todo o país. Na de Lisboa, como foi extensamente noticiado, jornalistas do Observador foram alvo de uma tentativa de agressão por parte de pessoas que estavam na praça do Rossio enquanto o Ljubomir e outros membros do movimento “Sobreviver a Pão e Água” discursavam. O que aconteceu?
Foi uma grande confusão que nunca devia ter acontecido e nunca pode acontecer. Foi uma intervenção demasiado precipitada e com demasiado sangue na guelra, como se costuma dizer. Quando estás com o coração a mil, ali na luta, às vezes ages de cabeça quente — ainda por cima a extrema direita acabou por se infiltrar na multidão.
Também se comentou a presença de outros “movimentos”, não afiliados oficialmente aos vossos, nessa manifestação.
Obviamente que havia pessoas infiltradas na manifestação, pessoas que ninguém queria lá. A dada altura um grupo começou a correr em direção aos jornalistas. Isto não faz sentido nenhum porque quando tu fazes uma manifestação o jornalista é o teu melhor amigo! Sem ele não chegas a lado nenhum e à conta dessa estupidez de reação estivemos quase a virar o bico ao prego. A minha sorte é que conheci o comandante Domingos Antunes, com quem tenho excelente relação, e ele estava sempre a ajudar-nos e ajudou os jornalistas. Eu peguei logo no microfone e gritei para que os ajudasse. A nossa sorte foi que tínhamos lá o Gonçalo Salgado, que tem uma empresa de segurança (é segurança do Ronaldo), que é meu amigo há 15 anos e ele tinha lá a sua equipa que acabou também por proteger os jornalistas (mesmo antes da polícia lá chegar). Felizmente a coisa acabou por ficar controlada, mas podia ter dado merda da grossa. Os media devem escrever o que quiserem, o que interessa, desde que tenha qualidade. Cometeu-se um erro, sem dúvida, e ainda hoje peço desculpa por isso. Ainda por cima eu durmo (e muito bem) há 12 anos com uma jornalista. Nunca na vida desejaria mal à classe.
A luta ficou por aqui?
Não pode ficar por aqui! O movimento não pode nem deve parar. Eu tive uma ideia estúpida com o José Gouveia de deixar estes gajos [Governo] tomarem decisões. Já conseguimos alguns direitos, tivemos alguns resultados… Estamos a tentar mudar coisas que estão enferrujadas há 30 anos! Está na altura de mudar algumas coisas e é preciso perceber-se isso. Até agora quem nos representou foi a AHRESP ou a PROVAR, lá em cima no Norte — estes últimos então, não se calam, fazem um trabalho espetacular. Aqui a Sul não consegues agendar uma reunião com a AHRESP… Eles por acaso ligaram ao Governo a dizer que tinham nove associados a fazer greve de fome para falar com o Governo? Exigiram lhes que tivéssemos uma reunião? Por muito que sejamos um movimento, somos sócios deles, pagamos quotas há 20 anos. Que fizeram eles? Nada. Pessoalmente não tenho nada contra a AHRESP mas acho que não fazem o trabalho que deviam! É mais um conjunto de tachos.
A AHRESP foi muito criticada durante os primeiros tempos da pandemia (e não só) por vários associados, que os acusavam de não estar a salvaguardar os interesses do setor…
Sim! É preciso sangue novo, é preciso uma nova direção, é preciso malta que apoie as pessoas e não apenas quem se vanglorie muito sem fazer nada de especial. Dizem-nos que marcaram reunião com o secretário de Estado não sei das quantas, que vão debater os nossos direitos mas depois… Depois estão-se a cagar! Mandam-nos areia para os olhos e isso enjoa-me. Olhem para o trabalho da PROVAR que são um bom exemplo de quem defende o setor. Vão para a frente! Deem o peito às balas! Tudo isto também deu força para a criação do movimento. Mas uma coisa também é certa: esta merda nunca vai mudar, é óbvio!
O que lhe dá essa certeza?
Todos dizem que não gostam das atitudes da AHRESP, que estão descontentes, mas não fazem nada para isso mudar. O nosso setor enche os cofres do Estado com dinheiro; nós fizemos milhões de euros de investimento e reinvestimento nos últimos seis anos; é muito por nossa culpa que Portugal recebeu tantos prémios internacionais; é por nossa culpa que o PIB aumentou. Isto é uma grande fatia do bolo nacional e, por isso mesmo, tem de ser bem defendido! Estamos a jogar na Champions com um treinador da Liga Inatel. Se eu acho que é fundamental o país mudar e termos alguém que verdadeiramente nos represente e defenda, deve haver mudanças na AHRESP, não é preciso criar uma associação nova. É preciso haver pessoas que se cheguem à frente para querer assumir essa mudança e ter os associados a escolher quem os deve representar. Porque é que um chef de cozinha não pode ser presidente da AHRESP? Porque é que um chefe de sala não pode ser presidente da AHRESP? Talvez devessem ser porque sabem dos problemas que estamos a falar, estão a par da atualidade, sabem como é que o mercado está a funcionar…
Via-se nessa posição?
Sei lá! Nunca na vida pensei nisso. Não é a minha cena. Eu sou muito melhor soldado que general.
Ao longo da noite muita gente foi passando pelo “100”, como quem lá trabalha lhe chama, para dar os parabéns a Stanisic pela sua conquista. “Pessoal, este grande senhor é o Pedro Cardoso, dos Solar dos Presuntos. Considerem-se apresentados”, exclama Ljubo a meio da refeição, numa das poucas vezes em que ficou mais tempo à volta da sua mesa. Depois de parabenizar o chef e de fumar um cigarro pedido gentilmente (“desculpe estar a pedir-lhe”), Pedro despede-se. Pouco depois surge a equipa do outro restaurante de Ljubo, o Bistro 100 Maneiras. Encontram o chef à porta e dizem que nem é preciso entrar, só querem uma foto e dar os parabéns. Assim foi. António Maçanita, enólogo e grande amigo de Ljubomir, foi a visita que se seguiu — todas sempre em modo ‘toca e foge’.
É inevitável falar da acusação criminal que enfrenta sobre a alegada tentativa de corromper um polícia em troca de livre passagem entre concelhos em pleno Estado de Emergência. Em que ponto está esse processo?
Não quero falar sobre este assunto porque os meus advogados não me permitem. Agora, uma coisa que sei é que posso passar licenças desde o início da pandemia porque sou empresário, por isso não estou a perceber o problema. Corrupção? Uma garrafa de rum? Isto é tão cómico que até dá vontade de rir.
Depois desta acusação se tornar pública começou a falar-se — vozes nas redes sociais, cronistas, comentadores — sobre o facto de tudo isto surgir numa altura em que o Ljubomir criticava duramente o Governo sobre a forma negativa como estava a gerir a situação do seu setor. Quase se sugeria que uma coisa só existia por causa da outra. O que acha disso?
“Coincidências”? “Democracia”? “Crime”? Esta é a minha resposta.
Neste momento ainda é um pouco incerto falar-se de futuro. Mesmo assim, como é que vê o seu?
Eu sou um gajo de objetivos por isso, depois de ganhar a primeira estrela, tenho de ir para a segunda. É assim que demonstras qualidade… O que mais vai acontecer no futuro? Ou sou preso ou continuo a lutar até morte.