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Da greve de fome à estrela Michelin: o ano louco de Ljubomir Stanisic

Este artigo tem mais de 3 anos

Greve de fome, manifestações, mudanças de estação, acusações do Ministério Público e, agora, a distinção máxima para a sua cozinha. Como o ano de pandemia de Ljubomir culminou numa estrela Michelin.

Ljubomir Stanisic venceu a primeira estrela Michelin esta segunda-feira, 14 de dezembro
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Ljubomir Stanisic venceu a primeira estrela Michelin esta segunda-feira, 14 de dezembro

© Fabrice Demoulin_100 Maneiras

Ljubomir Stanisic venceu a primeira estrela Michelin esta segunda-feira, 14 de dezembro

© Fabrice Demoulin_100 Maneiras

No ano em que trocou a TVI pela SIC, protagonizou uma mediática greve de fome e foi acusado pelo Ministério Público, Ljubomir Stanisic conseguiu o que, muito provavelmente, seria impensável em plena pandemia: venceu a primeira estrela Michelin pelo trabalho feito no restaurante 100 Maneiras, no Bairro Alto, aberto desde 2009 (passou para a porta ao lado no início de 2019).

Se há um ano dizia em entrevista à TVI que tinha os restaurantes cheios — esse e o Bistro 100 Maneiras, também na capital — mesmo sem recurso ao galardão, em 2020 a conversa é necessariamente diferente. Afinal, a pandemia obrigou a restauração a uma ginástica de horários, sem esquecer a temporada em que os estabelecimentos ficaram de portas fechadas. Não tem sido um período fácil para o setor, fine dining incluído, pelo que esta consagração pode vir a fazer a diferença nas contas, mesmo que essa não seja prioritária há alguns anos. Stanisic já antes disse publicamente que não anda atrás da estrela — ainda que esta tenha encontrado o caminho até si — e que esse não é o seu foco. “Se um dia receber, ainda bem. (…) Estou-me a cagar para isso, muito sinceramente. Tenho a minha vida tão bem resolvida”, chegou a afirmar.

Cabeças de vaca e Mandela no WC. Ljubomir Stanisic reinventa-se mas continua 100 Maneiras

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Noutra vida, talvez numa não tão bem resolvida, Stanisic trabalhou efetivamente com esse objetivo em mente: alcançar o tão cobiçado galardão. Foi aos comandos da cozinha do 100 Maneiras em Cascais, o primeiro restaurante que abriu com apenas 26 anos, que se dedicou à certificação Michelin. Antes de chegar à meta, chegou à falta de liquidez financeira. “Eu em Cascais estava sem cliente nenhum, em 2010, ia receber a estrela Michelin e fui à falência. Porque investi todo o dinheiro na altura da maior crise na merda dos copos de cristal, na merdas das toalhas de mesa passadas com goma. Continuava a cozinhar igual e não fui distinguido antes”, admitiu à TVI.

Foi a partir daí que inverteu a preocupação: o cliente primeiro, a estrela depois. “Tu não trabalhas para a estrela, trabalhas para o teu cliente, para lhe dar prazer”, comentou em 2017 à Time Out Lisboa. “Quem paga contas é o cliente, caralho. Se a estrela vier ou não vier é uma coisa que tem de acontecer sozinha.” E aconteceu, num ano e conjuntura atípicos.

O restaurante 100 Maneiras abriu as portas em 2009, em Lisboa

Fabrice Demoulins

A mudança de “casa” e a greve de fome

Frontal, sem papas na língua e com uma ausência por vezes escandalosa de filtros, o cozinheiro com o difícil nome de pronunciar ganhou em anos recentes o estatuto de celebridade. O programa “Pesadelo na Cozinha”, inspirado no formato original “Ramsay’s Kitchen Nightmares” e cujas três temporadas de sucesso foram transmitidas na TVI, contribuíram para o mediatismo (a estreia em televisão aconteceu, porém em 2011 enquanto jurado no primeiro Masterchef Portugal, transmitido pela RTP1). Tanto que, em ano de pandemia, a proposta da concorrente SIC falou mais alto. Em meados de agosto era notícia que o cozinheiro — prefere este termo a “chef” — era o mais recente reforço da estação de Paço d’Arcos, onde agora passa a integrar um conjunto de novos projetos transversais ao Grupo Impresa, com “expressão máxima” na SIC generalista mas também nos diferentes canais do grupo.

Curiosamente, a transação acontece num ano em que Stanisic ganhou mais projeção na rua do que no pequeno ecrã. Acabou inclusivamente por se tornar, em novembro último, no principal rosto da manifestação do setor da restauração, que pedia medidas de apoio urgentes ao Governo. Foi ele que, entre outras intervenções, pediu calma às dezenas de manifestantes que avançaram irados na direção da equipa da Rádio Observador, ameaçando com agressões não só estes jornalistas, mas também outros ali presentes. “Malta, se faz favor, calma. O mais importante é manter a calma.”

Não demoraria muito até que o cozinheiro retornasse à rua com o mesmo motivo, embora num registo diferente. Talvez os largos anos de experiência nas cozinhas tenham inspirado a forma de protesto e, durante sete dias, Stanisic e outros empresários ingressaram numa greve de fome estacionada em frente ao Parlamento. O protesto contra as medidas restritivas que têm prejudicado especialmente o setor da restauração foi alimentado apenas a água e chá que foram sendo levados por apoiantes do movimento “Pão e Água”. Os manifestantes, incluindo José Gouveia, presidente da Associação Nacional de Discotecas, e João Sotto-Mayor, empresário da restauração, exigiam falar diretamente com António Costa ou com o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, e chegaram a recusar encontros com secretários de Estado. Foi Fernando Medina, presidente da Câmara Municipal de Lisboa, quem aceitou reunir na qualidade de responsável político da cidade de Lisboa — e não como mediador do conflito entre o grupo e o Governo, tal como confirmado pela CML ao Observador.

Greve de fome. Chef Ljubomir foi levado para o hospital, regressou ao protesto e a “missão kamikaze” vai continuar

A greve de fome altamente mediatizada teve direito a distintos episódios: desde o pedido de desculpas público do cozinheiro a Francisco Rodrigues dos Santos, líder do CDS, por não o conhecer, justificando os atos por conta da privação de alimentos, à admissão de que esteve mal em recusar receber André Ventura, deputado único do Chega. Polémica foi também a alegada comparação entre António Costa e Slobodan Milošević que o cozinheiro fez em entrevista à Sábado, ao dizer: “Isto é o pior fascismo de regra que conheci. Tivemos um filho da puta assim na Jugoslávia há 17 anos, passámos 21 dias de fome e derrubámos o filho da puta do ditador do Milošević. Isto também tem de cair. Isto é surreal”.

Movimento “A Pão e Água”: depois do fim da greve de fome, mais uma reunião com Medina, o mediador

As atenções centraram-se ainda mais em Stanisic quando, ao sexto dia da greve de fome, o cozinheiro sentiu-se mal e foi levado para o hospital. Mais tarde diria à SIC que sofrera uma “quebra completamente normal depois de seis dias de greve de fome, sem ingerir nenhuma grama de açúcar nem nada no organismo”. Na noite anterior, Stanisic caiu, foi assistido pelo INEM e levado para o hospital dados os valores baixos de glicemia e as dores no peito. Sensivelmente duas horas de análises depois, teve alta e voltou à greve de fome para “continuar a luta sem fazer disto um grande drama”. Foram sete dias de greve de fome, sendo que a 11 de dezembro houve mais mais uma reunião entre o movimento e Fernando Medina.

© ljubostanisic/Instagram

O processo do Ministério Público e o passado conturbado

Ainda a greve de fome estava a esfriar quando outra notícia, avançada pelo Correio da Manhã e com Stanisic como protagonista, fez soar os alarmes, com o Ministério Público a acusá-lo de um crime de corrupção ativa e outro de desobediência. Segundo a acusação, Stanisic terá oferecido garrafas de bebidas a um agente da PSP para que este o ajudasse a furar o confinamento obrigatório de forma a passar a Páscoa em Grândola. O cozinheiro, um dos 27 arguidos do processo Dupla Face por ter sido mencionado em escutas feitas a um agente da PSP que é acusado de pertencer a uma rede de tráfico de droga, nega ilegalidades. Em causa estão ainda outros dois pedidos feitos ao agente, tal como consta no despacho de acusação do Ministério Público a que o Observador teve acesso.

As chamadas que levaram o MP a acusar Ljubomir Stanisic de corrupção num processo onde se investigava tráfico de droga

2020 é ainda, para Ljubomir Stanisic, o ano em que estreia um novo serviço de take away e delivery do 100 Maneiras e do Bistro 100 Maneiras, e que lança uma loja online: à Nit dizia no início deste mês que nunca tinha pensado em fazer comida empacotada. A iniciativa está certamente relacionada com as vicissitudes de um ano que não tem sido amigo da restauração, entre outros setores seriamente afetados. Mas o mediático cozinheiro não será um estranho a adversidades, ele que saiu da Jugoslávia com 19 anos, deixando amigos e família para trás — nascido em Sarajevo (capital da Bósnia-Herzegovina) em 1978, vive em Portugal desde 1997.

Segundo a nota biográfica oficial, Stanisic viveu a guerra na Bósnia quando ainda era adolescente e tornou-se cozinheiro por necessidade. Aos 14 anos, agora em Belgrado, empregou-se numa padaria — trabalhava à noite e estudava de dia de forma a sustentar a família (não raras vezes adormecia no autocarro a caminho da escola). “Para fugir às multas que se aplicavam a quem não estudava, ainda na ex-Jugoslávia, Ljubo frequentou Química da Alimentação, Padaria e Pastelaria Fina e Cozinha Internacional”, lê-se ainda. Após a mudança para Portugal apostou noutros cursos, apesar de insistir que a experiência é mesmo o mais importante, essa que é agora premiada com a primeira estrela Michelin.

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