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A Operação Marquês e os negócios (ruinosos) da PT no Brasil

O negócio da compra da Oi pela PT é uma das chaves da Operação Marquês. Estes são os bastidores e os detalhes de uma história que cruza Salgado, Sócrates e aquela que foi a maior empresa portuguesa.

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“O colapso da Portugal Telecom (PT) dá-se, e esta é uma opinião pessoal, devido ao negócio com a Oi/Telemar. Foi muito pior para a PT o investimento na Oi/Telemar do que o contributo [da compra de 900 milhões de euros de dívida] do Grupo Espírito Santo. O tempo encarregar-se-á de me dar razão.”

Ricardo Salgado, julho de 2015

“A defesa intransigente do interesse estratégico foi absolutamente essencial para que a PT pudesse fazer um excelente negócio.”
José Sócrates, 28 de julho de 2010, sobre a venda de 50% da Vivo à Telefónica e sobre a compra por parte da PT de uma participação de 22,38% na Oi/Telemar

O mundo dá muitas voltas. Ricardo Salgado sabe disso por experiência própria. Não só perdeu todo o poder que faziam dele o Dono Disto Tudo, como mudou de opinião sobre um dos negócios que apoiou de forma veemente: a compra de uma participação da Portugal Telecom (PT) na Oi/Telemar e a aliança industrial e posterior fusão entre as duas empresas.

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Se em 2010, na véspera de um acordo com a PT, a Oi era considerada por Salgado como uma empresa de “grandíssimo potencial” que permitiria atingir o objetivo crucial de a empresa portuguesa permanecer no Brasil depois da venda da participação na Vivo à Telefónica, hoje Salgado considera ruinoso o negócio que tanto apoiou e que foi igualmente apadrinhado e promovido por José Sócrates e Lula Silva. Pior: o negócio e a fusão da PT com a Oi/Telemar é mesmo a causa principal apontada pelo ex-banqueiro para a queda da telecom portuguesa, garantiu Ricardo Salgado ao Ministério Público em 2015 no âmbito do interrogatório a que foi sujeito no caso Banco Espírito Santo (BES)/Grupo Espírito Santo (GES).

Os factos que têm vindo a ser descobertos pela investigação da Operação Marquês parecem confirmar a certeza messiânica do ex-líder do BES contida na citação que abre este texto — e que levaram, inclusive, o Ministério Público (MP) a constituir Ricardo Salgado como arguido esta quarta-feira no caso que tem José Sócrates como principal arguido.

Estão em causa dois tipos de responsabilidade nas irregularidades em redor dos negócios do Grupo PT:

  • A alegada corrupção activa de José Sócrates imputada a Ricardo Salgado por alegados benefícios concedidos ao GES em diversos negócios da PT, como é o caso da venda da Vivo e da compra da Oi/Telemar — duas operações que estão interligadas.
  • A eventual responsabilidade criminal dos administradores da PT, nomeadamente de Zeinal Bava, que também recebeu 18,5 milhões euros do GES via Espírito Santo Enterprises e por ordens de Ricardo Salgado, como o Observador noticiou.

A constituição de arguido de Ricardo Salgado na Operação Marquês verificada esta quarta-feira indica claramente que o procurador Rosário Teixeira vai analisar os factos relacionados com Salgado no despacho de encerramento de inquérito do caso que envolve Sócrates. O MP suspeita, como o Observador noticiou esta quarta-feira, que Ricardo Salgado estará por detrás das transferências de 17,4 milhões de euros com origem em sociedades do GES que chegaram entre abril de 2006 e maio de 2009 às contas de Carlos Santos Silva, alegado testa-de-ferro de Sócrates, por intermédio de Hélder Bataglia, ex-presidente da Escom e representante do GES em África.

A grande dúvida reside em saber se o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) conseguirá encerrar o segmento da responsabilidade dos administradores da PT até março (a data prevista para o encerramento do inquérito da Operação Marquês) ou se os indícios recolhidos serão ‘exportados’ para as investigações abertas à gestão da PT.

O maior problema para a equipa do procurador Rosário Teixeira reside em provar a alegada gestão danosa por parte de ex-responsáveis da PT na compra de uma participação minoritária na Oi/Telemar que terá custado 5,4 mil milhões de euros — e não os 3,7 mil milhões oficiais que foram comunicados ao mercado — quando os consultores aconselhavam a PT a adquirir uma posição maioritária na Oi por menos dinheiro do que pagou a empresa portuguesa em 2010.

“A maior operação financeira alguma vez realizada em Portugal”, tal como os negócios foram classificados por Henrique Granadeiro no dia da sua apresentação ao mercado, afinal, é uma espécie de queijo suíço — com muitos buracos.

"A maior operação financeira alguma vez realizada em Portugal", tal como foi classificada por Henrique Granadeiro no dia em que os negócios (o da venda da Vivo e o da compra da Oi) foram apresentados ao mercado, afinal, é uma espécie de queijo suíço - com muitos buracos.

O Observador contactou Henrique Granadeiro, ex-chief executive officer e chairman da PT, Zeinal Bava, ex-líder executivo da PT, e Luís Pacheco de Melo, ex-chief financial officer da PT, mas os gestores não se mostraram disponíveis para prestar declarações. Ricardo Salgado também não quis responder às perguntas do Observador.

Como a PT entra no Brasil

Desde que os responsáveis da PT optaram por fazer uma aliança com os espanhóis da Telefónica que tinham receio de que tal parceria podia não ser sustentável devido à desigualdade de armas — uma espécie de luta entre uma equipa europeia com orçamento e ambição para ganhar à Liga dos Campeões (a Telefónica) e outra que não tem capacidade financeira para ambicionar mais do que a Liga Europa (a PT).

Essa aliança levou à criação do líder do mercado brasileiro das comunicações móveis (a empresa Vivo) que atingiu os 45 milhões de clientes em 2009 — quatro vezes mais a população portuguesa — e que hoje partilha com a Oi o primeiro lugar no mercado das chamadas fixas. Mas o medo do gigante espanhol esteve sempre presente.

Francisco Murteira Nabo, ex-presidente da Portugal Telecom (Reinaldo Rodrigues/Global Imagens)

Reinaldo Rodrigues / Global Imagens

Foi nesse sentido que os responsáveis da PT recuperaram, em meados da década de 2000, um namoro antigo com a Telemar. Como escrevem Alda Martins e Alexandra Machado no seu livro A implosão da PT (edição Lua de Papel), a hipótese da Telemar (a empresa que está na origem da Oi) colocou-se em cima da mesa da PT logo em 1998, quando os portugueses estudavam as empresas estaduais que o governo brasileiro queria privatizar em leilão. A equipa da PT que estudava o dossiê aconselhou a compra da Telesp Celular (móvel) e da Telemar (fixa) — as duas maiores empresas da Telebrás colocadas à venda. Francisco Murteira Nabo, segundo contam aquelas duas jornalistas especialistas em telecomunicações, terá recusado tendo em conta que a Telemar era uma empresa que, devido à sua dimensão, poderia absorver a PT.

Mais tarde, e já depois de a PT ter adquirido a Telesp Celular, a construtora Andrade Gutierrez (que comprou a Telemar em conjunto com outros acionistas brasileiros como o Grupo La Fonte/Jereissati — todos fortemente alavancados com financiamento da instituição financeira pública BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Económico e Social) chegou a propor uma parceria com a PT . Mas os receios de Murteira Nabo, mais uma vez, falaram mais alto.

As hipóteses de compra na Telemar

Já com Murteira Nabo fora da PT, houve dois estudos concretos para uma participação na Telemar:

  1. O projecto SWAP, realizado em 2007;
  2. E o projeto Kappa, efectuado em 2010 e na véspera do acordo com os dois pincipais acionistas da Oi: a Andrade Gutierrez e o Grupo La Fonte/Jereissati.

Os estudos foram realizados pelo Banco Espírito Santo Investimento Brasil (BESI) e pelo Caixa – Banco de Investimento (BI), tendo sido apreendidos pela equipa do procurador Rosário Teixeira nas buscas realizadas em setembro aos dois bancos — vizinhos em duas ruas paralelas no centro de Lisboa (o BESI na rua Alexandre Herculano e o Caixa BI na rua Barata Salgueiro). Pouco depois foram ouvidos nos autos da Operação Marquês diversos responsáveis do BESI (como o administrador Paulo Lameira Martins) e do Caixa BI (como Paulo Oliveira e Silva).

Comecemos pelo projeto SWAP.

Trata-se de uma hipótese que surgiu em 2007. Henrique Granadeiro tinha assumido a liderança executiva da PT um ano antes e a Telefónica vinha dando sinais de que queria alterar a correlação de forças na Vivo que culminaram com o apoio dos espanhóis à OPA da Sonae de Belmiro e Paulo Azevedo lançada em 2006. A Telefónica, com 10% do capital da PT, apoiava os Azevedo com a condição de que os 50% da Brasilcel detidos pela PT seriam por si comprados por um valor entre os 2,2 e os 2,6 mil milhões de euros. Um valor médio de 2,5 mil milhões euros era o número assumido pelos especialistas.

Derrotada a OPA da Sonae em março de 2007, Henrique Granadeiro inicia contactos com Sérgio Andrade, líder da Andrade Gutierrez, e com os representantes do Grupo La Fonte/Jereissati para um acordo com a Telemar. Nasce o Projeto SWAP.

Derrotada a OPA da Sonae em março de 2007, Henrique Granadeiro, homem muito próximo da família Espírito Santo (tratava José Manuel Espírito Santo praticamente como um irmão), inicia contactos com Sérgio Andrade, líder da Andrade Gutierrez, e com Pedro Jereissati, chairman da Telemar Participações e representante do Grupo La Fonte/Jereissati. A Caixa BI e o BESI são contratados como assessores financeiros e iniciam o estudo de uma operação de troca de ações entre a PT e a Telemar — daí o nome de Operação SWAP (troca, em inglês), que também se pode aplicar à troca da Vivo pela Oi para assegurar a manutenção da PT no Brasil.

Segundo o desenho estratégico da operação feito pelo BESI, a que o Observador teve acesso, o objetivo era promover uma fusão entre a PT e a Telemar com um objetivo claro: criar um operador multinacional de matriz lusófona.

Eis os objetivos (ambiciosos) de uma futura empresa PT/Telemar:

  • Seria um dos 10-15 maiores operadores de telecomunicações a nível mundial;
  • Terceiro maior operador regional da América Central e Latina, atrás da espanhola Telefónica (sócia da PT na Vivo) e da Telmex (de Carlos Slim);
  • Com um valor de mercado de cerca de 50 mil milhões de euros;
  • Com 140 milhões de clientes.

Das hipóteses de concretização de negócio analisadas pela equipa de José Maria Ricciardi, líder do BESI, saltava à vista a hipótese de fusão entre as duas empresas (incorporando-se a Telemar na PT) por via de troca de ações da empresa brasileira por títulos da PT, SGPS. O BESI chegava a colocar a hipótese de a PT vender os seus activos no continente africano para financiar esta operação.

José Maria Ricciardi, ex-presidente do Banco Espírito Santo Investimento

ANTONIO COTRIM/LUSA

Partindo para a negociação pura e dura, e de acordo com um term-sheet (condições da proposta) elaborado pela Caixa BI, a PT lutava pela tomada de uma posição mínima de 51% no capital da Telemar Participações (a holding do Grupo Telemar) e pretendia negociar essencialmente com quatro accionistas:

  • AG Telecom Participações (Grupo Andrade Gutierrez)
  • Asseca Participações (Grupo Macal e GP Investimentos)
  • La Fonte Telecom, SA (Grupo La Fonte /Jereissati)
  • Lexpart Participações (Opportunity/Grupo Inapar)

Estes quatro acionistas tinham, cada um, um bloco de 10,275% das ações representativas do capital social da empresa. Outros acionistas importantes eram o BNDES, através do seu banco especializado em capital de risco no apoio a empresas de base tecnológica: o BNDES Participações.

Em termos práticos, a PT avaliava a Telemar Participações em cerca de 3,2 mil milhões de euros e pretendia investir, no mínimo, cerca de 1,6 mil milhões de euros, adquirindo para tal uma participação mínima de 51% das ações representativas do capital social da Telemar Participações. Em contrapartida, os acionistas da Oi/Telemar ficava com uma participação na PT com um prémio de 10%.

Mais: a PT reservava para si os três cargos mais importantes em qualquer empresa: chairman, chief executive officer e chief financial officer da holding Telemar Participações e das três participadas mais importantes. Os portugueses queriam o controlo absoluto da empresa.

Em termos práticos, a PT avaliava a Telemar Participações em cerca de 3,2 mil milhões de euros e pretendia investir, no mínimo, cerca de 1,6 mil milhões de euros. Mais: a PT queria o controlo absoluto, reservando para si os três cargos mais importantes em qualquer empresa: o chairman, o chief executive officer e o chief financial officer da holding Telemar Participações e das três participadas mais importantes.

A Andrade Gutierrez e os restantes acionistas brasileiros não terão ficado agradados com a proposta. Assolados por uma dívida galopante subscrita em 1998 para ganhar a Telemar Participações na privatização levada a cabo pelo governo de Fernando Henrique Cardoso (e fortemente financiada pelo BNEDS), queriam dinheiro fresco. E não uma mera participação na PT.

Os próprios acionistas da PT também ter-se-ão mostrado divididos. Segundo uma acta de uma reunião extraordinária da administração da PT, citada no livro A Implosão da PT, a Caixa Geral de Depósitos e outros acionistas ligados ao Estado ter-se-ão manifestado contra a compra.

Ao que o Observador apurou, Luís Pacheco de Melo terá afirmado ao procurador Rosário Teixeira que era contra a operação pelo preço exigido e por os brasileiros recusarem o controle de gestão por parte da PT. Zeinal Bava também considerava exagerado 3,2 mil milhões de euros como valor de avaliação da empresa.

Curiosamente, o interesse da PT na Telemar chegou a ser manchete do Diário Económico (propriedade da Ongoing, acionista da operadora portuguesa), avançando o jornal com um valor de compra na ordem dos 3,5 mil milhões de euros que não consta do term-sheet a que o Observador teve acesso.

A 5 de junho de 2007, a PT e a Telemar informaram o mercado de que as negociações tinham terminado sem acordo.

O líder da Maçonaria e José Dirceu

É na sequência do lançamento do projeto SWAP que entram em cena duas novas personagens: Fernando Lima, advogado, proeminente maçon e futuro grão-mestre do GOL — Grande Oriente Lusitano (a principal corrente maçónica em Portugal) e José Dirceu, ex-revolucionário, ex-ministro da Casa Civil da Presidência da República de Lula da Silva e destacado lobista que mais tarde viria a ser condenado a pena de prisão efetiva no caso Mensalão e na Operação Lava Jato.

Tal como o Público noticiou em 2015, Henrique Granadeiro necessitava de ter contactos com o governo brasileiro e terá então recorrido a Mário Soares para se aconselhar sobre a melhor forma de chegar a Lula da Silva. Soares, que então tinha o ‘título’ de melhor amigo português do presidente brasileiro antes de José Sócrates ficar com esse papel, terá aconselhado o então líder da PT a procurar o escritório de advogados LSF & Associados.

Liderado por Fernando Lima, personagem que veio a liderar a Sociedade Lusa de Negócios na sequência da nacionalização do BPN, o escritório tinha ainda como sócios José Pedro Fernandes e João Abrantes Serra. Este último era amigo de José Dirceu de Oliveira e Silva e do seu irmão Luiz Eduardo de Oliveira e Silva e terá sido Abrantes Serra, a pedido de Lima, que terá feito a ponte entre Granadeiro e os irmãos Oliveira e Silva.

José Dirceu, ex-braço direito de Lula da Silva

HEDESON ALVES/EPA

Será na sequência destas démarches que a LSF & Associados é contratada pela PT liderada por Henrique Granadeiro para trabalhar no processo Telemar, tendo chegado a cobrar cerca de 511 mil euros por serviços jurídicos entre 2007 e 2008. A esmagadora maioria das facturas emitidas pelo escritório de Fernando Lima foram aprovadas por Henrique Granadeiro, enquanto presidente da Comissão Executiva da PT, e algumas delas mencionavam explicitamente contactos com as autoridades brasileiras.

Dirceu, que era igualmente consultor da Ongoing no Brasil, terá tido contactos com o governo de Lula da Silva e com os acionistas da Oi e chegou mesmo a vir a Portugal reunir-se com acionistas e responsáveis da PT. Em 2009, por exemplo, José Dirceu ainda defendia uma aliança entre a PT e a Oi em entrevistas a jornais portugueses. O jornal Público noticiou igualmente reuniões ocorridas em Lisboa, em novembro de 2011, entre Luiz Oliveira e Silva e Ricardo Salgado.

Abrantes Serra, segundo a SIC noticiou em dezembro, foi constituído arguido na Operação Marquês por suspeitas do crime de tráfico de influências e de fraude fiscal. O jurista também seria sócio dos irmãos Oliveira e Silva no Brasil através de uma sociedade de advogados local

Fernando Lima, por seu lado, foi ouvido como testemunha a 30 de setembro, tendo sido confrontado pelo MP com a existência de um contrato entre o escritório LSF & Associados e uma sociedade do Grupo Espírito Santo, bem como com uma conta bancária utilizada para remunerar colaborações com advogados brasileiros. Lima confirmou ao procurador Rosário Teixeira que o seu escritório tinha sido contratado por Henrique Granadeiro para assessorar a empresa num projeto de fusão com a Telemar, tendo igualmente confirmado que tinha tido reuniões com José Dirceu em 2007 e 2008 sobre o mesmo assunto.

O actual grão-mestre do GOL informou ainda o MP que apenas descobriu pela comunicação social que uma empresa de consultoria de Dirceu e do seu irmão Luiz (a JD Assessoria e Consultoria) tinha sede no seu escritório. Foi precisamente essa empresa que esteve na origem da condenação em 2010 de José Dirceu e do seu irmão Luiz Oliveira e Silva na Operação Lava Jato. O Ministério Público Federal considerou essa consultora uma empresa de fachada através da qual os irmãos Oliveira e Silva receberam alegadas comissões das construtoras que ganhavam de forma ilícita obras da petrolífera Petrobras, num total de 29 milhões de reais (cerca de 8,5 milhões de euros).

Fernando Lima, advogado e grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (Tiago Petinga / LUSA)

LUSA

O juiz Sérgio Moro, que tem liderado os principais julgamentos do caso Lava Jato, concordou e condenou Dirceu a 26 anos de prisão pelos crimes de corrupção e branqueamento de capitais — sentença que acresce a uma primeira pena de prisão de 11 anos no caso Mensalão que já está a ser cumprida por ser o mentor do esquema criminoso que levou ao suborno de muitos congressistas do Partido dos Trabalhadores. Já Luiz Oliveira e Silva foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão.

O Projeto Kappa

Voltemos ao negócio PT/Telemar — e paremos em 2010. Três anos após a primeira tentativa de negócio, o contexto era outro e a hipótese de um casamento com a Oi/Telemar voltou a colocar-se em cima da mesa. Mais uma vez, o vizinho espanhol Telefónica mostrava os dentes para ficar com os 50% da preciosa Vivo — que só em 2009 tinha gerado cerca de 3,1 mil milhões de receitas, um valor que compara com os 3,4 mil milhões que a PT conseguia em Portugal com a rede fixa e móvel.

No início de 2010, o mercado brasileiro de telecomunicações dividia-se da seguinte forma em termos de market share da receita:

  • Oi/Telemar: 32%
  • Telefónica+Vivo: 32%
  • Tim+Intelig: 12%
  • Claro+Net+Embratel: 22%

Enquanto a Oi tinha 65 milhões de clientes de telefonia fixa, móvel e banda larga, TV por assinatura e internet (sendo o primeiro operador quadruple play do mercado brasileiro), a Vivo, por exemplo, tinha cerca de 45 milhões de clientes.

Apesar de estes números darem a impressão de que a Oi era mais atrativa que a Vivo, tal não era verdade. A Vivo era uma empresa significativamente mais moderna em termos tecnológicos e com muito mais potencial, por estar mais virada para a telefónia móvel. Enquanto que a Oi, que resultava de uma fusão da Telemar com a Brasil Telecom concretizada em 2008/2009, dependia muito da telefonia fixa e necessitava de grandes investimentos em termos tecnológicos, além de ser claramente uma empresa com uma dívida muito significativa — que estará na origem do seu processo de gestão judicial que está a decorrer neste momento.

Certo é que, apesar de qualquer gestor e acionista da empresa preferir permanecer na Vivo, os espanhóis queriam o bolo todo para si. E avançaram para a primeira proposta no início de 2010: cerca de 5 mil milhões de euros pelos 50% da Brasilcel — o dobro do que tinha oferecido à Sonae –, lê-se no livro A Implosão da PT.

O advogado Abrantes Serra, o último arguido da Operação Marquês a ser conhecido, era igualmente parceiro de negócios de José Dirceu e do seu irmão Luiz Oliveira e Silva no Brasil. Uma das empresas dos Oliveira e Silva operava em Portugal e tinha sede no escritório de Fernando Lima e de Abrantes Serra. Foi precisamente essa empresa que foi considerada como uma empresa de fachada para Dirceu e o irmão receberem cerca de 8,5 milhões de euros em comissões das empresas da Lava Jato.

A oferta, que não foi comunicada ao mercado, é recusada mas a administração de Henrique Granadeiro (chairman) e de Zeinal Bava (chief executive officer da PT desde março de 2008) percebe que tem de retomar os contactos com a Telemar — que, entretanto, já tinha incorporado os activos e passivos da empresa Brasil Telecom.

Os espanhóis sobem a proposta para 5,7 mil milhões e obrigam a administração da PT a analisar, a rejeitar e a divulgar toda a informação a 10 de maio. Nesta altura, Henrique Granadeiro, Zeinal Bava e Ricardo Salgado já estavam em campo e, de forma secreta, iniciaram contactos com a Andrade Gutierrez, La Fonte/Jereissati e com os restantes acionistas da Telemar para a aquisição de uma posição nesta empresa.

É nesta altura que o BESI cria o projeto Kappa — a Caixa BI, o outro banco de investimento com quem a PT costumava trabalhar, é afastada do processo.

Num dos relatórios do projeto Kappa, datado de 31 de maio de 2010 e da autoria da filial brasileira do BESI, são estudados vários cenários que têm como pressuposto a aquisição de uma posição maioritária de 50,14% na Telemar Participações (que reunia os acionistas brasileiros que controlavam a empresa) e controle da gestão, através da nomeação de um CEO.

É claro ao longo de todo o documento que os assessores do BESI apenas aconselhavam uma aquisição que permitisse o controlo da empresa — nunca uma posição minoritária. Essa participação de 50,14%, representaria, no final, uma participação de 45% em termos de interesses económicos da PT no Grupo Telemar.

Uma participação maioritária tinha sempre a vantagem de garantir o controlo da companhia e da sua gestão, até porque a PT seria o único acionista que era, de facto, operador de telecomunicações, logo tinha um know-how económico e tecnológico do negócio que os restantes não tinham. Problema: a lei brasileira impunha o lançamento de uma Oferta Pública de Aquisição sobre as Ações Ordinárias da Telemar e ainda existia uma OPA voluntária que teria de ser lançada sobre as Ações Preferenciais da Telemar.

Otavio Azevedo, líder executivo da construtora Andrade Gutierrez, foi detido e condenado na Operação Lava Jato por corrupção e branqueamento de capitais. (HEDESON ALVES/EPA)

HEDESON ALVES/EPA

As Ações Ordinárias davam direitos políticos, isto é, davam direitos de voto em Assembleia-Geral e uma palavra decisiva em termos de gestão, enquanto as Ações Preferenciais asseguravam direitos patrimoniais, nomeadamente preferência no pagamento de dividendos.

Um pormenor importante: antes da emissão deste relatório, o todo-o-poderoso Ricardo Salgado já tinha baixado a guarda e admitia publicamente vender a Vivo à Telefónica. “Como tudo na vida, a Vivo tem um preço. Ele tem é de ser realista”, afirmou no final de maio a caminho de Nova Iorque.

Salgado já sabia em 2010 que o Grupo Espírito Santo (GES) estava com problemas financeiros, na sequência da crise das dívidas soberanas, e necessitava de liquidez. As alegadas falsificações das contas das holdings do GES, de acordo com as acusações contra-ordenacionais já produzidas pelo Banco de Portugal contra Salgado, remontam a 2008.

Resultado quase imediato: a Telefónica sobe a proposta. A 2 de junho, a PT comunica ao mercado uma nova oferta dos espanhóis sobre a participação da PT na Vivo: 6,5 mil milhões de euros pagos a pronto.

Cinco dias depois, num segundo relatório do Projeto Kappa, o BESI Brasil analisa uma proposta da Andrade Gutierrez e do Grupo La Fonte/Jeirissati que tinha chegado via BTG Pactual — um banco de investimento ligado à Andrade Gutierrez.

Num segundo relatório do Projeto Kappa, o BESI Brasil analisa uma proposta da Andrade Gutierrez e do Grupo La Fonte/Jereissati que tinha chegado via BTG Pactual (o banco de investimento da Andrade Gutierrez). Diferenças face à proposta da PT? "Toda a diferença do mundo", como diriam os brasileiros. Era oferecida uma posição
uma posição minoritária e um lugar no conselho de administração da Telemar Participações a troco de 3,8 mil milhões de euros.

Diferenças face à proposta da PT? Imensas. Em vez da maioria e do controlo, é ‘oferecido’ à PT uma posição minoritária e um lugar no conselho de administração da Telemar Participações. Explicando:

  • Aquisição de uma posição de 29,6% na holding AG Participações (Grupo Andrade Gutierrez) e de 29,6% na holding La Fonte Telecom (Grupo La Fonte/Jeirissati) — ambas tinham, cada uma, cerca de 10% da Telemar Participações;
  • Aquisição dos 10% que os fundos de pensões Petros e Funcef tinham na Telemar Participações;
  • E aquisição uma participação de 9% direta na nova empresa Oi;
  • Na prática, estas participações corresponderiam a um interesse económico de 29,7% na Telemar Participações e de 32,7% na Oi.

Custo da operação?

  • 2, 912 mil milhões de euros (aquisições das participações referidas) + 900 milhões de euros que teriam de ser investidos num aumento de capital social da Telemar Participações e da Telemar Norte Leste (uma participada da primeira sociedade). Total: 3,812 mil milhões de euros;
  • Em contrapartida, a Telemar Participações adquiria 25% da PT a troco de 2,1 mil milhões de euros.

A sucursal brasileira do BESI critica fortemente esta proposta do BTG Pactual num documento datado de 7 de junho: “Esta proposta foi alvo de análise por parte do BESI, sendo que as conclusões preliminares indiciam, entre outros pontos de atenção, uma grande sobrevalorização da Telemar Participações e consequentemente dos valores serem recebidos pelos actuais acionistas controladores”.

A sucursal brasileira do BESI crítica fortemente a proposta do BTG Pactual: “As conclusões preliminares indiciam, entre outros pontos de atenção, uma grande sobrevalorização da Telemar Participações e consequentemente dos valores serem recebidos pelos actuais acionistas controladores”. E insiste no aconselhamento da aquisição de uma posição de controle por menos dinheiro.

A sucursal brasileira do banco de investimento da família Espírito Santo chama ainda a atenção para o facto de o BTG Pactual ignorar as dívidas líquidas nas holdings AG Telecom e LF Tel que somavam cerca de 1,4 mil milhões de reais no final de 2009.

O BESI Brasil desenvolve então três cenários para a aquisição de uma posição na Telemar e dois desses cenários envolvem, uma vez mais, o controlo da empresa. Eis os cenários:

  • Hipótese A) – Aquisição de 49% da AG Telecom e 49% da LF Telecom e aquisição direta de 29% da Telemar Part, “conforme sugestão do dr. Ricardo Espírito Santo Salgado”;
  • Hipótese B) – Aquisição direta de participação minoritária na Telemar Participações (27%) sem necessidade do lançamento de uma OPA sobre as ações ordinárias e preferenciais. Desde que fosse negociada uma opçao de compra de participação remanescente de mais de 50% da Telemar Participações;
  • Hipótese C) – Aquisição direta de 50,1% com OPA sobre ações preferenciais e ordinárias

O custo de qualquer uma destas opções era claramente inferior ao valor proposto pelos brasileiros.

As golden-share e o acordo com a Oi

Entretanto, a Telefónica ia subindo a sua proposta. Com uma quarta proposta em cima da mesa (7,15 mil milhões de euros era o novo número de uma last and final offer), começou-se a gerar o consenso entre os accionistas (com o BES e a Ongoing a liderarem o movimento) de que essa era uma proposta irrecusável que teria de ser aprovada numa Assembleia-Geral da PT marcada para 30 de junho.

José Sócrates, contudo, não pensava assim. Queria garantias de que a PT continuaria no Brasil e, embora estivesse a par das negociações com a Telemar e até já tivesse falado com o seu amigo Lula da Silva sobre o tema em maio, começou a dar sinais de que poderia utilizar as 500 golden-shares para bloquear um acordo com a Telefónica.

A 28 de junho de 2010, o BESI Brasil continua a trabalhar uma contra-proposta potencial que não é muito diferente da que tinha sido analisado no início do mês. Os assessores financeiros da PT sugerem uma contra-proposta para uma posição de controlo na Telemar Participações da qual resulta de uma participação económica de 56,9% para a PT e de cerca de 22% na Telemar Norte Leste Participações e na Telemar Norte Leste, sendo que o lançamento de uma OPA era considerado inevitável. Eis os valores dessa contra-proposta:

  • 2,4 mil milhões para adquirir uma posição acionista + mil milhões de euros para o aumento de capital do Grupo Telemar;
  • Custo total: cerca de 3,4 mil milhões de euros.

Certo é que no dia 30 de junho, dia da Assembleia-Geral da PT para analisar a proposta de 7,15 mil milhões de euros apresentada pela Telefónica, ainda não exisitia um acordo com os acionistas da Telemar.

Sócrates sabia disso, seja pelos canais de comunicação que tinha com a administração da PT ou com a administração do BES, tal como sabia igualmente por Lula da Silva. E apesar disso, e para surpresa de alguns dos 74% dos acionistas presentes que votaram a favor do negócio, usou as 500 ações com direitos especiais que lhe permitiam vetar o negócio com os espanhóis.

Diversas fontes da administração da PT de então asseguram ao Observador que a utilização das golden-shares acabou por prejudicar as negociações com a Telemar, pois reforçou o poder negocial dos brasileiros. Os gestores da PT preferiam ter tempo para encontrar uma solução no Brasil mas o então primeiro-ministro queria resultados praticamente imediatos e usou as golden-shares para pressionar um acordo com a Oi.

“(…) quando o Governo fala está a interpretar, naturalmente como lhe compete, os interesses nacionais”, afirmou no mesmo dia Sócrates que garantia que os acionistas conheciam o seu pensamento.

Diversas fontes da administração da PT de então asseguram ao Observador que a utilização da golden-share acabou por prejudicar as negociações com a Telemar, pois reforçou o poder negocial dos brasileiros. Os gestores da PT preferiam ter tempo para encontrar uma solução no Brasil mas o então primeiro-ministro queria resultados praticamente imediatos e usou a golden-share para pressionar um acordo com a Oi.

No Brasil, por seu lado, a imprensa económica noticiava que Sócrates queria, em acordo com Lula da Silva, que a PT entrasse na Oi. Em declarações ao jornal económico Correio Braziliense, Otávio Azevedo, chairman da Andrade Gutierrez, confirmou que os acionistas públicos da Brasil Telecom “nos convidaram para ter uma reunião. Fomos a Lisboa, nos encontramos na quarta-feira à noite [dia 14 de julho] e nos reunimos até sábado [dia 17 de julho], onde concluímos ser possível fazer essa associação. Fui eu e o Pedro Jereissati (presidente da Telemar Participações e acionista do grupo Jereissati)”.

Cerca de 30 dias depois, a 28 de julho, Henrique Granadeiro, acompanhado de Zeinal Bava, anuncia ao mercado a tal “maior operação financeira alguma vez realizada em Portugal”:

  • A PT vende os 50% na Brasilcel à Telefónica por 7,5 mil milhões de euros;
  • E a compra de uma participação económica direta e indireta de 22,38% na Oi por cerca de 3,7 mil milhões de euros, enquanto que a Oi adquire 10% do capital da PT — uma posição avaliada em 875 milhões de euros.

Como se dá o negócio da compra das participações na Oi? Os principais passos são os seguintes:

  • PT adquire 35% do capital social e votante de Andrade Gutierrez Telecom e LF Tel (Grupo La Fonte/Jereissati); ambas as empresas detém cerca de 38,7% Telemar Participações (que controla a Oi). Valor do investimento: 1, 417 mil milhões de euros;
  • PT adquire 10% da participação dos três fundos estatais que participam na Telemar Participações; Funcef, Petros e Previ detém 10,1%, 10% e 12,9% respectivamente e poderiam ser vendedores. Valor do Investimento: cerca de 500 milhões de euros;
  • Telemar Participações (holding), Telemar Norte Leste (participada) e Telemar (participada) têm aumentos de capital social num valor total de 7,3 mil milhões de euros. Valor do investimento da PT: cerca de 1,861 mil milhões de euros.

Oi custou mais 1,7 mil milhões do que a PT anunciou

Duas interrogações para cada um dos pontos. Comecemos pela venda à Vivo: em termos puramente financeiros, a proposta da Telefónica aumentou 350 milhões de euros?

A resposta é clara: não, tal como o Observador já noticiou. Luís Pacheco de Melo, o então chief financial officer da PT, terá afirmado ao DCIAP em setembro que o aumento da proposta da Telefónica é uma grande falácia, visto que os espanhóis, na realidade e do ponto de vista financeiro, não subiram a proposta.

A explicação é simples:

  • Enquanto que a proposta de 7,15 mil milhões apresentada no dia 29 de junho (tal como todas as que a precederam) era paga de imediato numa só tranche, a proposta de 7,5 mil milhões foi paga em três tranches durante um ano.
  • A primeira tranche, no valor de 4,5 mil milhões de euros, foi paga em outubro de 2010; a segunda, no valor de mil milhões de euros, foi transferida a 30 de dezembro de 2010; e a terceira tranche valeu à PT, a 31 de outubro de 2011, os 2 mil milhões que faltavam.
  • Isto é, o pagamento foi diluído no tempo, fazendo com que a Telefónica tenha conseguido ganhos financeiros que lhe permitem baixar o custo final a pagar.
  • Além disso, a última proposta da Telefónica incluía o pagamento dos dividendos que eram devidos aos espanhóis na PT, o que terá feito com que a proposta tenha baixado para cerca de 7,2 mil milhões de euros.

O testemunho de Pacheco de Melo acaba por descredibilizar a tese oficial de José Sócrates que sempre relacionou o uso da golden-share com o aumento da proposta da Telefónica. “A defesa intransigente do interesse estratégico foi absolutamente essencial para que a PT pudesse fazer um excelente negócio”, afirmou a 28 de julho o então primeiro-ministro socialista.

A mesma equipa de gestão da PT e os mesmos acionistas que achavam exagerado em 2007 o preço de 3,2 mil milhões de euros por mais de 50% da Telemar, acabaram por aceitar pagar 3,7 mil milhões por 22,38% da Oi.

Vamos à segunda questão: e a PT fez um melhor negócio do que aquele que estava previsto nos estudos dos seus assessores financeiros?

A resposta tende a ser igualmente negativa. Porquê?

  • O acordo de 3,7 mil milhões de euros por 22,38% da Oi compara com a participação de 56,9% da Oi que foram sido avaliados pelo BESI Brasil em cerca de 3,4 mil milhões de euros;
  • Por outro lado, a PT acabou por adquirir uma posição minoritária, com um administrador efetivo na Telemar Participações e sem qualquer controle de gestão, enquanto que todos os estudos do Projeto Kappa aconselhavam apenas uma posição de controlo ou, em último caso, a liderança executiva da empresa. O Projeto Swap até ia mais longe e pretendia o controlo absoluto da gestão.
  • Dito de outra forma: a mesma equipa de gestão da PT e os mesmos acionistas que achavam exagerado em 2007 o preço de 3,2 mil milhões de euros por mais de 50% da Telemar, acabaram por aceitar pagar 3,7 mil milhões por 22,38% da Oi.

Aliás, se lermos declarações produzidas pelo então Presidente Lula da Silva à comunicação social brasileira, constata-se facilmente que o governo brasileiro nunca ponderou a hipótese de ceder o controlo da Oi à Portugal Telecom, por razões políticas e de soberania. “Posso garantir que, enquanto for Presidente (do Brasil), a Oi será uma empresa nacional”, afirmou Lula da Silva. Para o governo Lula era fundamental que o controlo da Oi continuasse no Brasil.

Isso mesmo reflecte a estrutura acionista da holding Telemar Participações após o aumento do capital social combinado no negócio de 2010:

  • AG Telecom – 19,35%
  • LF Tel – 19,35%
  • BNDES Participações – 13,08%
  • PT – 12,07%
  • Fundação Atlântico (fundo de pensões dos empregados da Telemar/Oi) – 11,5%
  • PREVI (fundo de pensões dos empregados dos funcionários do Banco do Brasil) – 9,69%
  • Petros (fundo de pensões dos funcionários da petrolífera Petrobrás) – 7,48%
  • Funcef (fundo de pensões dos funcionários da Caixa Económica Federal) – 7,48%

Isto é, a PT era apenas o quarto acionista da empresa, garantindo apenas a nomeação de um administrador executivo e de um administrador suplente para o board da holding. A gestão da empresa estava nas mãos dos acionistas brasileiros. Mesmo quando Zeinal Bava veio a assumir a liderança executiva da Oi em junho de 2013, a administração era controlada pelos acionistas brasileiros.

Pior: de acordo com o testemunho que Luís Pacheco de Melo terá prestado no DCIAP, o custo final da aquisição da Oi não foi de 3,7 mil milhões de euros mas sim de 5,4 mil milhões.

O acréscimo de 1,7 mil milhões de euros explica-se com a operação de fusão entre as duas empresas que foi acordada em outubro de 2013. Entre activos e passivos, a contribuição líquida da PT foi precisamente desse valor.

De acordo com o testemunho que Luís Pacheco de Melo terá prestado no DCIAP, o custo final da aquisição da Oi não foi de 3,7 mil milhões de euros mas sim de 5,4 mil milhões.
O acréscimo de 1,7 mil milhões de euro explica-se com a operação de fusão entre as duas empresas que foi acordada em outubro de 2013. Entre activos e passivos, a contribuição líquida da PT foi precisamente desse valor.

Daí que Pacheco de Melo terá afirmado ao DCIAP que a factura final do negócio com a Oi correspondeu a 3,7 mil milhões de euros acordados em 2011, mais 1,7 mil milhões dos activos da PT que entraram no balanço da Oi em 2014, o que dá 5,4 mil milhões.

Afinal, o uso da golden-share por parte de José Sócrates serviu para quê? Eis uma pergunta a que a Operação Marquês poderá dar resposta.

As visões críticas de Salgado e de Pacheco de Melo

Luis Pacheco de Melo, ex-chief financial officer da PT, terá sido dos poucos a manifestar reservas em 2010 sobre o negócio com a Oi por considerar exagerado o preço de 3,7 mil milhões. Primeiro porque a Oi tinha herdado um grave problema de dívida da Telemar — empresa que tinha sido comprada pela Andrade Gutierrez e pelo Grupo La Fonte/Jereissati com um forte financiamento do BNDES, o banco público de fomento. Em 2010, a Oi tinha uma dívida de de 18, 7 mil milhões de reais (cerca de 5,1 mil milhões de euros ao câmbio de hoje).

Bava Otavio Azevedo

Zeinal Bava, presidente executivo da Portugal Telecom; Otávio Azevedo, presidente do Grupo Andrade Gutierrez e Pedro Jereissati, vice-presidente do Grupo Jereissati participações, durante a assinatura do acordo de entrada da PT na Oi em janeiro de 2011

Por outro lado, um pouco mais de um terço do valor investido pela PT (cerca de 1,9 mil milhões de euros) serviu para a Andrade Gutierrez, para o Grupo La Fonte/Jereissati e para os três fundos de pensões ‘limparem’ as dívidas financiadas pelo BNDES e pelo Banco do Brasil, quando esse dinheiro deveria ter servido para investir na empresa — que se caracterizava por um grande atraso tecnológico.

Outro exemplo do grande negócio feito pelos brasileiros: os três fundos de pensões estatais (PREVI, Funcef e Petros) tiveram uma mais valia de mais de 90% em pouco mais de um ano, já que compraram as ações a 2,15 reais em junho de 2009 cada uma e revenderam à PT por 4,08 reais em fevereiro de 2011. Quem o diz é o próprio Funcef.

Curiosamente, não se pode dizer que Ricardo Salgado discorde de Pacheco de Melo.

Em julho de 2015, quando foi interrogado e constituído arguido pelo procurador José Ranito no caso BES, Salgado afirmou que Zeinal Bava, que tomou posse como presidente executivo da Oi em junho de 2013, não tinha chegado a tempo de resolver os problemas. Salgado foi obrigado a constatar naquela altura que o aumento de capital social do grupo Oi (num total de cerca de 12,3 mil milhões de euros, sendo a parte da PT de cerca de 1,8 mil milhões) não tinha conseguido resolver o problema de atraso tecnológico e de dívida da empresa brasileira. Quando a fusão com a PT foi anunciada em outubro de 2013, a dívida da empresa já tinha subido dos cerca de 5 mil mihões de euros (em 2010) para os 14 mil milhões. O ex-líder in factum da família Espirito Santo referiu ainda os problemas tecnológicos e até os muito significativos problemas de segurança da rede da empresa que começava no Rio de Janeiro e ia até ao Interior Norte do Brasil — a zona mais pobre daquele país. Ao fim e ao cabo, a fusão com a Oi (anteriormente defendida por Salgado) tinha sido uma desgraça.

Quando a fusão com a PT foi anunciada em outubro de 2013, a dívida da Oi já tinha subido dos cerca de 5 mil mihões de euros (em 2010) para os 14 mil milhões. Além de constatar que o problema da dívida não tinha sido resolvido, Ricardo Salgado referiu ainda ao DCIAP os problemas tecnológicos e até os muito significativos problemas de segurança da rede da empresa brasileira. Ao fim e ao cabo, a fusão com a Oi (anteriormente defendida por Salgado) tinha sido uma desgraça.

Daí, a frase de Ricardo Salgado: “O colapso da Portugal Telecom (PT) dá-se, e esta é uma opinião pessoal, devido ao negócio com a Oi/Telemar. Foi muito pior para a PT o investimento na Oi/Telemar do que o contributo [da compra de 900 milhões de euros de dívida] do Grupo Espírito Santo. O tempo encarregar-se-á de me dar razão”.

O ex-líder do BES não refere que o investimento (também ruinoso) da PT de 897 milhões de euros em dívida da Rio Forte que não foi reembolsado pela empresa do Grupo Espírito Santo contribuiu decisivamente para uma forte revisão dos termos da fusão PT/Oi, fazendo com que os acionistas da empresa portuguesa passassem de uma posição de 38,1% para uma participação de 25,6% na nova empresa que iria nascer da fusão.

Certo é que um investimento que custou à PT cerca de 3,7 mil milhões de euros sofreu uma desvalorização brutal em menos de três anos. Quando a fusão foi anunciada, a participação da PT não valeria mais do que cerca de 500 milhões de euros. Pouco mais de um ano depois, o Grupo Portugal Telecom desapareceu como o conhecíamos e deu origem a uma PT Portugal em mãos dos franceses da Altice e a uma PT, SGPS, que mudou o nome para Pharol. Hoje, a participação da Pharol na Oi vale ainda menos do que os 500 milhões de 2014.

A Pharol é a maior acionista individual da Oi, mas pouco ou nada manda numa sociedade que encontra-se em processo de recuperação judicial desde setembro de 2016 com um total de dívida de 65,4 mil milhões de reais (cerca de 19,3 mil milhões de euros ). Nem mesmo quando os acionistas da PT, SGPS (agora Pharol) tinham direitos económicos de 38,1% na CorpCo (nome provisório da empresa que nasceu da fusão entre a Oi e a PT) isso correspondia a poder de gestão, porque tais direitos estavam limitados a 15% de direitos de voto, ao que o Observador apurou junto de fontes da ex-administração da PT.

Limitação que permanece hoje com a actual participação de 25,6%, tendo a AG Telecom, a LF Tel e a Fundação Atlântico o direito de designar a maioria dos membros do conselho de administração da Telemar Participações e de cada uma das subsidiárias controladas, como se pode ler neste comunicado ao mercado de 8 de setembro de 2014.

Um epílogo lógico para uma empresa que nasceu torta (leia-se alavancada em dívida) e arrastou consigo o maior grupo português.

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