Votações a repetir, Parlamento adiado, Governo por formar sine die. Um atraso sem fim à vista. Foi neste contexto, horas depois do anúncio da decisão do Tribunal Constitucional sobre a repetição do voto dos emigrantes, que os dirigentes do PS se reuniram à porta fechada, após António Costa ter passado o dia a conversar com os partidos. À porta do Largo do Rato, pediu desculpas aos portugueses que terão de voltar a voltar; depois, dentro de portas, fez análise política sobre os partidos com quem conversou — com duras críticas à esquerda — e recebeu elogios “unânimes” dos colegas da Comissão Política Nacional do PS.

Como relataram ao Observador várias fontes presentes na reunião, a primeira intervenção de Costa, a primeira em que esteve diante do grupo de dirigentes do PS depois de ter conquistado a maioria absoluta, foi dedicada a descrever os “combates futuros” que o novo Governo terá pela frente e a mostrar confiança em indicadores como a trajetória da dívida.

Já o discurso final foi usado para um momento de análise política: se durante o dia tinha sido possível constatar a frieza entre os partidos de esquerda e o Governo, à noite Costa concluiu que Bloco de Esquerda e PCP não estão a mostrar recetividade para negociar com um PS absoluto.

À tarde, em São Bento, fora possível ouvir Jerónimo de Sousa a explicar que a relação será “diferente” e que se limitará aos assuntos parlamentares e a “questões de regime”, uma vez que o PS de “mãos livres” preocupa os comunistas; e Catarina Martins a dedicar-se a questões muito específicas (a crise na Ucrânia e a rejeição de uma revisão constitucional).

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Debates mensais, reformas estruturais e antigos parceiros distantes. A primeira reunião do PS absoluto com os partidos

Tanto fontes do Bloco como do PCP garantiriam depois ao Observador que, ao contrário do mais otimista PAN (que, como o Livre, Costa se congratulou por parecer cooperante), não tinham ouvido na reunião quaisquer garantias de Costa sobre a inclusão de propostas negociadas à esquerda no próximo Orçamento do Estado.

À entrada da reunião, o primeiro-ministro ainda reforçou a importância do diálogo e da “mobilização do país”, dizendo que se os partidos tinham comparecido nas reuniões essa seria a prova da sua disponibilidade. Mas depois, à porta fechada, Costa resumiu as suas conclusões sobre a postura das esquerdas: a indisponibilidade que diz ver à esquerda do PS, defendeu, pode ser muito prejudicial para estes partidos, que estarão a viver uma espécie de período de negação depois do encolhimento dos seus grupos parlamentares nestas eleições.

E ironizou: com o Livre a deixar convites aos partidos da esquerda para conversar e a garantir que não obteve respostas, parece haver mais “problemas na minoria” do que na maioria. Mesmo assim, frisou, a implosão dos partidos à esquerda do PS não é necessariamente uma boa notícia para os socialistas, que precisarão de refletir sobre quem serão os seus adversários e aliados a partir de agora.

Crescimento do Chega preocupa e “velha guarda” pede reformas

Mas não foi a única análise que Costa trouxe aos dirigentes socialistas: por um lado, o crescimento do Chega é um alerta também para o PS, que não pode cair na tentação de confundir o eleitorado de André Ventura — e assim atacá-lo, em vez de o tentar seduzir — com o partido.

À saída, José Luís Carneiro, secretário-geral adjunto do PS, frisou isso mesmo. “É importante compreender, essa foi uma nota que foi objeto de discussão, as razões pelas quais os cidadãos procuram alternativas, soluções de política alternativa, nesse caso em concreto, soluções de políticas alternativas que, nalguns casos, contende mesmo com valores constitucionais.”

Foi também de reformas que se falou durante a reunião do PS: como constatavam fontes presentes, a “velha guarda” do partido, representada por ex-ministros como Maria de Belém e João Cravinho, apareceu para dar os parabéns a António Costa e frisar a importância de aproveitar a maioria absoluta para fazer reformas, incluindo no Estado, e “fazer obra”.

Já de ministros atuais, não houve registos de intervenções. O Governo continua, aliás, congelado: como António Costa dizia logo à entrada da reunião, com a decisão do Tribunal Constitucional — em consequência da qual pediu “desculpas” em nome do Estado aos emigrantes que repetirão assim a sua votação — os passos legais necessários à formação de um novo Executivo são assim “necessariamente adiados”.

Absoluto também dentro do PS

António Costa aproveitou a reunião, aliás, para deixar um aviso à navegação socialista: é preciso fazer alterações na composição da direção socialista, para não ser tão dominada por membros do Executivo. Ora, numa altura em que se especula sobre a promoção de alguns dos principais quadros do partido para o Governo, isto significa que o líder do PS pretende fazer uma renovação dos órgãos de direção para que o partido não fique fechado sobre si mesmo.

Se Costa vinha empurrando as novidades e convites sobre o Governo para datas mais próximas da tomada de posse, resumiu o problema assim: “Tinha organizado a minha vida para um calendário que culminaria dia 23, neste momento esse calendário está adiado sine die e portanto também reorganizarei a minha vida”.

Adiada ficou também, de resto, uma reunião que estava agendada com o grupo parlamentar para segunda-feira, de onde se esperava que saíssem novidades sobre a nova liderança parlamentar ou a candidatura do PS à presidência da Assembleia da República — sem grupo parlamentar, notou, não faz sentido fazer já esse encontro, ficando também essas novidades adiadas.

O resto da reunião terá sido, segundo relatos dos presentes, de congratulação do PS pelos resultados, mas também de muitos elogios a Costa em particular. Foi assim que o secretário-geral adjunto, José Luís Carneiro, resumiu as conclusões no final do encontro — numa intervenção de oito minutos, fez cinco referências a António Costa e às suas qualidades como primeiro-ministro e falou num “unânime reconhecimento” da “competência” de Costa, da sua capacidade de servir os portugueses e de promover o diálogo político e social, e na sua disponibilidade absoluta para formar um Governo dialogante, nas palavras de Carneiro.

Tudo isso será usado para pôr em prática as prioridades do PS — a recuperação da pandemia, a transição digital, alterações climáticas e combate à pobreza e desigualdades — e aproveitando os “recursos disponíveis”, que agora incluirão os fundos europeus.

Os socialistas estarão ainda alerta para o problema do envelhecimento do seu eleitorado — e das dificuldades em conquistar eleitores jovens, problema que terão de trabalhar. Com três palavras chave que são uma promessa do Governo com maioria absoluta: “Responsabilidade, diálogo e humildade democrática”. Quem o executará, não se sabe: com o adiamento da posse, fica a política adiada por mais umas semanas.