António Costa foi esta quinta-feira nomeado futuro presidente do Conselho Europeu. O socialista tem tudo pronto para suceder a Charles Michel e chegar a um cargo que nunca escondeu ambicionar. Recebe um mandato de dois anos e meio que pode vir a ser renovado por igual período de tempo. Formalmente, no entanto, a tomada de posse só acontece a 1 de dezembro.
A nomeação do socialista — o primeiro a ocupar o cargo — acontece depois de um Conselho Europeu longo, que arrancou às três da tarde e demorou mais de nove horas. A discussão sobre os três ‘top jobs’ em apreço — presidente da Comissão Europeia, Alto Representante e presidente do Conselho Europeu — só surgiu ao jantar, depois de os chefes de Governo e de Estado terem discutido a guerra na Ucrânia e a situação no Médio Oriente.
Para já, Costa fica por dois anos e meio e depois logo se vê — foi essa a solução de compromisso a que se chegou depois de o PPE ter chegado a exigir ficar com a segunda metade do mandato. No entanto, e tal como explicava aqui o Observador, quem conhece bem as dinâmicas da bolha europeia, e quem conhece as capacidades negociais de António Costa, diz que esta solução não será um drama para o antigo primeiro-ministro.
No passado, Donald Tusk manteve-se no cargo mesmo depois de ter perdido o apoio do governo do próprio país. Charles Michel, que era contestado por quase todos, sobreviveu para contar a história. Costa, que já superou quase tudo o que havia para superar em política, mesmo quando o deram como politicamente morto, não terá grandes dificuldades em renovar o mandato num cargo em que será essencialmente um construtor de pontes.
A eleição de Costa acabou por acontecer sem surpresa depois de um período de intensa negociação. De resto, o primeiro sinal positivo para o socialista surgiu ainda na manhã desta quinta-feira, quando a reunião dos líderes que compõem o Partido Popular Europeu, família política onde se inclui Luís Montenegro, terminou sem qualquer incidente a registar — ao contrário do que acontecera há uma semana.
Recorde-se que nessa primeira reunião do PPE houve quem levantasse sérias reservas em relação à escolha de António Costa como presidente do Conselho Europeu e até quem contestasse o facto de os socialistas, enfraquecidos depois das últimas eleições europeias, terem uma preponderância tão grande.
A Costa eram essencialmente apontadas três grandes fragilidades: o processo judicial em que está envolvido, uma posição pouco entusiasta sobre a inclusão da Ucrânia na União Europeia e uma política de imigração considerada demasiado soft. Segundo fontes conhecedoras do processo, a intervenção assertiva de Luís Montenegro nessa reunião terá sido muito importante para manter viva a então putativa candidatura de António Costa à presidência do Conselho Europeu.
Segundo apurou o Observador, Montenegro terá inclusivamente explicado aos seus parceiros no PPE que António Costa já tinha sido ouvido pela Justiça e que não era sequer arguido na Operação Influencer, pelo que não haveria qualquer risco de o processo vir a manchar o mandato do novo presidente do Conselho Europeu e da própria União.
Desta vez, os partidos que compõe o PPE não levantaram objeções às escolhas feitas e derem luz verde ao português numa reunião que decorreu já depois de os negociadores indicados pelas três famílias europeias (PPE, S&D e os liberais do Renew) terem aceitado o pacote Ursula-Kallas-Costa.
Num comunicado publicado na conta pessoal na rede X, António Costa reagiu à eleição como presidente do Conselho Europeu e prometeu assumir o cargo com “enorme responsabilidade”, agradecendo aos líderes do Conselho Europeu pela “confiança” que em si depositaram.
“Como Presidente do Conselho Europeu, a partir de 1 de dezembro, estarei totalmente empenhado em promover a unidade entre os 27 Estados-Membros e focado em implementar a Agenda Estratégica, que o #EUCO hoje aprovou e que orientará a União Europeia nos próximos cinco anos”, escreveu Costa.
À saída do Conselho Europeu, Luís Montenegro manifestou “grande satisfação” pela escolha de António Costa, que, adiantou, teve um “apoio muito maioritário”. Montenegro elencou depois os vários desafios que o projeto europeu tem pela frente, dizendo que são necessárias “lideranças fortes, capazes, que possam conciliar todas as posições, muitas vezes diferentes”.
“O Governo português não só apoiou António Costa, como se empenhou fortemente para que este objetivo fosse alcançado. Não apenas por ser português, mas sobretudo porque, na conjugação das personalidades indicadas pelas diferentes famílias políticas, entendemos que António Costa reúne a experiência, a capacidade de diálogo, concertação e construção de pontes que é a essência da função de presidente do Conselho Europeu”, disse Montenegro.
Quanto às reservas que foram sendo levantadas em relação a António Costa — as posições na política de imigração e a integração de Portugal na União Europeia –, Montenegro assegurou que o Governo português deixou claro que o socialista “oferece garantias para poder dar cobertura e acompanhamento às decisões do próprio Conselho Europeu”.
Apesar de tudo, vai ser preciso aplacar as críticas da italiana Giorgia Meloni e do húngaro Viktor Orbán, que protestaram em público e em privado contra a forma como o pacote de cargos de topo foi negociado sem incluir o grupo dos conservadores e sem respeitar o seu peso eleitoral de partidos como o de Orbán (ex-PPE). Na noite desta quinta-feira, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, absteve-se na escolha de Ursula von der Leyen para presidente da Comissão Europeia e votou contra António Costa e Kaja Kallas.
Já Orbán, que tem uma conhecida relação de proximidade com António Costa, votou contra Ursula von der Leyen, absteve-se na escolha de Kallas e votou a favor do português. Contas feitas, este bloco, que se posiciona à direita do PPE, não teve força para travar as indicações de Costa, Kallas e Von der Leyen e este Conselho Europeu acabou por validar os três nomes apontados. Resta saber o acontecerá a Von der Leyen e a Kallas, cujos nomes têm de ser aprovados pelo Parlamento Europeu por voto secreto.
Nas próximas semanas, e até ao momento da eleição de Von der Leyen, a máquina eleitoral e diplomática alemã terá de garantir que a candidata passa no Parlamento Europeu — da última vez, foi eleita por apenas nove votos acima do mínimo olímpico. Para blindar a sua posição, terá muito provavelmente de negociar com Meloni e garantir a Itália uma vice-presidência da Comissão e uma pasta de relevo.
O novo papel de António Costa
O Conselho Europeu define as orientações e as prioridades políticas gerais da União Europeia, mas não exerce funções legislativas — essa é uma competência da Comissão Europeia, que propõe nova legislação que depois é votada pelos eurodeputados e, uma vez validada, é adotada pelo Conselho Europeu. Também é responsável por definir a política externa e de segurança do clube dos 27.
Têm assento neste Conselho Europeu todos os chefes de Estado e de Governo em funções, o presidente do Parlamento Europeu e o presidente da Comissão Europeia — neste caso, serão as presidentes Roberta Metsola e Ursula von der Leyen, respetivamente. No essencial, António Costa será responsável por garantir o diálogo entre as partes e trabalhar no sentido de encontrar os consensos possíveis entre os Estados-membros.
O Conselho Europeu reúne-se pelo menos quatro vezes por ano, mas podem ser agendadas reuniões extraordinárias. António Costa será agora o responsável por presidir às reuniões do Conselho e ser o representante União Europeia no palco internacional — será o português a assegurar a representação externa da União Europeia nas cimeiras internacionais, por exemplo.
António Costa chega ao cargo com que sonhava há muito tempo — chegou a recusá-lo, em 2019 — num momento particularmente definidor para o projeto europeu. Além do desafio que representa a guerra na Ucrânia, os parceiros europeus terão ainda de lidar com o projeto de alargamento, com conflito israelo-palestiniano e as respetivas réplicas, a ascensão da extrema-direita em países nucleares, como a Alemanha ou a França, a pressão migratória, a transição climática e as tensões sociais que gera, e a necessidade de fazer responder às exigências do modelo social europeu numa Europa cada vez mais envelhecida.
Por coincidência, um dia depois de os membros do Conselho Europeu terem adiado a discussão por uma semana, depois de um jantar que terminou com um impasse, António Costa marcou presença num debate sobre Europa, e logo ao lado do belga Herman Van Rompuy, o primeiro homem que ocupou o cargo que agora vai ser do português. Nessa ocasião, e apesar de ter evitado fazer comentários concretos sobre o processo, Costa acabou acabou por traçar o seu programa para os próximos anos na Europa, como contava aqui o Observador.
Desde logo, o antigo primeiro-ministro destacou o grande desafio do alargamento da União Europeia, que classificou mesmo como o “mais exigente e desafiador” que a UE já fez, tendo em conta as expectativas que criou aos países que querem entrar. Costa explicou a sua posição, lembrando o “preço pago” por “frustrar expectativas” no passado (costuma lembrar o exemplo da Turquia) e defendendo que a Europa não tem a “menor legitimidade” para voltar a frustrar expectativas nomeadamente à Ucrânia.
Nesse sentido, Costa defendeu que o caminho deve passar também pelo aumento do Orçamento da União Europeia. Por causa desse alargamento, mas também da necessidade de apostar na capacidade de Defesa da União Europeia, de reduzir a distância para os EUA ou a China no que toca a inovação e competitividade empresarial e de “multiplicar amizades” no mercado global.
A questão da coesão social também foi abordada quanto o ex primeiro-ministro português foi desafiado a comentar a “fragmentação” política na Europa, uma “consequência” de um “cocktail” de causas que resumiu assim: há um “mal estar geral”, com as novas gerações a sentirem que não vão ter um melhor futuro do que os anteriores, pela primeira vez; os últimos anos a trazerem sucessivas crises “muito angustiantes para as pessoas”; o efeito “assimétrico” da globalização, aumentando as desigualdades nos países desenvolvidos. “Criou-se uma fragmentação progressiva dos partidos do centro”, lamentou Costa.
Costa desenhou o seu programa mas evitou pressão sobre Conselho Europeu: “Deixem-nos trabalhar”