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Aos 36 anos, o chef natural de Valongo ganhou a sua primeira estrela Michelin no restaurante Vila Foz, no Porto
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Aos 36 anos, o chef natural de Valongo ganhou a sua primeira estrela Michelin no restaurante Vila Foz, no Porto

Igor Martins / OBSERVADOR

Aos 36 anos, o chef natural de Valongo ganhou a sua primeira estrela Michelin no restaurante Vila Foz, no Porto

Igor Martins / OBSERVADOR

Arnaldo Azevedo, a nova estrela Michelin do Porto: “Seria uma asneira sair agora de Portugal”

Cresceu no restaurante dos pais em Ermesinde, quis trabalhar em Barcelona, mas dividiu o talento entre Porto e o Algarve. O chef Arnaldo Azevedo recebeu a primeira estrela e não quer ficar por aqui.

É de jaleca branca, calças de ganga, sapatilhas coloridas e olheiras no rosto que Arnaldo Azevedo chega à receção do Hotel Vila Foz, no Porto. “Foi uma semana fora do normal”, começa por dizer ao Observador, dias depois de ter conquistado em Valência a sua primeira estrela Michelin. Mas para perceber a mais recente distinção do chef de 36 anos, é necessário recuar no tempo.

Arnaldo é filho único, nunca gostou de estudar e cresceu no restaurante dos pais em Ermesinde. Foi lá que começou a servir às mesas com a mãe, a madrugar para ir às compras com o pai e a “inventar” sozinho na cozinha, primeiro nas entradas e mais tarde nos pratos principais. “Lembro-me que quando alguém pedia fruta, eu fazia questão de laminar a fruta toda direitinha, fazer uns desenhos, gostava de oferecer algo diferente. O meu pai só me dizia: ‘não inventes muito porque se um dia faltas eu não tenho tempo para fazer essas coisas’”, recorda.

O gosto pela cozinha surgiu e com ele a vontade de voltar a estudar, o chef José Cordeiro deu o “empurrão” que faltava para que Arnaldo Azevedo descobrisse que o seu futuro passava mesmo pelos tachos e panelas. Na escola desencatou-se, no Algarve aprendeu com nomes internacionais, mas foi no Porto que encontrou propostas de trabalho irrecusáveis, a liberdade necessária para quebrar preconceitos e liderar equipas. “Há tempo para rir, há tempo para estar concentrado e, claro, que há momentos de exaltação, mas o bom ambiente que existe sempre, acredito que com calma e bom senso tudo se consegue. Se houver algum problema, falamos no fim do serviço, ninguém vai para casa com nada por dizer”, explica.

O chef natural de Valongo acredita que a base de tudo passa pela cozinha tradicional portuguesa, mas é nas técnicas e nos empratamentos típicos da alta gastronomia que dá mais nas vistas, principalmente à boleia dos peixes e mariscos da nossa costa. No Vila Foz, onde trabalha desde maio de 2019, coordena dois restaurantes, um de raiz mais tradicional e outro de fine dining, é lá que se vê a cozinhar nos próximos anos. “Seria uma asneira sair agora de Portugal”, garante.

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Decidido, frontal, disciplinado e rigoroso, Arnaldo privilegia o trabalho em equipa e a comunicação direta com o cliente — o balcão que criou no restaurante prova isso mesmo. Os rumores de que poderia ganhar uma estrela Michelin já eram antigos, vinham da época em que trabalhou durante oito ano no Hotel Teatro, no Porto, mas foi no dia 14 deste mês que conseguiu alcançar uma das distinções mais importantes do universo gastronómico mundial. “Acho que chegou na altura certa e com o projeto certo, passamos um momento complicado na restauração, por isso acaba por ter outro sabor.”

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Na prática, o chef afirma que o prémio não irá mudar “grande coisa” no seu processo criativo, mas reconhece que a pressão e as expectativas aumentam, tal como a atenção aos detalhes e a vontade de fazer melhor. Uma coisa é certa: “Ganhar uma estrela é difícil, mas mantê-la será ainda mais”. Ainda assim Arnaldo Azevedo parece não querer ficar por aqui.

Depois do serviço, o chef gosta de ir comer leitão de porco bísaro a Amarante, cachorrinhos à Cervejaria Gazela ou peixe e marisco no restaurante O Gaveto, em Matosinhos

Igor Martins / OBSERVADOR

Os seus pais têm um restaurante, o Toca da Formiga, em Ermesinde. Crescer num universo familiar ligado à restauração, o que fez de si?
Houve uma fase na minha vida em que quis parar de estudar, achava que o 9.º ano era suficiente, não gostava muito da escola e decidi sair, queria era trabalhar. Desde miúdo que sempre que saía da escola ia almoçar ao restaurante dos meus pais, quando estava mais movimentado acabava por ajudar a minha mãe a servir às mesas e era relativamente fácil e intuitivo para mim. Estamos a falar de um restaurante muito tradicional, com 39 anos de vida, não havia muita etiqueta, qualquer pessoa que tivesse umas noções básicas conseguia fazer aquele tipo de trabalho. Inicialmente comecei nas mesas, depois, quando parei de estudar e quis ir trabalhar, fui-me aproximando da cozinha. Madrugava para ir com o meu pai às compras ao mercado do peixe, comecei a ganhar gosto e então ia fazendo umas brincadeiras.

Qual é a especialidade da casa?
A carta do restaurante é feita no mercado, ou seja, com base nos produtos que o meu pai encontra. Hoje pode sair tamboril, amanhã pode ser robalo, ele não está preso a nada, à exceção de um prato que tem desde a abertura do restaurante, o arroz de entrecosto em vinha d’alhos. É um prato que ficou sempre e marcou a casa, ainda hoje vai imensa gente lá só por causa deste arroz.

Lembra-se de um dos primeiros pratos?
Foi há muitos anos, não me recordo. Lembro-me que pegava muito nas entradas, era uma coisa que não estava na carta, então conseguia fazer sempre alguma coisa surpreendente e os clientes gostavam. Na altura, o meu pai comprava imensos livros e revistas de culinária, gostava de ler aquilo, achava piada ao tipo de empratamentos que se faziam e já queria modernizar o padrão.

O seu pai deixava-o inventar ou oferecia resistência?
Deixava-me inventar, o restaurante era tradicional nos pratos principais, mas nas entradas havia mais liberdade e eu gostava de arriscar. Como tínhamos muitos clientes habituais e não queríamos dar-lhes sempre a mesma coisa, fazíamos ali umas brincadeiras, eles achavam piada porque era miúdo e ia levar-lhes o prato à mesa todo orgulhoso a dizer que tinha sido eu a fazer, tinha uns 16 anos. Lembro-me que quando alguém pedia fruta, eu fazia questão de laminar a fruta toda direitinha, fazer uns desenhos, gostava de oferecer algo diferente. O meu pai só me dizia: ‘Não inventes muito porque se um dia faltas eu não tenho tempo para fazer essas coisas’. Ele trabalhava sempre sozinho na cozinha, não tinha grande tempo para extravasar no empratamento porque estava mais concentrado no fogão. O meu gosto foi surgindo, à noite o restaurante era mais parado, então aproveitava para fazer o jantar dos meus pais e assim ia inventando mais um bocado. O meu pai achava piada a que eu de certa forma estivesse a seguir as suas pisadas, ainda hoje quando vou a eventos com chefs e faço questão que ele venha comigo, é uma forma de ele acompanhar todo o processo.

Quando é que decidiu que queria tornar essas invenções num caminho mais profissional?
Naquela altura ainda não estava na moda seguir cozinha, hoje toda a gente quer seguir esta área, aliás, vejo isso na minha equipa, tenho pessoas que tiraram um curso superior e chegaram à conclusão que são felizes na cozinha. Naquela época, as estrelas Michelin passavam quase despercebidas, estavam ao alcance de muito poucos e não tinha grande mediatismo. Os chefs mais conhecidos eram maioritariamente autodidatas, como o meu pai, quase ninguém vinha das escolas. Eu sabia que, se queria fazer mais, teria de ter formação. Trabalhei dois anos no restaurante dos meus pais e um dia disse ao meu pai que queria voltar a estudar porque percebi que o 9.º ano não era suficiente, então decidi juntar o útil ao agradável, ou seja, concluía o secundário numa área que gostava. Um dia o chef Cordeiro foi almoçar ao restaurante dos meus pais, tinha acabado de ganhar a estrela Michelin na Casa da Calçada (2004), e eu, que estava super envergonhado na cozinha, pedi ao meu pai para lhe ir perguntar para que escola é que ele me aconselhava ir estudar cozinha. Ele falou logo na Escola de Hotelaria e Turismo de Santa Maria da Feira, e assim que o almoço acabou e ele foi embora peguei no telefone e inscrevi-me. Mal entrei percebi logo que era aquilo que queria fazer.

Chegou a agradecer ao chef Cordeiro?
Claro, ele ainda hoje fala nisso. Acho que se lhe falarem no meu nome ele lembra-se desta história.

"Nas primeiras aulas só via dedos cortados e muita gente a ir para o hospital, mas eu conhecia bem o produto só de ver o meu pai a arranjar alguns ingredientes. Sabia o nome dos peixes todos, os outros só sabiam o robalo e a dourada porque era o que liam na prateleira do supermercado."

Esteve lá três anos, o que mais recorda dessa experiência?
Do regime militar que vivi, naquele tempo havia mesmo muita disciplina e isso foi importante para mim. Por exemplo, não podia ter a barba como a vê hoje, tínhamos um cartão com a nossa identificação preso no fato e o chef pegava no cartão e passava-nos pela barba, se ele fizesse barulho já não almoçávamos. Havia bastante rigor e isso foi essencial no meu percurso, hoje as coisas são mais simplificadas.

Isso agrada-lhe?
Não, numa cozinha têm de existir regras e disciplina, se não é dado na base depois torna-se muito difícil entranhar isso num contexto profissional. Costumo dizer que não fui à tropa, mas fui para a escola de hotelaria e turismo.

Em que se destacava?
Nas primeiras aulas de cozinha só via dedos cortado e gente a ir para o hospital, mas eu já dominava a faca e também conhecia bem o produto só de observar o meu pai a arranjar alguns ingredientes. Sabia o nome dos peixes todos, os outros sabiam apenas o robalo e a dourada porque era o que liam na prateleira do supermercado.

Já consegue comer lampreia?
Ainda não [risos]. Provo e consigo trabalhar com ela tranquilamente, mas evito ao máximo comer. Há determinadas peças que ainda hoje me fazem alguma confusão porque em miúdo via o meu pai a arranjá-las e não gostava. Lembro-me de esfolar lebres com ele, por exemplo, e ainda hoje não consigo sentir aquele cheiro, mas naquela altura fazia tudo, não tinha outro remédio.

Em que não era assim tão bom na escola e teve de se superar?
A minha maior dificuldade sempre foi a parte mais teórica, tinha sempre que decorar imensa coisa, imensas receitas, molhos, caldos, essa parte era chata.

Como é que depois vai parar ao Algarve?
Os melhores alunos em cozinha eram escolhidos para irem para os melhores sítios estagiar, na altura fui selecionado para ir para o Pine Cliffs, em Albufeira. Lá consegui juntar o melhor de dois mundos, estar no Algarve, receber um salário — que era uma coisa rara em estágios — e tinha uma diversidade grande de restaurantes no resort, o que me deu a possibilidade de conhecer chefs de outras nacionalidades, e me abriu portas para outro tipo de cozinhas. Depois regressei a Santa Maria da Feira para terminar o curso e logo a seguir o hotel pediu-me para voltar, algo que não era muito comum, foi até necessária uma autorização especial do Turismo de Portugal. Voltei ao Algarve já como cozinheiro profissional e estive lá um ano.

Quando voltou ao norte, foi para o Porto?
Sim, conhecia o chef Luís Américo e um dia ele ligou-me a dizer que ia abrir um restaurante, o Mesa, e queria contratar-me para fazer parte da equipa. Estive a trabalhar com ele um ano e depois tive um convite para voltar para o Algarve, para reabrir o restaurante Amadeus, em Almancil. Aí vou para um mundo completamente diferente, entro no universo Michelin como braço direito do chef Siegfried Danler Heinemann. Fiquei lá perto de dois anos, até o restaurante fechar.

No meio destas viagens Porto-Algarve nunca pensou ir para fora de Portugal?
Sim, a certa altura ponderei ir para Barcelona, onde estava a abrir o W. Ainda tentei, mas aquilo era sete cães a um osso e não consegui. Se calhar tinha feito diferença no meu percurso, mas o facto de ter trabalho com muitos chefs internacionais permitiu-me aprender culturas diferentes cá dentro.

Ainda vai a tempo…
Não, seria uma asneira sair agora de Portugal.

Depois de passar pelo Algarve, Arnaldo Azevedo ganhou raízes profissionais no Porto, onde esteve 8 anos no restaurante Palco e desde 2019 comanda a cozinha do Vila Foz

Igor Martins / OBSERVADOR

Regressou ao Porto definitivamente para trabalhar no Hotel Teatro, também pela mão de Luís Américo.
Sim, o Luís estava a dar consultoria, tinha feito a abertura do restaurante Palco, e convidou-me para assumir a cozinha. Entrei e fiquei durante oito anos.

Foi lá que mudou a ideia, por vezes comum, de que os restaurantes dos hotéis não prestam?
Sim, acho que consegui isso. Mudei o registo habitual do conceito do restaurante de hotel, numa época em que ainda havia muito aquele preconceito de serem espaços demasiado formais, caros ou que serviam pequenas quantidades. Tentei quebrar isso ao máximo, ao almoço trabalhávamos com o menu executivo, mas à noite já tínhamos menus de degustação, já fazíamos um trabalho diferenciador naquele que é o caminho da alta cozinha. Claro que isso só foi possível porque a administração do hotel me permitiu fazer essa mudança, o que abrigou a reforçar a equipa para poder consolidar todo o processo criativo do restaurante.

Foi a primeira vez que sentiu essa liberdade?
Sim, foi a primeira vez que assumi a liderança de uma cozinha e de uma equipa, tinha uns 25 anos. Deram-me autonomia e liberdade para poder crescer e fazer a diferença, quando estamos amarrados ou temos limitações não conseguimos evoluir, se nos cortam as pernas não conseguimos caminhar.

Esse tipo de limitação pode passar por onde? Orçamento, interesses, imagem?
Claro que o orçamento é sempre importante, porque para estruturarmos uma equipa temos de ter dinheiro, é uma das bases fundamentais para crescer. Depois é importante dar liberdade para conseguirmos implementar registos nem sempre muito consensuais num hotel. Chegaram a falar do Palco como um dos potenciais merecedores da estrela Michelin, nunca chegou a acontecer, mas sinto que deixei uma marca e orgulho-me desse legado.

Em maio de 2019 abraçou um novo desafio no Vila Voz com dois conceitos de restauração muito diferentes. Em qual deles se sente mais em casa?
Nos dois. O Flor de Lis fala muito do meu crescimento, não é que seja um restaurante tradicional puro e duro, mas conseguimos ter uma carta bastante abrangente e diversificada. Depois é importante ter o restaurante Vila Foz para poder dar continuidade ao que já fazia no Palco, algo mais ligado à alta cozinha. Mas considero que qualquer cozinheiro tem de dominar as bases da nossa cultura gastronómica antes de passar para este patamar.

Coordena uma equipa de 30 pessoas, como se define enquanto líder?
Acima de tudo tem de existir respeito e bom ambiente, quando isso não existe numa cozinha é muito complicado gerir as coisas porque é muita gente a trabalhar ao mesmo tempo e sob pressão. Por vezes tem de partir de mim ser aquele que põe a água na fervura, mas claro que quando é preciso chamar a atenção também o faço. Acho que a motivação existe se mantiver as pessoas alegres, não podemos só tirar, também temos que dar. Se tivermos aqui gente a trabalhar horas a mais sem lhes dar o devido descanso, eles vêm forçados e isso é meio caminho andado para que as coisas não corram bem. Há tempo para rir, há tempo para estar concentrado e, claro, que há momentos de exaltação, mas o bom ambiente que existe sempre, acredito que com calma e bom senso tudo se consegue. Se houver algum problema falamos no fim do serviço, ninguém vai para casa com nada por dizer.

Neste restaurante criou o Kitchen Seat, um balcão junto da cozinha aberta que prova que não é daqueles chefs tímidos que gostam de trabalhar isolados. Gosta de interagir com o cliente? É importante que isso aconteça?
Sim, criei este balcão porque a cozinha é aberta, é bom os clientes verem tudo e não lhes esconder nada. Sempre quis que as pessoas pudessem ver tudo, até mesmo quando estão à espera de mesa ou a beber um copo. É importante verem o bom ambiente, onde é feito o que comem, e em que condições. Quando as pessoas vêm cá, não é apenas para comer, mas para terem uma experiência e ser eu a fazer esse acompanhamento, a explicar a história, a inspiração e a confeção do prato, torna essa experiência mais personalizada.

Há ainda uma pegada tradicional das suas raízes no seu trabalho?
Penso que sim. A base de tudo passa pela cozinha tradicional, claro que com técnicas diferentes, mas acho que em quase todos os meus pratos essa base está lá e é visível.

"Tinha um feeling que alguma coisa estaria para acontecer, há sempre uma réstia de esperança, mas estava um bocadinho às escuras. Nunca me quis focar muito no prémio para depois não sair desiludido, mas de repente estamos ali no núcleo duro onde estão os melhores chefs do mundo."

Como é que o seu pai reagiu à estrela Michelin?
Ficou muito contente, é sempre um marco importante na carreira de um cozinheiro e há uma emoção grande. Não consegui falar com ele no dia, liguei aos meus pais só no dia seguinte e até os convidei para virem cá ao hotel porque não conseguia sair daqui. O meu pai não é uma pessoa muito efusiva, é capaz de se abrir mais com outras pessoas do que propriamente comigo, mas claro que sei que ficou orgulhoso, primeiro porque segui as pisadas dele e depois por ter conseguido chegar onde cheguei.

Como foi o dia da gala?
Não fui sozinho, levei alguns elementos da minha equipa, mas foi um dia complicado, tivemos que comprar o voo um bocado à pressa e para o dia em questão não havia voos diretos do Porto, então passei o dia praticamente todo no aeroporto e acabei por não comer quase nada. Cheguei a Valência ao final da tarde, depois da cerimónia fui jantar ao restaurante do hotel, um tártaro de novilho com foie gras, e vim embora no dia seguinte de madrugada.

Conseguiu dormir alguma coisa?
Nessa noite dormi uma hora, cheguei ao Porto às 7h e dormi mais uma hora, depois vim direto para o hotel, onde já estava toda a gente à minha espera. Falei com os meus pais à hora do almoço, como os apanhei a trabalhar a minha mãe falou-me a correr. Não foi muito efusiva, deu-me os parabéns, claro, mas via-se que estava num ambiente de alguma pressão. Depois disse-lhes para virem ao hotel e estivemos aqui a conversar.

Estava nervoso ou tinha a sensação de que iria mesmo ganhar?
Estava bastante nervoso porque foi a primeira vez que pisei um palco daqueles, nunca tinha ido a uma gala do Guia Michelin. Quando somos convidados ainda não temos a certeza de nada, posso ser convidado e não receber nada.

Como assim?
Normalmente quem é convidado ou já tem uma distinção ou irá para ganhar algum prémio, era muito triste se fosse só para bater palmas. Recebi o convite por email três semanas antes e quando abri aquilo fiquei contente, mesmo que não recebesse nada já ficaria contente por ir. Tinha um feeling que alguma coisa estaria para acontecer, há sempre uma réstia de esperança, mas estava um bocadinho às escuras. Nunca me quis focar muito no prémio para depois não sair desiludido, mas de repente estamos ali no núcleo duro onde estão os melhores chefs do mundo.

Conseguiu falar com algum?
Os portugueses sim, cumprimentei-os e sou amigo de todos, mas com os estrangeiros não, é um ambiente formal e de muita pressão, que não permite muitos convívios. Há um jantar depois da gala, mas como tinha pessoas à minha espera fora só fui cumprimentar a malta conhecida e acabei por sair para ir comer qualquer coisa.

Lampreia e lebre são dois produtos que o chef evita comer, as recordações de infância com o pai explicam a aversão

Igor Martins / OBSERVADOR

Sempre disse que não era obcecado pela estrela e não ganhá-la não lhe tirava o sono. A esta distância, a que lhe sabe este prémio?
Acho que chegou na altura certa e com o projeto certo, passamos um momento complicado na restauração, por isso acaba por ter outro sabor. Nunca foi uma coisa com a qual vivesse obcecado, acho que a obsessão acaba por me prejudicar. Claro que era algo que gostava que acontecesse por mim, pelo restaurante, pelo hotel e, sobretudo, pela equipa. Todos trabalhamos com determinados objetivos, quando se tem uma equipa esforçada e que dá o corpo às balas para que as coisas evoluam, é sem dúvida um prémio muito gratificante.

O que é que ele muda na prática?
Acho que não muda grande coisa, obriga-nos a querer fazer mais e melhor para não defraudar de certa forma a distinção que recebemos. Há uma pressão acrescida de não falhar e manter este nível de qualidade e, se possível, melhorá-lo. Na minha forma de trabalhar penso que não irá mudar nada, iremos fazer o mesmo percurso feito até agora e o mesmo esforço, talvez estejamos mais atentos ao detalhe e a margem de erro tem de ser nula. O que se notou logo foi a curiosidade por parte do público, a partir do momento em que saiu a notícia da estrela o restaurante passou a estar praticamente cheio todos os dias.

O Porto está cada vez mais bem servido de ‘estrelas’. Como olha hoje para a cidade a nível gastronómico?
Ter cada vez mais restaurantes estrelados é um sinal positivo para o Porto, quantos mais existirem melhor, porque atrai mais gente. O público que escolhe este tipo de restaurantes é um público interessante, informado e não necessariamente internacional, o que é ótimo. Por outro lado, o cliente que nos visita não se fica apenas pelos menus de degustação que duram três horas à mesa, também vai ao restaurante mais tradicional na baixa ou em Matosinhos, e essa captação de pessoas é bom para a cidade. Não têm que existir só restaurantes Michelin, há lugar para todos. O guia é importante porque tem uma dimensão mundial que atrai bastantes curiosos, mas há espaço para todos.

A concorrência fervorosa entre chefs existe ou é um mito?
Existe uma concorrência saudável. Damo-nos todos bem, juntamo-nos e partilhamos ideias, fazemos jantares a várias mãos e eu gosto dessas experiências por aprendemos bastante uns com os outros. É importante que exista uma certa harmonia entre cozinheiros, afinal, falamos todos a mesma língua. Não tem que haver rivalidades, comigo pelo menos não existe.

Com quem ainda gostaria de partilhar uma cozinha?
Há um chef com o qual simpatizo bastante, não é português, mas gosto muito do trabalho que faz, que é o Hans Neuner, do restaurante Ocean. Adorava um dia poder fazer um jantar com ele aqui, temos uma boa relação, gosto muito do tipo de cozinha que ele pratica, é uma pessoa que puxa por Portugal ao máximo.

Há uma nova geração de chefs premiados que cresceram em restaurantes da família, isso pode efetivamente fazer a diferença num percurso profissional?
Acredito mesmo que a cozinha está em constante evolução e o nosso crescimento é feito com estudo de produto, viagens e uma pitada de criatividade. Quem já vem com algumas noções do que é a cozinha talvez tenha facilidade numa fase inicial, mas depois tem de existir um trabalho contínuo de dedicação, interesse e procura. Só assim é que conseguimos crescer.

Ainda volta muitas vezes ao Toca da Formiga?
Sempre que posso vou lá almoçar, não consigo ir todos os dias, mas sempre que posso, vou. Como almoço sempre muito tarde, coincide com a hora do almoço dos meus pais e então juntamo-nos.

Fica na sala ou não resiste a entrar na cozinha?
Fico na sala com eles, é uma forma de conversarmos um bocadinho e comer qualquer coisa juntos. Esta é uma vida sem horários, que nos absorve bastante, e a família fica um bocadinho de parte, sou filho único e sempre que posso vou lá vê-los.

Além deste, qual é o seu restaurante favorito no Porto?
Ui, esta é uma pergunta difícil. Ainda ontem fui a um restaurante que adoro em Amarante, uma coisa muito pequenina e familiar especialista em leitão de porco bísaro. Numa escapadela a meio da tarde adoro ir ao Gazela comer um cachorro, na verdade é impossível comer só um, acho que o máximo que já comi foram uns quatro ou cinco. Peixe e marisco vou sempre ao Gaveto e à Marisqueira Antiga, ambos em Matosinhos.

Costuma cozinhar em casa?
É muito raro, no pouco tempo que tenho, normalmente ao domingo, procuro ir sempre a qualquer lado comer. Estou num registo de alta cozinha e para descomprimir prefiro ir a sítios simples, além de que sair de uma cozinha e ir logo para casa não dá para mim, há sempre uma adrenalina que é preciso extravasar.

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