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O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, participa na sessão de encerramento do II Encontro Nacional dos NPISA - Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo, Leiria, 25 de outubro de 2022. PAULO CUNHA/LUSA
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Marcelo Rebelo de Sousa foi o mais interventivo no caso de Alexandra Reis

PAULO CUNHA/LUSA

Marcelo Rebelo de Sousa foi o mais interventivo no caso de Alexandra Reis

PAULO CUNHA/LUSA

As hesitações, os avanços, as pressões e os recuos de Marcelo no caso TAP

Presidente assumiu-se como protagonista de um caso polémico no Governo: desde que a notícia foi conhecida apenas esteve em silêncio um dia. Antes disso, assumiu várias posições sobre o mesmo tema.

Começou por recusar comentar o caso Alexandra Reis. Depois atestou a legalidade de tudo. No mesmo dia, no entanto, sugeriu que era “bonito” que a agora ex-secretária de Estado devolvesse o dinheiro que recebeu da companhia aérea. À medida que se ia conhecendo os detalhes, não conseguiu esconder a irritação por ter dado posse a uma governante com rabos de palha sem que o Governo tivesse feito o trabalho de casa. Mais tarde, defenderia os ministros envolvidos, para logo deixar uma sugestão no ar: talvez a demissão de Alexandra Reis não fosse “suficiente”. E o resto é história.

Foi quase uma semana de dúvidas, avanços e recuos, defesas e críticas ao Governo. Desde o dia em que foi revelado que uma das mais recentes secretárias de Estado do Executivo teria recebido 500 mil euros para sair da TAP, as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa multiplicaram-se — às vezes no mesmo dia.

Para descontentamento de muitos socialistas, foi o Presidente da República a alimentar a fogueira política e mediática, ao ponto de revelar detalhes alegadamente confidenciais — como o facto de ter existido a possibilidade de a indemnização ser não de 500 mil euros, mas quase de 1,5 milhões.

O caso acabou por se tornar mais grave para o Governo e para António Costa quando levou à demissão de um dos mais importantes ministros do Executivo e de um dos possíveis sucessores do líder socialista. O ano termina com Marcelo Rebelo de Sousa como um dos protagonistas de uma das maiores crises políticas que o PS teve de enfrentar.

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Correio da Manhã

TAP paga indemnização de 500 mil euros a governante por cessação antecipada.” A manchete do Correio da Manhã noticiou que a nova secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, recebeu uma indemnização da TAP por cessação antecipada do cargo de administradora executiva. Na altura, era revelado que a gestora tinha renunciado ao cargo.

24 de dezembro de 2022

Na véspera de Natal, a manchete do Correio da Manhã dava início a uma polémica que se estenderia por vários dias e que acabaria por levar à demissão de três governantes: Alexandra Reis, a protagonista da notícia e secretária de Estado do Tesouro que saiu da TAP em fevereiro, passou pela NAV a convite de Pedro Nuno Santos e que chegou ao Governo no início do mês de dezembro pela mão de Fernando Medina; Hugo Mendes, o secretário de Estado das Infraestruturas que recebeu a informação do valor da indemnização que a TAP e Alexandra Reis acordaram e não a terá comunicado ao ministro; o próprio Pedro Nuno Santos, que era já o responsável pela pasta das Infraestruturas quando a indemnização foi paga; e Fernando Medina, agora ministro das Finanças e casado com Stéphanie Sá Silva, que foi a diretora jurídica da TAP até março, mas que estava de licença da maternidade à altura dos factos. 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa discursa durante a cerimonia de abertura solene do Ano Letivo da Academia da Força Aérea, na Base Aérea N.º 1, em Sintra, 29 de novembro de 2022. RODRIGO ANTUNES/LUSA
Marcelo Rebelo de Sousa

Não costumo comentar casos concretos, muito menos não conhecendo. Verei se faz sentido ou não comentar o caso em abstrato.”

24 de dezembro

Esta foi a primeira vez em que Marcelo Rebelo de Sousa foi confrontado publicamente sobre o tema e optou por não comentar. Não disse nem uma palavra sobre o tema e remeteu-se ao silêncio. Mudaria rapidamente de opinião: nos dias que se seguiram, o Presidente da República foi o mais interventivo de todo o processo, sem deixar que o tema se diluísse nos dias festivos.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa discursa durante a cerimonia de abertura solene do Ano Letivo da Academia da Força Aérea, na Base Aérea N.º 1, em Sintra, 29 de novembro de 2022. RODRIGO ANTUNES/LUSA
Marcelo Rebelo de Sousa

À primeira vista, juridicamente, a ida para o Governo parece não ter problemas de incompatibilidades. Depois há sempre uns problemas que se podem levantar, como os vencimentos ganhos em determinadas empresas onde há capital público, ou as indemnizações.”

25 de dezembro

No dia de Natal, Marcelo Rebelo de Sousa não só quebrou o silêncio, como mostrou que tinha feito questão de se inteirar sobre o tema antes de voltar a falar. Nessa altura, escudou-se na legalidade e assegurou que, “à primeira vista” e em termos jurídicos, aparentemente não havia “problemas de incompatibilidade” na indemnização a Alexandra Reis. A reação do Presidente da República incomodou a oposição, que começava a despertar para o tema e via no gesto de Marcelo mais uma tentativa de proteger António Costa.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa discursa durante a cerimonia de abertura solene do Ano Letivo da Academia da Força Aérea, na Base Aérea N.º 1, em Sintra, 29 de novembro de 2022. RODRIGO ANTUNES/LUSA
Marcelo Rebelo de Sousa

Por aquilo que apurei, trata-se de uma indemnização negociada de um terço e a sua saída foi por decisão da empresa e não a pedido da própria. Tinha direito por lei a ter aquilo, mas na medida em que está a exercer uma função pública há quem pense que era bonito prescindir disso, atendendo a que está noutra função. Mas do ponto de vista jurídico, a lei permite isto.”

25 de dezembro

Era pela voz do Presidente da República que se o caso se tornava cada vez mais difícil de entender: Marcelo Rebelo de Sousa revelou que foi a TAP a requerer a rescisão com Alexandra Reis (uma informação que viria mais tarde a ser confirmada pela própria companhia aérea) e que a indemnização paga seria um terço da que foi inicialmente pedida (o que também se viria a confirmar). Mas enquanto revelava informações, também deixava o primeiro recado: estando Alexandra Reis a exercer uma função pública seria “bonito” prescindir do valor. Mais concretamente: “Há quem pense que era bonito prescindir disso.”

Pedro Nuno Santos e Fernando Medina

O Governo revelou, num comunicado conjunto com os ministérios das Finanças e o das Infraestruturas e da Habitação, que emitiu um despacho a pedir explicações à TAP sobre o acordo celebrado entre a companhia aérea e a atual secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis.

26 de dezembro

No dia 25 de dezembro começaram a surgir as primeiras reações através das redes sociais e, a 26 de dezembro, o caso começou a tomar outras proporções. Nesse dia, o Governo pediu formalmente explicações à administração da companhia aérea e os partidos começaram a pedir esclarecimentos aos ministros sobre a saída de Alexandra Reis da TAP.

Alexandra Reis

Nunca aceitei – e devolveria de imediato caso já me tivesse sido paga – qualquer quantia em relação à qual não estivesse convicta de estar ancorada no estrito cumprimento da lei.”

26 de dezembro

Alexandra Reis, que ainda não tinha falado sobre o tema, resolveu fazê-lo através de uma nota enviada à agência Lusa, tentando afastar dúvidas sobre a possível ilegalidade na indemnização que recebeu da TAP, e aproveitando também para esclarecer que a rescisão com a companhia área aconteceu por solicitação da empresa e não porque quis abandonar o cargo. Foi a primeira e única vez que falou sobre o tema. 

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa discursa durante a cerimonia de abertura solene do Ano Letivo da Academia da Força Aérea, na Base Aérea N.º 1, em Sintra, 29 de novembro de 2022. RODRIGO ANTUNES/LUSA
Marcelo Rebelo de Sousa

Vale a pena verificar duas coisas: primeiro porque é que terminou aquela colaboração. Correu mal? Incompatibilidades? Deve haver ‘N’ razões funcionais. Em segundo lugar, nestes termos, qual foi o critério seguido para dar aquela indemnização. É importante para todos, para quem nomeia, para quem é nomeado e para os portugueses, o que se passou nessa pré-história.”

26 de dezembro

No entanto, Marcelo Rebelo de Sousa não retirava a pressão. Desta vez, focou-se nos motivos que levaram Alexandra Reis a deixar a TAP. Primeiro, exigiu saber o que “correu mal”; depois, disse que era importante conhecer os critérios que levaram à indemnização dos 500 mil euros. O Presidente da República admitiu que tinha a “sensação” de que tinha sido a empresa a terminar o contrato e que a indemnização seria por esse motivo, mas não escondia a irritação com a falta de dados concretos. Foi nessa altura que recordou que tinha dado posse à secretária de Estado meses antes e que, portanto, tinha direito a ser informado.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa discursa durante a cerimonia de abertura solene do Ano Letivo da Academia da Força Aérea, na Base Aérea N.º 1, em Sintra, 29 de novembro de 2022. RODRIGO ANTUNES/LUSA
Marcelo Rebelo de Sousa

Eu quero perceber os contornos. Há uma questão de direito e outra política, ou de imagem política ou de compreensão política. Estão ligados entre si. Vamos tentar perceber um para perceber o outro. (…) Eu estou a dizer que se deve começar pelo início. As pessoas esperam o esclarecimento, aí se retirará ou não as consequências do que foi esclarecido.”

27 de dezembro

É a primeira vez que Marcelo Rebelo de Sousa admite a hipótese de demissão de Alexandra Reis. Ao mesmo tempo, blinda Fernando Medina, um ministro que “não tinha nada a ver com o acordo dos transportes aéreos”, e sugere que Pedro Nuno Santos, no limite,  “pode não saber” os detalhes do acordo.

PS não deixa cair Pedro Nuno, mas pede calma. Pedronunistas atiram forte a Medina

O primeiro-ministro, António Costa, discursa durante a apresentação da Direção Executiva do Serviço Nacional de Saúde, em Lisboa, 12 de dezembro de 2022.. RODRIGO ANTUNES/LUSA
António Costa

Desconhecia em absoluto os antecedentes. Naturalmente solicitei esclarecimentos aos ministros que tutelam a TAP, que estão a avaliar a questão. (…) Quanto ao mais [aguardo] o esclarecimento cabal dos factos e da sua qualificação jurídica.”

27 de dezembro

Na terça-feira, três dias depois de revelado o caso e quando já existia muita pressão política e mediática, António Costa pronunciou-se pela primeira vez. Por escrito, sem perguntas dos jornalistas e, tal como já tinha feito Alexandra Reis, em declarações à agência Lusa. Distanciava-se de culpas, confirmava que tinha pedido esclarecimento e já deixava a porta aberta à saída da secretária de Estado.

A presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener, durante a apresentação de resultados do 3.º trimestre, na sede da TAP em Lisboa, 2 de novembro de 2022. JOÃO RELVAS/LUSA
TAP

Como contrapartida pela cessação de todas as referidas relações contratuais, e não obstante a pretensão inicial de Alexandra Reis se cifrar em € 1.479.250, foi possível reduzir e acordar um valor global agregado ilíquido de € 500.000 a pagar a Alexandra Reis.”

27 de dezembro

Os esclarecimentos da TAP pedidos pelo Governo chegaram na terça-feira à noite com valores, sustentação jurídica e os contornos da saída de Alexandra Reis. A secretária de Estado tinha mesmo recebido 500 mil euros, mas tinha pedido 1,5 milhões, numa altura em que a TAP estava já ao abrigo do plano de reestruturação que determinou cortes salariais e de pessoal. Por outro lado, desfaz-se a maior dúvida: Alexandra Reis foi convidada a sair pela companhia aérea.

Ministério das Finanças

Solicitei hoje mesmo à Eng.ª Alexandra Reis que apresentasse o seu pedido de demissão como Secretária de Estado do Tesouro, o que foi por esta prontamente aceite. Tomei esta decisão no sentido de preservar a autoridade política do Ministério das Finanças num momento particularmente sensível na vida de milhões de portugueses.”

27 de dezembro

 

O comunicado da TAP não demorou a fazer a primeira vítima no Governo. O ministro das Finanças anunciou, pouco antes da 00h do dia 27 de dezembro, que tinha pedido a Alexandra Reis para apresentar o pedido de demissão.

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa discursa durante a cerimonia de abertura solene do Ano Letivo da Academia da Força Aérea, na Base Aérea N.º 1, em Sintra, 29 de novembro de 2022. RODRIGO ANTUNES/LUSA
Marcelo Rebelo de Sousa

Estamos perante uma situação em que todos percebemos que o PR desconhecia, o PM desconhecia, e os ministros desconheciam. Como assinalei desde o início, era importante a questão política, não tanto ética nem apenas jurídica, do que tinha acontecido. O Governo retirou a conclusão política, e bem. (…) Quando se chega à conclusão de que se está a pôr em causa a perceção e a afirmação política do Governo, é melhor substituir. Se para isso for necessário ir mudando o Governo, muda-se. Se basta o que já se mudou, veremos se é suficiente.”

28 de dezembro

É a “declaração chave” de Marcelo Rebelo de Sousa. Depois da demissão da secretária de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa elogiou a decisão do Governo, e atravessou-se pelo primeiro-ministro e ministros ao assegurar que “todos” perceberam que “desconheciam” a situação. Ao mesmo tempo, no entanto, o Presidente da República atinge o coração do Governo ao não fechar a porta a outras saídas, referindo que é preciso perceber se a demissão de Alexandra Reis é ou não “suficiente”. 

RTP
A RTP abre o Telejornal com a garantia de que o gabinete de Fernando Medina desconhecia a indemnização concedida a Alexandra Reis e que só ficou a par dos contornos do caso à medida que ia saindo as primeiras notícias. 

Às 20h, a RTP abre o noticiário como uma declaração do Ministério das Finanças onde se garantia que Fernando Medina não conhecia os detalhes da demissão de Alexandra Reis da TAP, muito menos o valor pago à agora ex-secretária de Estado. A comunicação de Medina acabaria por deixar ainda mais isolado Pedro Nuno Santos e terá desempenhado um papel importante na decisão de bater com a porte — Pedro Nuno terá percebido que ia a ser o alvo a abater dali em diante. 

O ministro das Infraestruturas e Habitação, Pedro Nuno Santos, intervém durante a conferência de imprensa no final da reunião do Conselho de Ministros, que decorreu nas instalações do antigo Ministério do Mar, em Algés, Oeiras, 22 de dezembro de 2022. ANTÓNIO COTRIM/LUSA
Pedro Nuno Santos

Face à perceção pública e ao sentimento coletivo gerados em torno deste caso, o Ministro das Infraestruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, entende, neste contexto, assumir a responsabilidade política e apresentou a sua demissão ao primeiro-ministro.”

29 de dezembro

Em comunicado, Pedro Nuno Santos apresenta a demissão e explica que, previamente, Hugo Mendes, secretário de Estado das Infraestruturas, tinha pedido para sair — afinal, fora mesmo informado de todo o processo com Alexandra Reis e do valor da indemnização através de um e-mail da companhia aérea que, aparentemente, não partilhou com Pedro Nuno Santos. Era a queda de um dos mais importantes ministros do Governo no seguimento da polémica com Alexandra Reis.

A queda do sucessor. Um email de fevereiro ditou uma saída que o Governo considerou “vital”

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa discursa durante a cerimonia de abertura solene do Ano Letivo da Academia da Força Aérea, na Base Aérea N.º 1, em Sintra, 29 de novembro de 2022. RODRIGO ANTUNES/LUSA
Marcelo Rebelo de Sousa

Quando alguém pede demissão da função governativa é porque entende que não tem condições políticas. Ninguém pode ser preso a ficar no Governo. (…) Não havendo uma maioria absoluta clara de alternativa não se pode estar a recorrer de oito em oito meses à bomba atómica. Não é claro que surgisse uma alternativa evidente, forte e imediata àquilo que existe no Governo. O experimentalismo não é a coisa melhor para a saúde das democracias.”

30 de dezembro

Marcelo Rebelo de Sousa, que foi o primeiro a falar sobre o caso, acaba por dá-lo como terminado, dizendo que quem considera que “não tem condições políticas” para ficar no Governo deve sair — dando razão a Pedro Nuno Santos — e deixando um recado à oposição, que cavalgou o tema de modo a enfraquecer o Executivo e propondo eleições antecipadas: o Presidente da República não usa a “bomba atómica” quando considera que não há “uma maioria absoluta clara de alternativa”. Estava consumada a crise política.

António Costa não via necessidade na saída Pedro Nuno Santos

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