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Uma fotografia dos filhos de Rui Tavares numa escola privada internacional marcou grande parte do debate do porta-voz do Livre com André Ventura. O assunto foi levado pelo próprio Tavares para o debate, já que a foto terá sido tirada secretamente e colocada a circular nas redes sociais e depois usada por um deputado do Chega, tema que chegou ao Parlamento. A discussão azedou, com Ventura a negar conhecer o assunto e a acusar Tavares de incoerência e hipocrisia, por defender a escola pública e ter os filhos em escolas privadas e lembrou que sempre andou no sistema público, enquanto o porta-voz do Livre falava dos rumores que põem em causa a segurança de famílias.
Não foi o único tema a gerar discussão. O agravar de penas foi outro. Ventura afirmou que as palavras penas, prisão, apreensão ou confisco aparecem “zero vezes” no programa do Livre. “Rui Tavares quer toda a gente à solta, bandidagem ou não, violadores, homicidas, terroristas”, afirmou, depois de ter começado ao ataque pela Justiça, mas apontando ao PS, por Pedro Nuno Santos ter mudado de opinião sobre o caso da Madeira, e falando mesmo do PSD.
Acabaram ambos com ataques cruzados sobre quem apoia quem. Rui Tavares está na organização do “maior oligarca do mundo”, disse André Ventura, falando de George Soros; Ventura é aliado de “Trump, Bolsonaro e Órban”, acusou Tavares; o líder do Chega disse ainda que o porta-voz do Livre era próximo de países que “não foram capaz de condenar a Rússia” e ouviu que o Chega vai parar ao grupo mais pró-Putin no Parlamento Europeu.
Antes, o debate entre Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua começou com o possível acordo entre ambos. A porta-voz do Bloco insistiu num compromisso escrito, Pedro Nuno Santos atirou a possível coligação para depois das eleições. Mortágua disse que PS e BE têm “responsabilidade de apresentar uma solução de estabilidade” para “virar a página da maioria absoluta na educação, habitação e salários”. Pedro Nuno afirmou que todos sabem que da sua parte há “disposição para construir uma solução de Governo que inclua o BE”.
Na questão da Justiça, ambos concordaram com as explicações da PGR sobre a Madeira e Pedro Nuno Santos até aplaudiu medidas do programa do Bloco para o sector. Mas, na questão das nacionalizações, a divergência já foi grande. Outros temas sem acordo foram a Saúde e a Habitação. O Bloco também atacou a maioria absoluta por não ter usado a Caixa para resolver a questão dos juros do Crédito à Habitação. Pedro Nuno acusou-a de “diagnosticar um problema mas não apresentar boas soluções”. Foi o penúltimo debate de Mariana Mortágua que se despede dos frente a frente televisivos domingo com Inês Sousa Real.
Este sábado Rui Tavares e Paulo Raimundo têm os seus últimos frente a frente: o porta-voz do Livre debate com Luís Montenegro, às 20h30, na TVI. E o secretário-geral do PCP com Pedro Nuno Santos às 21h00 na RTP3. Pode ver o calendário completo de todos os debates neste gráfico.
Quem ganhou cada um dos debates? Ao longo destes dias, um painel de avaliadores do Observador vai dar nota de 1 a 10 a cada um dos candidatos por cada um dos frente a frente. E explicar porquê. A soma vai surgindo a cada dia, no gráfico inicial.
André Ventura (Chega)-Rui Tavares (Livre)
Ana Sanlez — Há debates menos entusiasmantes que outros, quer seja pela proximidade ou afastamento ideológico dos candidatos, ou até pela própria personalidade dos líderes partidários. Acabamos esses debates a pensar que talvez não tenhamos aprendido nada ou que preferíamos não tê-los visto. O debate entre Rui Tavares e André Ventura acabou com este sentimento. Mas pelo menos, nos casos de debates pouco entusiasmantes, estes foram sempre civilizados. O que aconteceu esta noite entre o porta-voz do Livre e o líder do Chega não dignificou nenhum dos dois candidatos nem a própria democracia. Não é preciso esperar pelo último dos 28 debates para saber que este foi o pior de todos. Havia alguma expetativa sobre a preparação de Rui Tavares para este confronto, mas o líder do Livre optou pela tática bizarra de arrancar o debate com um caso pessoal e uma acusação velada ao Chega. Isso deu argumentos a Ventura para acusar Tavares de “hipocrisia” e parece que até funcionou como uma injeção de confiança e de adrenalina que alimentou o líder do Chega até ao fim. Rui Tavares acusou o nervosismo o tempo todo, esteve sempre hesitante e nunca teve voz para se sobrepor a Ventura. Nem argumentos. O líder do Chega não esteve igual a si próprio. Esteve pior.
Alexandra Machado — É muito difícil escrever sobre um debate que não foi um debate. Rui Tavares, visivelmente (e irreconhecivelmente) nervoso perante André Ventura, quis começar ao ataque associando deputados do Chega nomeadamente Pedro Frazão à fotografia que circula nas redes sociais do seu filho no pátio da escola. Já não é de agora a crítica a Rui Tavares de defender a escola pública e ter filhos no privado. Já explicou que estão numa escola internacional porque a mulher é diplomata. Rui Tavares trouxe o tema e não o soube defender. Criando ambiente riscos para a segurança de pessoas, E depois foi quase meia hora a disputarem amigos internacionais inconvenientes – com André Ventura a usar (também uma tática habitual) recortes de jornais sucessivos como prova dos factos contra Tavares. E ainda teatralizou o Rui Tavares de 2022 quando mostrou a Ventura o programa do Chega (dessas eleições) de nove páginas que falava (dizia então Tavares) zero vezes de cidades, zero vezes de universidades, de ambiente, etc. Tavares viu, esta noite, Ventura fazer-lhe o mesmo quando se tratou de falar de justiça. Sob acusações de hipocrisia e incoerência de um lado, e acusações de mentiroso. Nem a moderadora já sabia o que fazer: “Vou-lhe dizer uma última vez que o seu tempo já terminou [para André Ventura]”. Felizmente o que acabou foi o debate.
Carlos Diogo Santos — Foi um debate que pouco ou nada esclareceu os portugueses, com Rui Tavares a tentar usar desde o início as armas características de André Ventura. O que não lhe correu bem. A estratégia ficou clara logo na nota prévia que fez, de que circulam fotografias na internet do interior da escola privada dos filhos que pretendem provar uma suposta hipocrisia. Sem fazer uma acusação direta ao oponente, lembrou que o assunto já tinha sido levantado por um deputado do Chega e que isso põe em causa a segurança da sua família. Ao jogar no terreno do líder do Chega, rapidamente Ventura passou para a dianteira. Num rápido contra ataque tentou encostar o candidato do Livre à parede, pedindo-lhe que esclarecesse se confirmava que não tinha escolhido a escola publica que elogia. Ao fim de cinco minutos, um terço do debate, pouco mais se tinha falado além disto. A estratégia de Tavares ao jogar por antecipação e matar o assunto logo no início, acabou por colocar o tema no centro do debate. Sobre medidas em concreto, a Justiça foi o primeiro tema, com Ventura a insistir nas suas propostas para apreensão e confisco de bens a suspeitos de corrupção (sem conseguir adiantar outras medidas de relevo) e a afirmar, sobre o caso da Madeira, que não se pode por tudo em causa por causa de uma decisão de um juiz. Já Rui Tavares acabaria por deixar claras as diferenças ao defender um outro pilar, além do do combate à corrupção: o da prevenção. O único ponto de aparente convergência foram as pensões, com ambos a defenderem uma aproximação destas ao salário mínimo — ainda que por caminhos diferentes. Na parte final, foi ver quem conseguia colar mais o outro à Rússia — num dia em que foi anunciada a morte do principal opositor de Putin.
Filomena Martins — O debate da balbúrdia. Completamente caótico. O último frente a frente de André Ventura e o penúltimo de Rui Tavares foi de longe o pior desta longa maratona de duelos televisivos que terminam já segunda-feira. Não se falou de uma única medida concreta. Aliás, de que raio se falou de facto é a grande dúvida. Ou melhor, é a segunda grande dúvida. A primeira é como é que Rui Tavares, o melhor a dominar André Ventura em 2022, foi tão ingénuo desta vez para se ir meter na boca do lobo. Levando para cima da mesa, logo para abrir, o caso pessoal da foto dos filhos tirada à socapa na escola internacional que circulou nas redes — digno da maior indignação, claro, mas antigo —, Rui Tavares estendeu o tapete ao adversário. Nem Ventura esperava uma oferta daquelas. Passou o resto do tempo a cavalgar a incoerência e hipocrisia do Livre, que defende o público mas usa o privado, vangloriando-se de ser um aluno das escolas públicas e pobres de Mem Martins e de estar perante um representante daquilo que toda a gente conhece como a esquerda caviar. Depois ainda estiveram ambos a atirar acusações do quem apoia quem do pior dos lados, de Trump a Lula, de Putin a Maduro, que acabou, imagine-se, a envolver “o maior olicarga do mundo”, George Soros. Degradante. De Rui Tavares esperava-se mais.
Pedro Jorge Castro — Rui Tavares puxou Ventura para o lamaçal e isto correu-lhe mesmo mal. O que é que lhe passou pela cabeça para começar o debate desta maneira? E onde é que o candidato do Livre achava que esta estratégia o ia levar? Perdeu-se, ficou desorientado e já não se levantou. Ventura aproveitou à grande, para se exibir para a câmara, num estilo que pode repugnar parte significativa dos eleitores, mas que não o faz perder votos na sua base. Já Rui Tavares pode ter perdido qualquer coisa entre os indecisos à esquerda, por não ter conseguido encontrar a assertividade de outros debates contra um adversário a que tanto se opõe.
Pedro Nuno Santos (PS)-Mariana Mortágua (Bloco)
Ana Sanlez — O alvo de Mariana Mortágua neste debate não foi Pedro Nuno Santos mas a maioria absoluta. E o líder do PS também não se preocupou muito em defendê-la. Pedro Nuno tem as suas ideias e a maioria absoluta de Costa ficou para trás. E algumas dessas ideias até coincidem com as do Bloco (“Como a Mariana já disse…”). Mas o debate não foi todo de flirt. Apesar de fazerem o mesmo diagnóstico dos problemas, os ex-parceiros de geringonça têm soluções diferentes. Na saúde e na habitação isso ficou claro. Pedro Nuno Santos esteve bem ao desmontar a proposta do BE sobre a redução das taxas de juro do crédito à habitação da CGD. Não é possível, ponto. Pedro Nuno Santos foi muito menos sedento na captação do voto útil do que tinha sido com Rui Tavares, e não ouvimos que “as propostas do Bloco só podem ser aprovadas com o PS no Governo”. Ambos querem muito assinar um papel depois de 10 de março.
Alexandra Machado — O virar da página da austeridade passou com Mariana Mortágua para o virar da página da maioria absoluta. Era o argumento que tinha para mostrar a Pedro Nuno Santos que o PS tem de fazer um novo acordo à esquerda. E, ali, no debate ensaiou-se já uma eventual futura negociação. A saúde é o ponto central, tal como já foi quando o Bloco saiu do acordo de incidência parlamentar conhecido por geringonça. Pedro Nuno levou os temas preparados para um público bloquista, ainda que com diferentes visões sobre o controlo público das empresas – não se pode andar sempre a desconstruir, ainda que noutros momentos o agora líder do PS tenha revelado ideias mais de acordo com as do Bloco (que ainda assim vai mais longe a pretensão de controlo público de várias empresas) como a detenção de uma posição nos CTT (mas o que lá vai lá vai). Mas sabendo que este não será um tema decisivo numa futura negociação, Pedro Nuno deixou claro que não está nos planos do PS fazer qualquer reversão de privatizações. Também deitou por terra duas medidas propostas pelo Bloco, que catalogou de impossíveis, como a de obrigar a CGD a reduzir os spreads do crédito à habitação – usando um argumento “caro” a Mortágua, como o facto de isso só beneficiar quem tem empréstimos e, por isso, ser regressivo, quando os dividendos da Caixa podem ser usados para habitação para todos os portugueses – e a de proibir venda de casas a não residentes. Não há acordo sobre essas matérias, nem no modelo de dedicação plena dos médicos, mas não há linhas vermelhas para nenhum dos dois — uma certeza deixada por Pedro Nuno, num debate que, sem verbalizar, o líder do PS falou para o eleitorado do Bloco. E Mariana Mortágua falou para Pedro Nuno (não se importando com interrupções).
Filomena Martins — Para quem tenha estado desatento às redes sociais, Pedro Nuno Santos antecipou o frente a frente com o Bloco no Twitter com este post: “Hoje debatemos com Mariana Mortágua (…) Será uma boa oportunidade para confrontar duas visões sobre os desafios que enfrentamos hoje, com a certeza de que só um voto no PS permite afastar a direita e a extrema-direita do poder”. Esperava-se assim um líder do PS ainda mais aguerrido do que no debate com Rui Tavares a agarrar na bandeira do voto útil. Mas nada disso. Pareciam ambos à mesa do café naquele início, grandes amigos à conversa, ele a abrir todas as portas para uma solução do Governo com ela e ela, mais precavida, a exigir um papelinho escrito. E estava isto nesta madorna quanto finalmente a coisa lá aqueceu. Primeiro nas privatizações, com que o líder do PS até disse não ter concordado, admitiu terem sido mal feitas, mas, no fato de possível futuro primeiro-ministro, lembrou os compromissos europeus e disse não serem reversíveis: “O que lá, vai lá vai”! Depois Pedro Nuno foi muito hábil a desmontar as propostas da Saúde e da Habitação de Mariana Mortágua (sobretudo quanto ao papel da CGD) — mesmo que o que tenha para oferecer deixe a desejar —, e ganhou-lhe definitivamente com o apoio inequívoco à NATO e a homenagem a Navalny. Sem hostilizar a ex-futura-parceira da geringonça, ficou claro: ele é quem manda se forem viver juntos.
Pedro Jorge Castro — Conhecem aqueles casais de divorciados que se reaproximam e vão passar uma lua de mel antes de se casarem outra vez? São como Pedro Nuno Santos e Mariana Mortágua, esta noite, na RTP. Mas há uma tão grande dificuldade no mercado da habitação que só se casam mesmo se conseguirem passar a coabitar no Palácio de São Bento — sem isso, não há matrimónio, apenas continuarão um flirt a piscar olhos nas bancadas da oposição do Parlamento. Pedro Nuno Santos esteve neste debate como o Benfica em muitos jogos desta época, dando a primeira parte de avanço à adversária. Marcou muitos pontos na segunda parte, sim, mostrando posições mais responsáveis e demonstrando fragilidades do BE, na política de juros da Caixa, na proibição de casas a não residentes, nas propostas para contratar mais médicos para o SNS, a resistir às nacionalizações e mesmo no orçamento da Defesa. O problema é que de um candidato a primeiro-ministro esperar-se-ia que mostrasse ascendente do início ao fim. E na primeira parte Mariana Mortágua mostrou que consegue pôr o líder socialista no bolso, se quiser. A bloquista foi eficaz a apontar culpas à maioria absoluta e mesmo assim mostrou que um acordo pós-eleitoral pode estar mais perto. Ganhou mais votos do que ele neste debate, que não defendeu convictamente o voto útil e se arrisca a ter perdido à esquerda e ao centro em simultâneo. Cenas que acontecem a ex-casais.
Miguel Santos Carrapatoso — O debate era difícil para Pedro Nuno Santos. Não só porque Mariana Mortágua é uma adversária competente, mas também porque o socialista tem um problema de raiz: concorda em muitos aspetos com o Bloco de Esquerda. Aliás, a quantidade de vezes que Pedro Nuno foi apanhado pelas câmaras a acenar com a cabeça em concordância deveria merecer um capítulo num livro que se venha a escrever sobre “Erros a não cometer em debates”. Ainda assim, e ignorando as generalidades que ambos disseram sobre a Justiça, o debate teve bons momentos de confrontação. Pedro Nuno parece ter acordado do estado de letargia em que tinha mergulhado desde que venceu a liderança do PS e, aos poucos, lá vai dominando a arte de debater. Neste frente a frente, conseguiu um equilíbrio difícil: reconhecer que o país enfrenta desafios no acesso à Saúde e Habitação sem trair o legado do PS e sem parecer um ET que pergunta “o que é que não funciona”. Ao mesmo tempo, conseguiu sublinhar que o PS tem soluções exequíveis e moderadas quando comparadas com as de Mortágua, sem cair no erro de hostilizar o eleitorado que flutua entre Bloco e PS. Pedro Nuno caminhava sobre gelo fino, não cometeu muitos erros e, no essencial, foi bem sucedido. Se o grande desígnio do socialista nesta campanha é vestir um fato que não é o dele e falar ao centro, desta vez esteve mais competente. Mariana Mortágua, até pelos desempenhos anteriores, poderia ter feito muito mais. Terá querido poupar o adversário que é, ao mesmo tempo, o único garante de que o Bloco será relevante no futuro? Fica a dúvida. Mas quem joga para o empate perde e Mortágua perdeu — ter como bandeira o combate à crise na Habitação e não responsabilizar diretamente o homem que está à sua frente e que, por mero acaso, teve a pasta durante alguns anos, não pode ter sido um esquecimento inocente. Numas eleições que se farão também de voto útil à direita e à esquerda, pode ter sido uma estratégia arriscada.
Pode ver aqui as notas dos debates desta segunda-feira, terça-feira, quarta-feira e quinta-feira.
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Pode ver aqui as notas dos debates da primeira semana: segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira, sábado e domingo.