Pedro Nuno Santos já carrega consigo um conjunto de polémicas desde que é ministro das Infraestruturas. Em todos os setores que tutela, houve casos. Uns ficaram mais para a história do que outros. Foi o ministro que tentou travar a greve dos motoristas de matérias perigosas e que, recentemente, travou uma greve de pilotos da TAP. A transportadora é, talvez, o seu dossier mais quente, já que foi à conta da TAP que travou vários confrontos.
As polémicas arrastaram, por vezes, colegas de Governo e até o primeiro-ministro, que já tem experiência a desautorizar o governante. Mas, na verdade, muito antes de ser ministro, Pedro Nuno já dava que falar.
Prémios numa empresa com prejuízos e a “falta de confiança” pública nos privados
Ainda a pandemia não estava no horizonte e já Pedro Nuno Santos estava envolvido na grande primeira polémica sobre a TAP, quando, em junho de 2019, um comunicado do ministério que tutelava assumia a contestação à decisão da gestão privada de pagar prémios a altos dirigentes da transportadora que tinha prejuízos.
TAP. Prejuízos, prémios e polémica – 6 respostas e uma pergunta em aberto
O ministro estava em funções há quatro meses. Em comunicado, foram feitas acusações de “falta de confiança” e até desrespeito pelos deveres de colaboração institucional”. A desconfiança dos socialistas face à gestão privada da TAP não era nova, mas o tom das críticas subiu claramente uns níveis com a chegada de Pedro Nuno Santos à pasta. A acrescentar mais pimenta ao caso estava a presença de Lacerda Machado, amigo pessoal de António Costa, na administração da TAP em representação do Estado, que não terá avisado a tutela das Infraestrutururas sobre a decisão dos gestores privados.
Mas o verniz só iria estalar uns meses depois quando, em plena pandemia, e com os aviões parados, o ministro das Infraestruturas assumiu a missão de salvar a TAP em contramão com a estratégia do “privado”, que não estava disponível para por dinheiro na empresa, mas pedia um empréstimo ao Estado.
Se é o povo a “meter dinheiro na TAP, é bom que seja o povo a mandar”
O ministro das Infraestruturas deixou logo claro que o apoio público teria uma consequência: o Estado teria de ter um papel mais interventivo na gestão da TAP. No mínimo. Ou, no limite, ficar com a empresa. Foi numa intervenção em abril, no Parlamento, que Pedro Nuno Santos afirmou algumas das tiradas que mais marcaram o seu estilo político.
“Desde o momento em que decidimos intervir com dinheiro do povo português, qualquer intervenção implicará que o Estado acompanhe todas as decisões com impacto relevante para a empresa. A música agora é outra no que diz respeito à TAP”.
Manifestando desconfiança sobre a capacidade da TAP em reembolsar esse empréstimo e as implicações para o Estado, que teria de dar um aval, o ministro indicou também:
“Nasci e cresci no PS e porque sou socialista e não aceito que o Estado esteja a dar uma mãozinha a quem não quer meter um tostão na empresa”. E “se é o povo português a meter dinheiro na TAP, é bom que seja o povo português a mandar”.
Estava o cenário montado para a decisão que veio a ser anunciada em julho. O Governo acabou por comprar a posição do empresário americano David Neleeman, não sem antes ameaçar com a nacionalização da transportadora.
Pedro Nuno Santos assume que queria levar plano de restruturação da TAP a votos no Parlamento
Pedro Nuno quis levar plano da TAP a votos no Parlamento, Costa não deixou
Ao longo da pandemia e da incerteza sobre o futuro da TAP e as complicadíssimas negociações com a Comissão Europeia, que eram conduzidas não por Pedro Nuno Santos, mas pelo então secretário de Estado do Tesouro, Miguel Cruz, o ministro das Infraestruturas sofreu a primeira desautorização evidente por parte do primeiro-ministro. Pedro Nuno Santos queria levar à discussão (e votação) no Parlamento o plano de reestruturação entregue em dezembro de 2020 em Bruxelas, mas António Costa cortou-lhe as vazas.
“Não faz parte do nosso sistema constitucional que a AR se substitua ao Governo nas funções de governação. Quem governa, governa”, apesar de dever sempre procurar consensos, disse António Costa. Num governo minoritário, seria muito complicado conseguir que a proposta passasse, a avaliar pelas críticas que toda oposição fez ao plano. Pedro Nuno Santos admitiu publicamente que teve “pena”.
Groundforce. Pedro Nuno Santos avança com queixa-crime contra Alfredo Casimiro por gravação ilícita
Groundforce. A conversa gravada sem autorização e o empresário que “mentiu” ao Governo
Ainda com o futuro da TAP na corda bamba, rebentou outra frente de polémica com privados por causa da crise da aviação. Mas no caso da Groundforce, empresa de handling partilhada pela TAP e pelo fundador da Urbanos, o ministro das Infraestruturas até marcou pontos. O primeiro round começou com a gravação não autorizada (e divulgação) feita por Alfredo Casimiro de uma conversa com Pedro Nuno Santos. O ministro respondeu com uma participação-crime contra o empresário.
Mais tarde no Parlamento, o ministro das Infraestruturas arrasou a venda da Groundforce conduzida pelo Executivo de Pedro Passos Coelho, que pagou ao comprador para ficar com a empresa que a TAP era obrigada a vender. E acusou o empresário da Urbanos de manobras de diversão e de mentir.
Esteve a mentir até ao fim e ainda gravou uma reunião com o ministro (que publicou sem autorização e que deu origem a uma queixa criminal). Não podemos fazer de conta que nada se passa e de que estamos perante um empresário igual aos outros”. O dono da Groundforce “provou que não é sério”. Nestes casos, sublinhou, “não se pede recato, tem de se defender o Estado e o povo”.
Quanto ganham os pilotos da TAP? Pedro Nuno revelou e eles contestaram
No final de dezembro, e já depois do plano entregue, Pedro Nuno Santos envolve-se numa polémica com os pilotos da TAP quando, numa entrevista televisiva para explicar o plano, divulgou uma lista dos salários pagos a estes profissionais, antecipando duras negociações que resultaram no corte de vencimentos na empresa. Depois de falar em salários até 260 mil euros e perante a pergunta — “Acha que é demais?”, devolve ironicamente. “Não sei. O que é que acha?” Estas declarações geraram uma forte reação do sindicato a contestar os números.
Guerra de números. Pilotos da TAP ganham mais que os outros? As contas do sindicato versus empresa
Um chairman que terá sido escolhido por Costa
Tinha sido noticiada pelo Nascer do Sol a pretensão de Pedro Nuno Santos de convidar Miguel Frasquilho para novo mandato como presidente do conselho de administração da TAP. Uns meses mais tarde, Marques Mendes, no seu comentário habitual na SIC, voltava ao tema para falar em divisões dentro do Governo e do que dizia ser as guerras entre António Costa e o ministro Pedro Nuno Santos.
“Há cerca de seis meses, este ministro teve uma derrota pesada. Queria levar o dossier da TAP à Assembleia da República e foi desautorizado pelo primeiro-ministro. Esta semana teve uma nova derrota. Pedro Nuno Santos queria reconduzir a administração da TAP. Até convidou o seu presidente. António Costa vetou a proposta do ministro e escolheu outras pessoas. É mais uma desautorização do ministro. Ele tutela a TAP mas não escolhe os administradores”, declarava Marques Mendes.
Com esse episódio, os títulos dos jornais passaram a falar de uma desautorização de Costa a Pedro Nuno. António Costa, noticiou-se então, escolheu Manuel Beja para chairman da TAP.
Para encerrar a polémica, Pedro Nuno Santos falou em nome do Governo: “Vamos iniciar um novo ciclo e quisemos refrescar os órgãos sociais da empresa”, disse, assumindo que a decisão tinha sido “do Governo, coletiva”, “sob a liderança do primeiro-ministro”.
Miguel Frasquilho sai da TAP porque Governo quer “refrescar” os órgãos sociais
Ryanair. Os atos “hostis de ataque à TAP” e um ministro com um nariz de Pinóquio
Durante a negociação do plano em Bruxelas, o Governo não teve apenas de gerir a oposição interna (que era muita) às ajudas públicas à TAP. A companhia irlandesa low-cost Ryanair revelou-se um adversário de peso quando conseguiu que o Tribunal Europeu de Justiça anulasse a autorização inicial da Comissão Europeia para o empréstimo de 1,2 mil milhões de euros atribuído no verão de 2020.
Perante as muitas declarações de Michael O’Leary dirigidas aos “contribuintes” portugueses e a sugerir outras alternativas para gastar o dinheiro, como escolas e hospitais, o ministro das Infraestruturas pôs cá fora mais um comunicado agressivo em resposta “aos sistemáticos atos hostis de ataque à TAP”. E avisou a Ryanair que o Governo “não aceita lições de companhias estrangeiras”.
Mas até mesmo Pedro Nuno Santos, conhecido por falta de papas na língua, travou as reações públicas quando o presidente executivo da Ryanair chamou os jornalistas portugueses para lhe mostrar uma imagem editada do ministro à qual acrescentou um nariz de Pinóquio para responder ao que qualificou de “críticas falsas” à empresa. O ministro das Infraestruturas optou por não comentar.
O choque frontal entre Pedro Nuno e O’Leary alastrou, de resto, ao PS. Ana Catarina Mendes, então líder parlamentar e comentadora no programa Circulatura do Quadrado — além de ser um dos nomes que, a par de Pedro Nuno, são sempre apontados como possíveis sucessores de Costa no PS — não se coibiu de criticar a forma “truculenta” como o ministro reagira, além da sua falta de “recato, sensatez e bom senso”: “[Pedro Nuno Santos] não se pode pôr no mesmo patamar porque é ministro. Tem uma responsabilidade acrescida”, defendeu.
Ora Pedro Nuno não se quis ficar e respondeu de volta: seria “incapaz de criticar em público um camarada”.
Um ataque de Leão por causa da CP
“Se dependesse de mim o problema estava resolvido. Tínhamos um plano de atividades e um orçamento aprovado em tempo. A empresa não esperava meses para conseguir autorização para fazer as compras que são fundamentais para o seu funcionamento, não tínhamos uma dívida histórica, com a dimensão que ela tem, durante tanto tempo sem a resolver”. A declaração de Pedro Nuno Santos a propósito do CP atacava diretamente o colega do governo com a pasta das Finanças, à época João Leão. O ministro das Infraestruturas tentou afastar a polémica, mas o caso estava instalado.
Antes dessa declaração já tinha indicado que no quadro do Orçamento do Estado para 2022 poderia haver novidades sobre a limpeza da dívida histórica da CP, de 2,1 mil milhões de euros.
Mas foi a saída do presidente da CP, Nuno Freitas — “o melhor presidente de sempre” segundo o ministro Pedro Nuno Santos — que fez transbordar o copo do ministro da tutela da ferrovia, atirando culpas ao colega das Finanças.
“Eu conheço as razões do engenheiro Nuno Freitas há muito tempo, não são de agora. É muito difícil gerir uma empresa pública com as regras que nós temos. E é muito difícil pedirmos a um grande gestor, homem sério, de grande capacidade de trabalho e de realização, que fique muito tempo numa empresa que não consegue ter um Plano de Atividades e Orçamento aprovado, que tem uma dívida histórica acumulada gigantesca e que não pode ser saneada, portanto retirando capacidade e autonomia de gestão à empresa, que demora meses para ter uma autorização para comprar umas rodas. É absolutamente compreensível o desalento do presidente da CP”, acrescentou.
No final, Pedro Nuno Santos acabou sem o “seu” presidente da CP e a fechar a polémica, assumindo que tinha “muito boa relação” com o colega João Leão.
As polémicas escolhas para organismos que tutela
Ana Paula Vitorino foi uma escolha do ministério de Pedro Nuno Santos para a Autoridade da Mobilidade e dos Transportes. A antiga ministra estava, então, sentada na bancada do PS no Parlamento. Pedro Nuno Santos chamou-a para um organismo da tutela. “A Ana Paula Vitorino é uma das pessoas mais qualificadas do nosso país para aquelas áreas e tem um perfil que garante independência face aos regulados”, justificou o ministro das Infraestruturas, deixando ainda a declaração: “ter sido ministra socialista não é cadastro”. Pedro Nuno Santos ainda se insurgiu com as críticas que lembravam que Ana Paula Vitorino era mulher de Eduardo Cabrita.
Chumbos e polémicas. Como o parlamento avalia os candidatos a reguladores, como Ana Paula Vitorino
Mas esta não foi a única nomeação polémica. Escolheu Nuno Araújo, que tinha sido seu chefe de gabinete quando Pedro Nuno era secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, para a presidência da Administração dos Portos do Douro e Leixões e Viana do Castelo (APDL), numa altura em que os portos passaram para a sua tutela. Mais tarde Nuno Araújo foi alvo de buscas por suspeitas da crimes de corrupção e tráfico de influências.
“Conheço o Nuno Araújo há muitos anos, foi um bom chefe de gabinete, é um bom presidente de Porto de Leixões e nunca tive nenhum indício de que usasse as suas funções em benefício próprio”, disse Pedro Nuno Santos, sobre o antigo chefe de gabinete.
A escolha da mulher de Pedro Nuno
Também teve que ver com nomeações, embora não sobre uma nomeação feita por Pedro Nuno, uma outra polémica que atingiu o Governo em 2019. A nomeação de Ana Catarina Gamboa, a mulher do ministro, como chefe do gabinete do Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro — pedronunista e amigo do ministro desde os tempos da ‘jota’ — levou o PSD a acusar o Executivo de estar “enredado em teias familiares”.
Na altura, o gabinete de Duarte Cordeiro frisou que Gamboa não só tinha as qualificações exigidas, ainda para mais no que se tratava de um cargo de “absoluta confiança política”, como até conhecia Cordeiro há mais tempo do que Pedro Nuno. Já o ministro fez um post no Facebook a defender que a sua mulher não deveria ser prejudicada em função da vida profissional do marido.
O socialista que queria fazer tremer as pernas aos alemães
Mas a primeira polémica que se associa ao nome de Pedro Nuno — e aquela que tornou não só o ministro, como as suas ideias políticas mais à esquerda dentro do PS, conhecidos — teve a ver com a célebre declaração que fez, à porta fechada, numa reunião do PS sobre o pagamento (ou não) da dívida portuguesa.
Em plena crise, quando ainda era apenas deputado e vice-presidente da bancada do PS, Pedro Nuno fez um discurso inflamado que acabou por ser captado por uma rádio local, em Castelo de Paiva. E usava termos pouco habituais num político: “Estou marimbando-me para os bancos alemães que nos emprestaram dinheiro nas condições em que nos emprestaram. Estou marimbando-me que nos chamem irresponsáveis”, dizia.
E prosseguia: “Nós temos uma bomba atómica que podemos usar na cara dos alemães e dos franceses. Ou os senhores se põem finos ou nós não pagamos a dívida” e se o fizermos “as pernas dos banqueiros alemães até tremem”. As declarações tiveram, na altura, de vir ser contextualizadas pelo líder da bancada socialista, Carlos Zorrinho, que assumiu que o seu vice tinha usado uma “imagética rica, talvez excessiva” para passar a sua ideia. O próprio Pedro Nuno viria tentar acalmar os ânimos: “Eu não disse que não devemos pagar a dívida, o que eu disse é que há limites para os sacrifícios e que o Governo deve pôr o seu povo à frente”. Mas a imagem ficou.
As tricas com António Costa, “o brincalhão”
As provocações e picardias entre o primeiro-ministro e o seu possível sucessor (é, pelo menos, o nome que tem maior adesão no aparelho socialista) têm, daí para a frente e até já com Pedro Nuno no Governo, sido uma constante. No congresso do PS na Batalha, em 2018, Pedro Nuno fez um discurso ideológico e inflamado que entusiasmou de tal forma as hostes que Costa acabou por se ver obrigado a esclarecer que ainda não estava pronto para arrumar as botas.
Já no congresso do verão passado, em Portimão, Pedro Nuno chegou atrasado e decidiu não intervir (embora tenha feito paragens para tirar selfies com vários socialistas). Na altura, Costa ironizava, dizendo que poderia ter tido “um furo ou adormecido”, e Pedro Nuno respondia: “O secretário-geral é um brincalhão”.
Meses mais tarde, no dia em que o Orçamento do Estado foi chumbado, o ministro chegava mais cedo do que todos os outros colegas de Governo ao plenário do Parlamento e fazia questão de se dirigir às bancadas da esquerda para cumprimentar Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, antes de fazer uma tour pelas filas de deputados do PS, cumprimentando uns e outros. A geringonça estava morta e enterrada, mas o líder da ala esquerda do PS mostrava que a sua estratégia continuava viva.