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Assédio. D. Manuel Clemente deu duas semanas ao "padre de ferro" para sair. As reuniões de urgência e as suspeitas da última década

Padre-atleta foi afastado da paróquia por suspeitas de assédio. Foi a gota de água, depois de uma década marcada por polémicas e várias denúncias. Só em maio D. Manuel Clemente chamou 2 vezes Ismael.

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Em maio o cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, chamou duas vezes o padre Ismael, da agitada paróquia de São Mamede, no coração de Lisboa. O tema era a denúncia de assédio feita por uma funcionária, mas naquelas conversas havia muito mais em jogo — nos últimos anos vários foram os momentos em que o seu comportamento o levara até ali. Era a derradeira oportunidade e Ismael não a soube aproveitar. Para trás ficavam queixas sobre a entrevista polémica ao humorista António Raminhos — em que assumiu: “As gajas que eu conheci não me tiraram a vocação” — e outras atitudes. Ficavam também anos de histórias de corredor, conhecidas de muitos dentro da igreja, como a relação com uma aluna e dois divórcios de pessoas na paróquia a que não teria sido alheio.

Mas a gota de água resume-se em poucas linhas: uma funcionária da igreja enviou este ano uma carta ao cardeal-patriarca a queixar-se de assédio sexual alegadamente cometido pelo pároco local, Ismael Teixeira (conhecido das páginas dos jornais como “padre de ferro” por ser um corredor de maratonas), e o bispo da capital afastou-o das funções após quatro anos ao serviço da paróquia, invocando o princípio da precaução e devolvendo-o à ordem religiosa dos carmelitas, de que faz parte. Mas para quem, dentro da igreja, conhece o caso não há meias palavras e a queixa até agora conhecida é apenas a ponta do iceberg: “O assunto queima…”

O enredo é complexo e compreendê-lo é um desafio difícil numa paróquia onde quase todos se fecham em copas quanto ao tema. “É uma paróquia muito seleta”, diz-se num pequeno café das redondezas da igreja, em jeito de justificação para o silêncio.

A igreja de São Mamede situa-se em pleno Príncipe Real, zona nobre da capital portuguesa, com a fachada virada para a movimentada Rua da Escola Politécnica, a poucas dezenas de metros do Largo do Rato e de várias sedes do poder, incluindo o Parlamento, a residência do primeiro-ministro ou a Procuradoria-Geral da República. Ali, a vida segue praticamente alheia à vida da paróquia local: restaurantes da moda, lojas turísticas e gente no passo apressado típico dos dias de semana. A zona da cidade onde se situa a igreja leva qualquer um a acreditar no comentário ouvido no café — trata-se, de facto, de um bairro seleto. Quem enche as ruas durante o dia não representa os habitantes do Príncipe Real.

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A igreja de São Mamede situa-se no Príncipe Real, um bairro seleto da cidade de Lisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Além da igreja matriz, a paróquia inclui ainda dois outros lugares de culto, que confirmam que aquela comunidade católica tem uma vida cultural e intelectual bem acima da média das paróquias portuguesas: a Capela do Rato, onde durante vários anos o padre-poeta José Tolentino Mendonça (hoje cardeal no Vaticano) organizou tertúlias e encontros culturais, e a Capela de Nossa Senhora de Monserrate, erguida no jardim das Amoreiras, por baixo de um dos arcos do Aqueduto das Águas Livres.

Apesar de a Capela do Rato fervilhar de atividade cultural desde há vários anos, sendo um centro de encontro para intelectuais católicos (e não só) que extravasa largamente as fronteiras da cidade, o mesmo não se podia dizer exatamente da generalidade da paróquia de São Mamede. De acordo com um grupo de paroquianos que agora defende o padre Ismael Teixeira, foi precisamente a chegada do sacerdote, em setembro de 2017, que reanimou a vida da paróquia. Ismael Teixeira chegou a São Mamede já uma celebridade: apaixonado pelo desporto e pela prática da modalidade “IronMan” (um triatlo que inclui 3.800 metros de natação em mar aberto, 180 quilómetros de bicicleta e 42 quilómetros de corrida), criou a marca “ironpriest” — ou “padre de ferro” — e surgiu nas páginas dos jornais com frequência.

Na paróquia, o trabalho com os grupos de jovens, a catequese e as obras de solidariedade reavivaram a vida comunitária e elevaram a estima dos paroquianos lisboetas pelo padre transmontano — aumentando até o número de fiéis na igreja, devido ao regresso de alguns que haviam procurado as paróquias vizinhas nos anos anteriores. Os irredutíveis defensores do padre Ismael já enviaram uma carta ao cardeal-patriarca a acusar a mulher que apresentou a queixa de ter montado um ardil para incriminar o sacerdote, a que se seguiu uma petição com mais de duzentas assinaturas exigindo o regresso do padre. Para eles, foi a mulher que se diz vítima que lançou falsos testemunhos apenas para denegrir a imagem de Ismael.

Mas esta opinião não é unânime na paróquia. Entre os frequentadores mais antigos da igreja de São Mamede há quem esteja ao lado da funcionária e reze para que o padre não regresse. “Andaram a escrever uma carta a pedir que ele volte, mas espero que não”, desabafa ao Observador uma paroquiana à porta da igreja, no final de uma missa de fim de tarde. “Estão a contar a história do lado errado.” Hesitante, de início, em falar do caso, uma outra paroquiana lamenta ao Observador que os fiéis tenham sido enganados por Ismael: “Nós gostávamos dele no altar, mas é porque não conhecíamos estas coisas. Fomos sabendo e conhecendo. Estamos tristes, fomos enganados.” “Ele envolvia-se com mulheres”, assegura, de forma direta, à porta da igreja a mesma paroquiana.

Padre e atleta, Ismael Teixeira criou em 2016 a marca "ironpriest" depois de ter corrido a prova IronMan

FILIPE AMORIM/GLOBAL IMAGENS

Já o tal dinamismo que Ismael Teixeira trouxe à paróquia não é posto em causa por quem desconfia das reais intenções do sacerdote. “Isso foi porque ele trouxe os amigos. Não é gente aqui da paróquia”, acrescenta a mulher à porta da igreja.

Após uma ronda de contactos telefónicos, por escrito e pessoais com paroquianos e conhecedores da igreja de São Mamede, é mais do que evidente a enorme divisão entre fiéis por causa de uma história que tem sido contada de modo incompleto. E até agora o caso continua a ser investigado pelas autoridades — não havendo qualquer acusação — e a igreja ainda não sabe sequer como averiguar internamente a denúncia.

O silêncio dos dois lados após a polémica

Com este retrato de uma paróquia dividida — entre os defensores fiéis do padre Ismael e os críticos do sacerdote, que acreditam na denúncia da funcionária por lhe conhecerem outros casos polémicos —, o choque foi grande quando a notícia da queixa veio a público a 21 de junho, um mês depois de o sacerdote ter saído da paróquia com a justificação de ter tirado um ano sabático.

Padre afastado de paróquia de Lisboa sob suspeita de assédio

A notícia saiu primeiro no Correio da Manhã, que deu conta de uma carta enviada ao cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, por uma funcionária da igreja de São Mamede que assegurava ter sido vítima de assédio por parte do padre Ismael Teixeira. A queixa, que referia ainda outras situações de relações amorosas com mulheres da paróquia, levou o Patriarcado de Lisboa a afastar Ismael Teixeira do cargo de pároco, nomeando como substituto o padre José Manuel Pereira de Almeida, da paróquia vizinha de Santa Isabel. Ao mesmo jornal, Ismael Teixeira ainda comentou o caso, garantindo que nunca cometeu “qualquer tipo de assédio” sobre ninguém. E admitiu que preferia estar “afastado” daquela “situação desconfortável” até “que tudo esteja devidamente esclarecido”.

O padre disse ainda que os boatos não são novidade. “Desde que sou padre que há boatos sobre mim, ora que sou homossexual, ora que tenho vários casos. Tornou-se habitual ouvir estas coisas, mas o que posso adiantar é que me retirei porque tenho de descansar para a operação que vou fazer. Vou retirar os ferros que tenho num pé e que me estão a causar várias infeções”, afirmou. “Vou aproveitar este tempo de pausa para pensar sobre a minha vida e até sobre a vocação. A vida é uma reflexão constante e devemos realmente fazê-la.”

"Fui convidada por ele para fazer um ménage à trois, ofereceu-me um vestido, começou por aí. Começou por oferecer um vestido bonito, caro, e eu achei aquilo muito estranho. (...) Tenta convencer as mulheres a viver relações sexuais com ele. Eu neguei completamente e foi a partir daí quando começaram mesmo os assédios forçados comigo. A apalpar-me, a tocar-me. Encostava-se com o pénis a mim, eu vi-o a masturbar-se ao pé de mim."
Funcionária da paróquia que acusa Ismael Teixeira de assédio (em declarações à TVI)

No mesmo dia, a TVI trouxe a público mais detalhes sobre o caso e entrevistou a suposta vítima, embora com a imagem e a voz distorcidas para que não pudesse ser identificada. Na entrevista, a mulher descreveu Ismael Teixeira como “um verdadeiro tarado” e jurou que foi contratada para a paróquia já com “fins sexuais” em vista. “Fui convidada por ele para fazer um ménage à trois, ofereceu-me um vestido, começou por aí. Começou por oferecer um vestido bonito, caro, e eu achei aquilo muito estranho”, continuou. “Ele tem um discurso em que a dimensão sexual tem de ser vivida de uma forma plena, que não nos devemos privar de vivenciar tudo isto, e tenta convencer as mulheres a viver relações sexuais com ele. Eu neguei completamente e foi a partir daí quando começaram mesmo os assédios forçados comigo. A apalpar-me, a tocar-me. Encostava-se com o pénis a mim, eu vi-o a masturbar-se ao pé de mim.”

Desde que o caso eclodiu, no final de junho, ambos os lados da intrincada história remeteram-se ao silêncio.

O Observador contactou a alegada vítima, que não respondeu às tentativas de contacto. Já o padre Ismael Teixeira atendeu o telefone, mas preferiu manter-se em silêncio sobre todas as matérias. “Não vou falar sobre o tema”, disse ao Observador. “Continuo a ser padre e a estar ao serviço daqueles que precisam do meu sacerdócio. Mas não me vou pronunciar para já. Dentro de algum tempo irá acontecer.

Quanto à investigação eclesiástica, o caso aparenta, agora, estar estagnado. E, do lado da Igreja Católica, não foi apresentada qualquer queixa às autoridades civis, porque a mulher terá garantido que o iria fazer.

Ao Observador, a Procuradoria-Geral da República confirmou que existe um inquérito aberto a visar o padre Ismael Teixeira na sequência deste caso, estando a investigação a cargo do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa, mas não adiantou qualquer detalhe sobre o caso, escudando-se no segredo de justiça.

"Continuo a ser padre e a estar ao serviço daqueles que precisam do meu sacerdócio. Mas não me vou pronunciar para já. Dentro de algum tempo irá acontecer."
Padre Ismael Teixeira

Dentro da própria Igreja, o Patriarcado de Lisboa diz não ter jurisdição sobre o sacerdote, uma vez que este pertence à Ordem do Carmo; já os carmelitas dizem que o caso ainda não conhece evoluções e que tudo está a ser ponderado com cautela. O que é certo é que, dentro da Igreja Católica, e apesar das cautelas iniciais com o afastamento do sacerdote, todo o caso está a ser olhado com alguma desconfiança relativamente à veracidade da denúncia: ao Observador, o bispo-auxiliar de Lisboa D. Américo Aguiar, que é responsável pela comissão que se dedica a acompanhar casos de abuso e assédio e a promover a proteção dos menores e dos adultos vulneráveis, garantiu que o caso de Ismael Teixeira não está a ser acompanhado por aquela comissão.

Padre de ferro já foi alvo de outras queixas

O caso agora noticiado veio destapar problemas internos que já fermentavam há vários meses nos bastidores da Igreja Católica lisboeta, ao mesmo tempo que o padre desportista Ismael Teixeira fazia manchetes como “padre de ferro”.

Nascido em Canaveses, no concelho de Valpaços, em 1974, Ismael Teixeira tornou-se atleta antes de ser padre. “A nossa infância foi em Trás-os-Montes, no meio daqueles montes. Na altura já fazíamos trail, ao levar os animais ao pasto, por exemplo, a andar entre caminhos escarpados, entre pedras, montanhas e vegetação”, contou o sacerdote ao sítio Corredores Anónimos em 2017, altura em que se preparava para correr a sua primeira prova de trail. No ano anterior, concluíra a famosa prova IronMan, em Copenhaga, que lhe valera o apelido de ironpriest, e a sua popularidade no meio desportivo-eclesiástico português encontrava-se em ascensão.

Ismael Teixeira liderava, até maio de 2021, a paróquia católica de São Mamede, no coração de Lisboa

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

A uma infância no meio do mundo rural, que lhe suscitou o interesse pelo desporto de grande intensidade, sucederam-se os estudos de Teologia na Universidade Católica de Braga, que o conduziriam à ordenação sacerdotal em 2001. Contudo, esse caminho não foi linear. Como revelou numa entrevista ao Diário de Notícias, apesar de ter sido acompanhado por padres desde a infância, entre os 18 e os 20 anos de idade fez um “teste” à sua vocação religiosa e foi “tirar um curso profissional diferente, com pessoas do mundo normal, com raparigas”. Estudou para se tornar operador de câmara e começou a trabalhar cedo na área. Um retiro espiritual de um mês viria a mudar-lhe os planos de novo e levou-o a decidir-se definitivamente pelo sacerdócio.

Seria ordenado com 26 anos, mas o que aprendeu no curso de operador de câmara viria a ser-lhe útil já na fase da pandemia: depois do fecho das igrejas no primeiro confinamento, pôs de imediato em marcha a “Telemissa” e chamou a atenção por ter colado fotografias dos fiéis mais habituais nos bancos da igreja. A iniciativa, apesar de bem acolhida, gerou algum desconforto dentro da Igreja devido às semelhanças do nome, do logótipo e do slogan “O Segredo Está na Graça” com a identidade comercial da cadeia de pizzarias Telepizza.

Foi dentro da Ordem do Carmo que Ismael Teixeira fez todo o seu percurso religioso. Quanto tinha 11 anos encontrou no Seminário Carmelita do Sameiro, em Braga, a oportunidade para estudar com melhores condições depois de ter feito o 5.º e o 6.º anos pela telescola na sua aldeia-natal. Estudaria com os carmelitas em Braga até ao final do ensino secundário, para depois ser enviado para Lisboa, para o postulantado — uma primeira fase de integração da Ordem do Carmo. Foi nessa altura que interrompeu a formação religiosa para o tal “teste” vocacional, mas acabaria por voltar aos carmelitas. Tornou-se noviço, tomou o hábito e seguiu para a Universidade em Braga.

Depois de ser ordenado padre, em 2001, assumiu a liderança de um projeto criado na década de 1990 pelo bispo carmelita D. Vitalino Dantas: uma residência universitária em Lisboa. Durante 11 anos, Ismael Teixeira acompanhou os universitários na residência, mas também na Universidade Lusíada, em Lisboa, de que se tornou capelão. O padre aproveitou esse período para se licenciar em Psicologia e para fazer um mestrado. Depois, tornou-se também professor na mesma universidade, onde lecionava até recentemente aulas de Ética e Deontologia Profissional.

Foi essa a vida de Ismael Teixeira até 2011, ano em que deixou a atividade quotidiana na Ordem do Carmo para se dedicar à vida mais tradicional de paróquia. Fê-lo por “discernimento pessoal”, de acordo com o que disse em 2016 ao Voz da Verdade, o jornal oficial do Patriarcado de Lisboa. Integrou-se de modo preliminar na diocese lisboeta e recebeu a sua primeira nomeação formal em 2013, tornando-se coadjutor do padre José Manuel Pereira de Almeida na paróquia de Santa Isabel e recebendo o cargo específico de reitor da igreja da Conceição, no Rato. Ao fim de quatro anos, em julho de 2017, foi nomeado pároco de São Mamede, onde tomou posse em setembro do mesmo ano.

Quando deixou a vida de carmelita, o padre Ismael Teixeira tinha um objetivo claro: integrar-se no Patriarcado de Lisboa, um processo a que a Igreja Católica dá o nome técnico de “incardinação” e que significa a pertença ao corpo clerical de uma diocese sob jurisdição de um bispo (neste caso, o patriarca de Lisboa), deixando a jurisdição dos carmelitas. O processo de incardinação implica um período de cinco anos ao serviço da nova entidade — neste caso, o Patriarcado de Lisboa — antes de ser formalizado. Porém, até hoje, ao fim de uma década como padre na diocese, Ismael Teixeira ainda não foi incardinado. Aliás, de acordo com um documento interno consultado pelo Observador, Ismael Teixeira chegou mesmo a ser aceite para um período experimental de três anos em 2017, pouco antes de chegar à paróquia de São Mamede, mas em junho de 2020 o patriarca de Lisboa comunicou-lhe que a sua incardinação não seria aceite.

Convites com segundas intenções, ameaças de despedimento e desvio de fundos. As denúncias de que é alvo o padre de ferro

É que, de acordo com diferentes fontes, testemunhais e documentais, consultadas pelo Observador, a década de Ismael Teixeira nas igrejas paroquiais do centro de Lisboa foi marcada por várias polémicas — e muitas delas chegaram aos ouvidos da hierarquia ainda antes do caso que está agora nas notícias.

A relação com uma aluna e os encontros com D. Manuel Clemente em maio

Segundo uma fonte eclesiástica conhecedora do processo ouvida pelo Observador, as queixas e suspeitas sobre o comportamento do padre Ismael começaram assim que o sacerdote chegou à paróquia de São Mamede. Nos primeiros meses, uma proximidade pouco habitual a uma das responsáveis das obras sociais da paróquia levantou suspeitas e chegou mesmo ao cardeal-patriarca de Lisboa através de paroquianos preocupados com o caso. Logo nessa altura, D. Manuel Clemente chamou Ismael Teixeira para averiguar a veracidade do que era dito. Da boca do sacerdote, ouviu a promessa de que iria perceber o que se passava e corrigir o que fosse necessário.

"Não foram, nos últimos anos, estes os únicos encontros em que o P. Ismael foi ouvido pelo Senhor Patriarca, ou seus Bispos Auxiliares, a propósito de queixas apresentadas em desfavor do P. Ismael."
Carta do vigário-geral de Lisboa aos paroquianos apoiantes de Ismael Teixeira

Porém, o sacerdote não terá revertido os comportamentos. Segundo a mesma fonte eclesiástica, Ismael Teixeira protagonizou depois uma sucessão de envolvimentos com outras mulheres que foram gradualmente chocando alguns paroquianos. O sacerdote ter-se-á envolvido com pelo menos duas mulheres que tinham papéis ativos nas atividades paroquiais e contribuído diretamente para a deterioração de relações conjugais e de amizade nos círculos mais próximos da paróquia — há relatos de dois divórcios que terão estado, pelo menos em parte, relacionados com estes comportamentos do sacerdote, conta uma fonte da igreja que acompanhou tudo.

Mais recentemente, antes do caso de alegado assédio, o padre Ismael Teixeira teria inclusivamente mantido uma outra relação com uma aluna da Universidade Lusíada, a quem terá atribuído classificações escolares consideradas por muitos como generosas. Esta relação com a universitária foi confirmada ao Observador por diversas fontes, incluindo paroquianos de São Mamede à porta da igreja lisboeta.

Um documento interno do Patriarcado de Lisboa consultado pelo Observador confirma que o padre Ismael Teixeira foi ouvido várias vezes por D. Manuel Clemente ao longo dos últimos anos devido a queixas apresentadas contra si às autoridades eclesiásticas.

Trata-se de uma carta assinada pelo cónego Francisco José Tito Espinheira, vigário-geral do Patriarcado de Lisboa, enviada recentemente ao grupo de paroquianos que defende Ismael Teixeira e que está a tentar reverter a decisão de D. Manuel Clemente de o afastar da paróquia. Nessa carta, os paroquianos acusam o cardeal-patriarca de tomar uma decisão precipitada com base em testemunhos duvidosos e sustentam que Ismael Teixeira é um sacerdote de grande valor para a paróquia, que não merecia aquele desfecho. Na resposta, o responsável eclesiástico faz um apelo: “A um grupo de cristãos tão qualificado como os signatários destas cartas pede-se a justiça de pensarem que o Senhor Patriarca nunca tomaria uma decisão desta natureza sem ouvir o P. Ismael.

“Todos os sacerdotes da Diocese de Lisboa, como todos os cristãos que conhecem o Senhor Patriarca sabem bem que assim é. Sobre o assunto que referis houve pelo menos dois encontros do P. Ismael com o Senhor Patriarca durante o passado mês de Maio”, acrescenta o cónego. “Mas não foram, nos últimos anos, estes os únicos encontros em que o P. Ismael foi ouvido pelo Senhor Patriarca, ou seus Bispos Auxiliares, a propósito de queixas apresentadas em desfavor do P. Ismael.

A polémica entrevista a Raminhos: “As gajas que eu conheci não me tiraram a vocação”

O cónego Tito Espinheira não refere, em nenhum ponto da carta, que várias das queixas foram motivadas por alegados envolvimentos com mulheres (essas informações foram detalhadas ao Observador por outras fontes). Porém, o responsável do Patriarcado prossegue referindo apenas um exemplo, “por a matéria ser pública”.

Em causa estava, na altura, a participação do padre Ismael Teixeira num episódio do programa “Os Mal-amados”, apresentado pelo comediante António Raminhos no sítio V Digital, em fevereiro de 2019. Com o título “Raminhos confessa-se ao padre de ferro Ismael Teixeira”, o programa inclui uma entrevista feita pelo humorista ao sacerdote e — para escândalo das autoridades eclesiásticas — uma simulação de uma confissão no início do programa. Na carta que enviou aos paroquianos, o cónego Tito Espinheira descreve o que se passou: “Antes da entrevista há um simulacro da confissão. O P. Ismael Teixeira, paramentado com alva, sem estola, está sentado e o Raminhos de joelhos num genuflexório com grade, posição habitual da confissão, o Raminhos confessa ‘pecados’ e no fim pergunta: ‘Qual é que é a penitência?’ e o P. Ismael deu-lhe como penitência (10 voltas ao Jardim da Estrela; 90 flexões de braços; 60 abdominais; 60 agachamentos com 5 kg). Raminhos reage dizendo a Igreja ‘tá muito diferente’, que antes não era assim, não podia ser apenas ‘tipo o Credo e 5 Pais-nossos por aí?’. O P. Ismael faz sobre o Raminhos o sinal da cruz sem dizer a fórmula da absolvição.”

O Código do Direito Canónico, ou seja, a lei interna da Igreja Católica, proíbe expressamente a simulação dos sacramentos e classifica-o como um dos delitos mais graves, cujo julgamento interno está reservado à Congregação para a Doutrina da Fé, no Vaticano. Por outras palavras, para a Igreja, trata-se um crime gravíssimo.

Mais à frente na mesma entrevista, o sacerdote discute com o comediante a disciplina do celibato obrigatório para os padres católicos, diz que teve namoradas antes de ser ordenado e atira: “As gajas que eu conheci não me tiraram a vocação.

Decisão de recusar a incardinação de Ismael Teixeira foi tomada por D. Manuel Clemente, cardeal-patriarca de Lisboa

Paulo Cunha/LUSA

O cónego Tito Espinheira termina a carta que enviou aos paroquianos apoiantes de Ismael Teixeira, lembrando que o padre “é sacerdote da Ordem do Carmo” e explicando como ele não conseguiu cumprir os requisitos para ser integrado no Patriarcado de Lisboa. “Em 29 de maio de 2017 pediu formalmente para ser incardinado no Patriarcado de Lisboa. Na sequência, em 21 de junho de 2017, foi admitido a um período experimental com duração de 3 anos, ao fim dos quais, estando satisfeitas as duas condições então colocadas, seria admitido como membro do presbitério de Lisboa. Terminado esse período em junho de 2020, logo foi comunicado ao seu Provincial e ao P. Ismael que não seria incardinado na Diocese de Lisboa, continuando por isso a ser sacerdote da Ordem do Carmo.

A mulher que não cedeu a Ismael e pôs fim ao silêncio

Desde que, em 2016, concluiu o seu primeiro “IronMan”, o “padre de ferro” Ismael Teixeira entrou para um restrito conjunto de padres-celebridades que enchem as páginas de jornais e revistas em Portugal (a par de figuras como o célebre padre-motard José Fernando Lambelho, que morreu em 2013, ou o padre “sex symbol” Ricardo Esteves, do Minho, que recentemente entrou num teledisco vestido de Cupido). Ao fim de cinco anos como celebridade, foi uma queixa de assédio, a que se somaram suspeitas relacionadas com a gestão do património paroquial, que fez cair o padre sensação da paróquia de São Mamede.

No centro do mais recente caso, que estará longe de ser o primeiro, está uma mulher chegada à paróquia em 2017, no mesmo ano em que Ismael Teixeira assumiu a igreja de São Mamede, que o Observador identificou com o nome fictício Anabela quando publicou um primeiro relato dos contornos gerais do caso.

Segundo foi possível reconstituir com recurso a diferentes fontes, incluindo paroquianos e responsáveis da hierarquia eclesiástica ouvidos pelo Observador, Anabela nasceu em Itália, filha de pais italianos, mas mudou-se para o Brasil com a mãe depois da morte do pai, uma vez que tinham lá familiares. Foi no norte do Brasil que a mulher casou e teve filhos, que se formou na área do Direito e que deu os primeiros passos de uma carreira académica. Mais tarde, já depois de se separar, mudar-se-ia para Portugal com os filhos. Chegou ainda a passar pela vida académica em Portugal. O objetivo foi fixar-se na capital — o seu nome viria a surgir nas listas de pedidos de habitação municipal da Câmara de Lisboa.

Anabela viria a cruzar-se com o padre Ismael Teixeira precisamente em 2017, através de uma amiga em comum, advogada, que os apresentou. Uma fonte da Igreja Católica descreveu ao Observador a situação de Anabela como “muito frágil e muito dependente”, uma vez que tinha três filhos, incluindo um necessitado de cuidados de saúde mais exigentes. Ismael Teixeira, recém-chegado à paróquia e sem ninguém para assegurar as tarefas administrativas no cartório, contratou-a.

"É boa mulher. Andam a defender o lado dele, mas ninguém defende a mulher que foi caluniada."
Paroquiana de São Mamede sobre a funcionária que acusou Ismael Teixeira

Embora a carreira académica de Anabela não tenha continuado, as suas competências seriam úteis ao sacerdote. De acordo com uma fonte eclesiástica ouvida pelo Observador, Ismael Teixeira recorria com frequência à funcionária para lhe preparar os slides das aulas da faculdade ou para lhe corrigir os testes e exames — mas também para tarefas do quotidiano, como a lavagem das casas-de-banho. “Eventualmente, ao início, ela terá acedido a algumas solicitações”, diz uma fonte da Igreja. A partir daqui, a história já veio a público com vários detalhes, incluindo no Observador. A recusa de algumas tarefas teria dado lugar a ameaças de despedimento e até de despejo (uma vez que o sacerdote era fiador da casa onde Anabela vivia), e rapidamente se volatilizou a fronteira entre as exigências de trabalho, as ameaças e os avanços sexuais, que Anabela terá travado.

Segundo paroquianos ouvidos pelo Observador à porta da igreja de São Mamede, a diferença entre o caso de Anabela e outros anteriores resume-se bem: “Ela não cedeu ao que o Ismael queria.

“É boa mulher. Andam a defender o lado dele, mas ninguém defende a mulher que foi caluniada”, diz uma paroquiana de São Mamede, indignada com o grupo de apoiantes do padre que exige o seu regresso à igreja. Atualmente, Anabela encontra-se de baixa médica e longe do seu posto de trabalho no cartório paroquial de São Mamede, acompanhada pela médica de família e por um psicólogo. “Não sei quando vai ter alta, mas se calhar já não volta para aqui”, lamenta-se à porta da igreja. “Eu gostava que voltasse.

Para vários paroquianos, não há dúvidas de que vários comportamentos de Ismael Teixeira foram errados — e, sobretudo, dececionantes para quem começara a afeiçoar-se ao novo estilo e ao dinamismo do novo padre de São Mamede. “Ele não procedeu bem”, garante uma paroquiana ao Observador. Mas as dúvidas sobre o comportamento de Ismael Teixeira não se resumem à aparente contradição entre a proclamação das disciplinas sexuais da Igreja Católica e as práticas privadas do sacerdote, nem às acusações de assédio: o sacerdote é também alvo de críticas pelo modo como geriu o património da paróquia. Uma fonte da Igreja Católica diz ao Observador que subsistem várias dúvidas sobre a legitimidade de algumas decisões tomadas por Ismael Teixeira, incluindo a de pôr instalações paroquiais a render, transformando-as em alojamentos locais e em espaços de trabalho partilhado.

Também no que toca a estas questões, não foi possível ao Observador ouvir o contraditório, uma vez que o padre Ismael Teixeira se escusou a prestar declarações e não quis ouvir as perguntas do jornal.

“Entrou numa casa vazia” e transformou-a numa “paróquia viva”

Apesar da recusa do sacerdote em falar sobre o caso, o Observador procurou de várias formas ouvir o lado de Ismael Teixeira — em primeiro lugar, através do grupo de paroquianos que se organizou em torno do sacerdote para o defender junto da hierarquia eclesiástica e para exigir o seu regresso à paróquia.

Este grupo, entretanto batizado como “Amigos da Paróquia de São Mamede”, já enviou pelo menos duas missivas ao cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, a propósito deste caso. A primeira foi enviada no dia 23 de junho de 2021, dois dias depois de o escândalo ter vindo a público na comunicação social. Nessa carta, os signatários dizem manifestar “sincera tristeza e deceção” pela saída do padre Ismael Teixeira da paróquia de São Mamede e queixam-se de que a saída resultou “de uma infundada e ardilosa queixa e de um julgamento unilateral”.

“Quando o Reverendo Padre Ismael Teixeira chegou à Paróquia de São Mamede, situada no centro envelhecido da cidade de Lisboa, esta era uma casa vazia e triste, maioritariamente frequentada por uma comunidade também ela envelhecida, conformada e pouco participativa, uma casa pouco vivida”, escrevem os paroquianos defensores do padre. “Mas o centro da cidade foi‐se rejuvenescendo, e com a nomeação para Pároco do Rev. Padre Ismael Teixeira, em 10 de setembro de 2017, o mesmo aconteceu à nossa Igreja.

Alguns paroquianos de São Mamede organizaram-se num grupo de apoio ao padre Ismael Teixeira para exigir o seu regresso à paróquia

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Para estes paroquianos, restam poucas dúvidas de que o padre Ismael Teixeira “entrou numa casa vazia e conseguiu em tempo record aumentar o número de fiéis que se aproximaram da igreja e dos sacramentos”. “Conseguiu cativar os seus paroquianos, dos mais velhos aos mais novos, para todas as obras e projetos que empreendeu, e que resultaram no rejuvenescimento da catequese, dos grupos de oração, dos grupos de ação, da existência de grupos corais em todas as missas e em extraordinárias melhorias/obras, na própria Igreja.”

Os signatários dão alguns exemplos, incluindo a missa e o terço online, bem como a mercearia solidária, para especificar como Ismael Teixeira fez de São Mamede uma paróquia melhor — e colocam toda a responsabilidade do escândalo nos ombros da funcionária que agora diz ter sido assediada: “A Senhora em causa foi admitida ao serviço da Paróquia, apenas pela boa-fé e bondade do nosso Pároco, por indicação de uma pessoa amiga, hoje disposta a testemunhar como tudo aconteceu e como são falsas as declarações da queixosa, que a apresentou como sendo uma profissional competente, vinda do Brasil, com três filhos, muitíssimo necessitada de trabalhar para se estabelecer em Portugal e sustentar a sua família.”

A carta enviada a D. Manuel Clemente acusa a funcionária de ter usado a confiança que nela foi depositada por Ismael Teixeira para praticar “variadíssimos atos ilícitos e imorais”, incluindo o “desvio de fundos doados à Igreja e de valor não contabilizável” e ainda o “lançamento de graves intrigas entre funcionários” da Igreja — embora não sejam especificados os delitos em causa. Os defensores do sacerdote alegam ainda que a mulher se dedicava à venda de teses de mestrado, “que produzia, para terceiros, durante as horas do seu expediente”.

“Também por via das funções que lhe foram atribuídas, possuía informações sobre os beneméritos da Igreja e seus contactos, e sensibilizando‐os com tristíssimas histórias, em que sempre se fazia passar por vítima, construiu enredos que lhe permitiram subtrair avultadas somas, a esses mesmos beneméritos, dos quais alguns subscritores deste documento, também dispostos testemunhar como tudo aconteceu e como são falsas as declarações da queixosa”, continua a carta.

O Observador contactou um dos paroquianos defensores de Ismael Teixeira, que organizou a produção e o envio desta carta ao cardeal-patriarca de Lisboa, para tentar perceber concretamente o que está em causa. Porém, esse paroquiano, que tem congregado os apoiantes do sacerdote em torno da causa de defesa de Ismael Teixeira, recusou prestar declarações de modo formal ao Observador, dizendo que o grupo de signatários foi aconselhado pelos advogados que acompanham o padre a não falar publicamente sobre o caso. Tudo, porque em breve — não foi especificado quando — será movido um processo contra a mulher pelos advogados que representam o padre. “Aquilo que a senhora disse vai merecer um processo”, limitou-se a dizer este paroquiano.

A carta, a que o Observador teve acesso, oferece mais alguns pormenores, nomeadamente sobre o modo como o tal esquema montado pela funcionária foi descoberto: “Por força da pandemia descobriu‐se a verdade, algumas pessoas da Paróquia comentaram com o Sr. Prior que, dado o momento que todos vivíamos, não poderiam contribuir para ajudar a Igreja, uma vez que estavam a ajudar a Senhora.”

"A nossa Igreja só ganhou com a vinda desse senhor, pois notei que até a nível de fiéis aumentou nas missas. Nunca vi uma palavra mal dita. Por tudo isto só tenho a dizer bem, e que Deus ilumine sua caminhada para continuar a divulgar a palavra de Deus."
Fátima Horta, paroquiana de São Mamede

Caso foi potenciado pela inveja de outros padres, acusam defensores de Ismael

Os paroquianos dizem ainda que este “comportamento socioprofissional” da mulher já tinha sido usado no Brasil e classificam como “absurdo” o processo eclesiástico que afastou o sacerdote e deixou “órfã” a paróquia. “É opinião dos signatários que este processo Faltou Gravemente à Justiça e à Caridade, contra o Sacerdote e a sua Comunidade, nunca ouvida e igualmente muito lesada perante toda esta situação, somente porque a Igreja receava que se causasse escândalo… Escândalo esse que veio a lume pela comunicação social.”

Na carta, os signatários apontam um potencial motivo para que o processo tenha sido gerido desta maneira: a “inveja” dos outros padres. “Se para Párocos vizinhos, a visibilidade do Rev. Padre Ismael Teixeira a quem denominam de ‘vedeta’, é prejudicial às suas Paróquias, para os signatários, e aqueles que estes representam, a sua ação Pastoral exemplar, é uma Graça que muito ajudou e poderia ajudar a Igreja.”

O grupo de paroquianos voltou ao contacto com D. Manuel Clemente a 5 de julho de 2021, com uma petição assinada por 235 paroquianos exigindo o regresso de Ismael Teixeira à paróquia. Repetindo alguns parágrafos da carta enviada no mês anterior, o grupo afirma que acredita na inocência de Ismael Teixeira e que pretende manifestar-lhe “apoio, revertendo a lamentável campanha de maledicência que, nestas circunstâncias, pretende denegrir a sua presença e ação na Igreja”.

O que é certo, porém, é que o movimento de apoio ao padre Ismael Teixeira se conseguiu mobilizar rapidamente através das redes sociais, recebendo em pouco tempo o apoio de muitos paroquianos. Em algumas publicações de carácter público, foram várias as pessoas que demonstraram apoio ao sacerdote. “Entrou numa igreja com poucos paroquianos e com a sua energia cativou muitos, com o seu amor a Deus agarrou-os e um espaço que era quase triste, quase vazio, é hoje uma igreja viva e cheia de fiéis”, escreveu uma apoiante de Ismael Teixeira no Facebook. Na mesma rede social, uma organização sem fins lucrativos da freguesia apelou à subscrição da petição em favor do sacerdote.

Apesar de o grupo “Amigos da Paróquia de São Mamede” não ter prestado declarações devido ao aconselhamento dos advogados, alguns paroquianos relataram ao Observador o seu apreço por Ismael Teixeira.

“Pessoalmente nada tenho contra o senhor, nem eu, nem meu marido, nem nossa filha”, disse ao Observador Fátima Horta, paroquiana de São Mamede. “Conhecemos o senhor desde que veio para a nossa paróquia e só fez bem, ajudou muitas pessoas, fez bem aos nossos sem-abrigo na freguesia, tinha sempre uma palavra amiga para todos. A nossa Igreja só ganhou com a vinda desse senhor, pois notei que até a nível de fiéis aumentou nas missas. Nunca vi uma palavra mal dita. Por tudo isto só tenho a dizer bem, e que Deus ilumine sua caminhada para continuar a divulgar a palavra de Deus.”

O padre Ismael Teixeira está afastado da paróquia de São Mamede desde maio de 2021

“A paróquia era completamente morta e com ele renasceu e transformou-se numa paróquia viva”, disse ao Observador um paroquiano, preferindo não se identificar, mas sublinhando que ele próprio retomou a frequência da igreja depois da chegada de Ismael Teixeira.

“Nunca o vi olhar para as raparigas à ordinário”, garante colega de treino

Também para os colegas do padre no campo desportivo, a história parece não bater certo com o homem que conhecem. “Nunca o vi a olhar para as raparigas à ordinário”, disse ao Observador uma das suas antigas colegas de treino, que também preferiu não se identificar, classificando Ismael Teixeira como “uma pessoa perfeitamente banal” que “por acaso é padre”. “Sempre muito simpático, nada a apontar. Por isso é que achei ridículo a acusação. Com miúdas muito mais giras e interessantes na corrida que nem sequer se apercebiam que era padre porque se ia meter na boca do lobo”, questionou a corredora: “Tenho a certeza que isto está muito mal contado.”

O Observador colocou ao Patriarcado de Lisboa um conjunto de perguntas detalhadas sobre o modo como foi conduzido o processo entre a receção da queixa e a decisão de afastar Ismael Teixeira — incluindo o tipo de análise feita às alegações, as audiências feitas e o tempo que demorou. Porém, o gabinete de D. Manuel Clemente preferiu não adiantar detalhes sobre o processo. “Em relação às perguntas enviadas, o Patriarcado de Lisboa informa que, no dia 1 de junho de 2021, foi nomeado como Administrador Paroquial da paróquia de São Mamede, em Lisboa, o Sr. Pe. José Manuel Pereira de Almeida, substituindo na condução da referida paróquia o Sr. Pe. Ismael Teixeira, sacerdote pertencente à Ordem do Carmo. Sobre a queixa mencionada, o Patriarcado de Lisboa tomou conhecimento de que a mesma foi comunicada às autoridades competentes por parte da autora e está, como sempre esteve, disponível para colaborar com as autoridades.” Esta informação vai ao encontro do que a Procuradoria-Geral da República confirmou ao Observador: existe um inquérito em curso visando Ismael Teixeira.

Cardeal-patriarca de Lisboa deu duas semanas a Ismael para sair

Outras fontes da Igreja disseram ao Observador que passaram poucos dias entre a receção da queixa e o afastamento do sacerdote — e que D. Manuel Clemente deu a Ismael Teixeira duas semanas para que se retirasse definitivamente da paróquia.

Ao Observador, o padre José Manuel Pereira de Almeida, pároco da paróquia vizinha de Santa Isabel, confirmou que foi chamado pelo Patriarcado de Lisboa a assumir temporariamente a liderança da igreja de São Mamede e salientou que apenas está a assegurar o funcionamento quotidiano da igreja até à sua substituição definitiva em setembro do próximo ano por um novo pároco.

Também contactado pelo Observador, o superior da Ordem do Carmo em Portugal, frei Agostinho Castro, mostrou-se ainda hesitante sobre quais os próximos passos. “Fomos apanhados de surpresa”, disse o religioso, repetindo o que já dissera ao Observador no início de julho. “Ele estava entusiasmado e muito empenhado na paróquia”, continuou Agostinho Castro, acrescentando que Ismael Teixeira tinha levado “dinamismo” à paróquia, mas sublinhando que desde que o sacerdote se tinha dedicado à atividade paroquial agia de forma autónoma da congregação. “É uma carta que existe, não há testemunhas”, disse, confirmando que recebeu a informação reencaminhada pelo Patriarcado e reiterando que a província portuguesa dos carmelitas está em contacto com a sede global da Ordem, em Roma, para definir o que fazer do ponto de vista da investigação interna.

Reconstituir a verdade desta intrincada história não é fácil: de ambos os lados, a maioria das pessoas envolvidas ou conhecedoras do caso preferem não falar ou, na melhor das hipóteses, não dar o nome. “Não nos queremos meter nisso”, assume uma paroquiana ao Observador à porta da igreja de São Mamede. Com versões contraditórias a circular, o escândalo já se tornou inevitavelmente público — e, do mais perverso assédio ao mais humano dos deslumbramentos, o papel do padre atleta Ismael Teixeira nesta história está, em larga medida, por apurar.

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