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Augusto Santos Silva tinha acabado de chegar de Marrocos nesta quinta-feira em que recebeu o Observador no Palácio das Necessidades. Por coincidência, era lá, em Rabat, que estava quando um grupo de marroquinos foi intercetado a tentar desembarcar ilegalmente no Algarve. O tema foi “naturalmente” assunto de conversa com as autoridades marroquinas e se o ministro não acredita que Portugal seja uma nova rota da imigração ilegal vinda do norte de África, admite que é preciso perceber o que esses casos significam.
É apenas um dos exemplos da agenda cheia de um ministro que deu esta entrevista em plena operação de repatriamento dos portugueses que pediram para sair da China por causa do coronavírus. E mesmo na véspera do Brexit, que Santos Silva olha com otimismo, embora duvide que se consiga fechar todos os acordos sobre a relação futura até dezembro, altura em que termina o período de transição. O ministro que tem feito do relacionamento com Angola uma das prioridades da diplomacia, vê-se a braços com o Luanda Leaks e nesta conversa tenta sempre não se comprometer. Se Portugal foi ou não benevolente com os negócios em Angola, é um assunto que “cabe às autoridades competentes avaliar”. Mas não se arrepende dos elogios que fez ao investimento de Angola em Portugal. Já sobre política interna, aí não faltam palavras e algumas bastante duras. Fala da “ignorância” e do “preconceito xenófobo” de André Ventura, e “malha” nos partidos da oposição por causa da descida do IVA da eletricidade, que pode tornar-se um problema “muitíssimo grave”, até do ponto de vista político. Suficiente para uma crise política? “Vamos ver”. Quanto aos rumores de uma saída antecipada do ministro depois da presidência portuguesa da União Europeia, são manifestamente exagerados. Augusto Santos Silva está para ficar, assim o primeiro-ministro mantenha nele a confiança.
[Os melhores momentos da entrevista a Augusto Santos Silva]
Os portugueses e o coronavírus: “Aplicaremos as normas internacionais”
Vamos começar pelo tema que tem marcado estes dias, o surto de coronavírus. Já sabemos, por esta altura, que os portugueses que pediram para ser retirados de Wuhan estão de regresso, virão para Portugal. Já sei também que não quer dar grandes detalhes em relação a essa operação, mas talvez fosse importante, pelo menos, percebermos os contornos gerais. Quando é que esse grupo de portugueses vai chegar a Portugal?
Quando a operação estiver concluída com êxito.
Nesta altura não é possível saber quando é que isso será?
Esperamos que aconteça nos próximos dias.
Há notícias que dizem que isso pode acontecer já no sábado.
São especulações. Eu não tenho nada a acrescentar ao comunicado que fizemos sair. Portanto, nós confirmamos que as nossas diligências tiveram êxito e foi possível constituir uma operação coordenada ao nível europeu. Haverá voos de repatriamento de cidadãos europeus que se encontram na cidade mais atingida pelo vírus. Confirmo, também, que os portugueses que pediram repatriamento estão todos abrangidos por esta operação de repatriamento. Em relação aos pormenores técnicos, logísticos e diplomáticos, na minha opinião, quanto mais contidos formos sobre esses pormenores, maior êxito terá a missão, e evidentemente que o êxito da missão é o nosso objetivo essencial.
Também não quererá confirmar uma notícia desta quinta-feira que diz que, apesar de este voo, que é um voo comercial, ser fretado para trazer estes cidadãos europeus, ele parará em Paris, e o trajeto entre Paris e Portugal será feito num avião militar, num C-130.
Peço perdão e peço que compreendam que deva ser o mais económico sobre as questões de natureza logística, porque essas questões de natureza logística devem ser tratadas com a discrição suficiente para que a operação tenha êxito. Esta é uma operação muito complexa, porque envolve dois tipos de coordenação. Envolve uma coordenação entre os países europeus, por um lado, e por outro lado envolve uma coordenação com as autoridades chinesas. As autoridades chinesas, as autoridades de saúde pública, têm de autorizar que haja uma exceção à regra geral da quarentena que foi aplicada à cidade de Wuhan.
E foi fácil conseguir essa cooperação?
A operação já está em curso, portanto…
Foi por isso que o anúncio do plano de fretar um avião foi feito na segunda-feira e só nesta quinta-feira é que se conseguiu avançar os planos? Tem a ver com essa complexidade de que fala?
Na segunda-feira, nós comunicámos a nossa intenção de realizar uma operação de repatriamento em coordenação com os nossos parceiros europeus. Temos trabalhado intensamente, antes e depois de segunda-feira, de forma a materializar essa operação. Recordo que a operação norte-americana, que foi a primeira a ser realizada, decorreu entre terça e quarta-feira. A operação japonesa decorreu a seguir. A operação europeia está a decorrer agora e se ela, como espero, tiver êxito, isso significa que nós conseguimos tratar da questão com as autoridades chinesas de forma a que o nosso objetivo fosse cumprido e também que nos conseguimos coordenar ao nível europeu, o que não é de somenos importância, porque significa que temos esta capacidade de, recorrendo à concertação dos nossos esforços, responder rápida e eficientemente às necessidades dos nossos concidadãos. A Europa também se faz assim.
Essa concertação de que fala, depois à chegada a cada país, acaba por deslassar, porque cada país tem a sua estratégia para lidar com os nacionais que chegam.
Eu não diria isso, embora essa não seja a minha competência, nem técnica nem política. Mas o que ouço às autoridades de saúde portuguesas é que, justamente, nós aplicaremos as normas internacionais. Naturalmente, as pessoas que vão ser repatriadas têm de ser objeto de medidas, primeiro, de transporte e, segundo, de controlo sanitário — espero que seja assim que se diga — de forma a garantir que elas, se estiverem infetadas, possam ser convenientemente tratadas, e que se possa saber qual é o seu estado de saúde. E isso as autoridades de saúde nacionais farão. O Ministério da Saúde já explicou bastante bem como é que se fará no caso português. Naturalmente, também houve aqui um esforço de coordenação de transporte no segmento principal da operação. Trata-se de ir à China, lá conseguir reunir pessoas que estão em diferentes localizações e trazê-las num avião, que há de aterrar num aeroporto europeu, e evidentemente que depois cada país tem de tratar dos seus próprios nacionais. Tudo isso está planeado, tudo isso está em curso.
Coronavírus. O que significa um estado de emergência de saúde pública internacional?
Mas não está previsto, por exemplo, que sejam postos de quarentena, como acontece por exemplo em Espanha e França, que vão fazer isso com os seus repatriados, independentemente de apresentarem sintomas ou não.
Como a senhora diretora-geral da saúde já explicou ontem e hoje, na lei portuguesa nós não falamos propriamente de quarentena, mas há medidas de isolamento social a que são naturalmente sujeitas as pessoas, até os técnicos que as acompanham. Nós temos elementos, quer dos Negócios Estrangeiros quer de outros ministérios, a acompanhar a operação, e essas pessoas, cuja dedicação profissional quero enfatizar, porque voluntariaram-se para fazer essa operação, essas pessoas também estarão sujeitas às medidas de saúde necessárias para nós termos a certeza de que elas estão em boas condições.
Isso significa que a essas pessoas e aos doentes que elas vão ajudar a trazer para Portugal, vai-lhes ser pedido que fiquem em casa? O tal isolamento social de que falava?
Quando a operação estiver concluída com êxito, como eu espero, será possível explicar como é que ela foi planeada…
É que há aqui uma diferença muito grande entre pedir às pessoas para ficarem em casa, ou tomar determinadas medidas, ou avaliar caso a caso, ou decisões como, por exemplo, em Espanha, onde todo um piso de um hospital foi reservado para todas as pessoas que vierem com sintomas, sem sintomas, ficarem 14 dias, que se estima ser o período de incubação, de quarentena; França fará a mesma coisa. Mas Portugal entende que pode ser feita uma avaliação caso a caso. Não é estranho?
Não. Portugal aplica as normas da saúde pública adequadas e compreenda que eu não me deva pronunciar sobre isso, até porque não é a minha responsabilidade política nem é a minha competência técnica, e não vou falar do que não sei.
Há uma questão que não é propriamente técnica, de uma discussão que surgiu também a propósito disto, que tinha a ver com a questão legal, de possível ou não possível internamento compulsivo. Que, eventualmente, também tem de ser avaliado. Seria possível nós obrigarmos as pessoas que viessem não doentes…
Peço desculpa interrompê-la, mas está-me a colocar questões a que eu não posso responder, porque não é a minha área. Eu sou ministro dos Negócios Estrangeiros e portanto eu tratei da parte que implica coordenação europeia — eu e outros ministros que têm competências também nessas áreas — e na área que implicava concertação com as autoridades chinesas. As questões de saúde pública não são minhas. O que eu sei e posso garantir é que os mecanismos que serão aplicados às pessoas à chegada são os mecanismos que Portugal aplica em circunstâncias similares, e toda a gente sabe que nós aplicamos bem.
Se Portugal receber pedidos de outras cidades chinesas, por exemplo, se o surto se alastrar significativamente a outras cidades chinesas, ou outras cidades fora da China, Portugal estará disponível para prestar este tipo de auxílio aos portugueses que quiserem também regressar a Portugal?
Não é meu hábito responder a perguntas que começam por “se”, porque se nós começamos a colocar cenários…
Imagino que, nesta altura, o Governo esteja a colocar todos os cenários para poder agir rapidamente a todos os “ses”.
Não, não. Nós temos planos, e disposições legais, que dão o quadro de referência para a nossa atuação em circunstâncias em que os portugueses residentes no estrangeiro possam precisar de apoio específico, excecional, da parte do Estado português. E, por alguma razão, esses planos não são públicos. Essa é uma condição da sua operacionalização e da sua eficiência. Portanto, nós temos hoje uma cidade na China que está sob quarentena. Nessa cidade e na sua envolvente, tínhamos registo da presença de vinte cidadãos portugueses, que foram contactados, e verificou-se que um pouco menos do que esse número estava na cidade e, de entre os que estavam na cidade, muitos, a grande maioria, manifestou o desejo de ser repatriada. A partir daí, procurámos montar uma operação de repatriamento que, se tudo correr bem, será terminada com êxito, significando que esses nossos compatriotas vêm para Portugal.
Marroquinos de desembarcaram em Portugal. “Temos de perceber o que é que os casos significam”
O senhor ministro chegou esta quinta-feira de Marrocos, onde teve uma agenda que passou por encontros na área empresarial, mas também política. Esta quarta-feira houve a notícia de 11 marroquinos que foram intercetados pela Polícia Marítima quando tentavam desembarcar ilegalmente no Algarve, depois de já ter havido o registo de outros oito terem feito o mesmo em dezembro. Este assunto foi discutido com as autoridades de Marrocos?
Naturalmente.
E o Governo português, como é que olha para estas duas chegadas? Como dois casos isolados, ou acredita que pode estar aqui perante um eventual surgimento de uma rota de emigração ilegal?
Vamos ver. São por enquanto dois casos, separados no tempo. Mas isso também nos deve levar a olhar com atenção e a tentar perceber o que é que eles significam. E, por isso mesmo, o trabalho de concertação entre Portugal e Marrocos, também na área da Administração Interna, ou do Interior, é muito importante, e esse trabalho faz-se de forma a que as autoridades dos dois países estejam em contacto e possam intervir, se for necessário intervir, a tempo.
E já há alguma conclusão sobre o que isso pode significar ou ainda é prematuro?
Não. Estamos a falar numa quinta-feira, esse episódio aconteceu numa quarta-feira de manhã, deu-se o caso de eu estar em Rabat nessa circunstância, pude logo abordá-lo com o meu colega, o ministro dos Negócios Estrangeiros de Marrocos, mas naturalmente essas são áreas de responsabilidade política de outros ministérios e, portanto, nós acertámos a forma como o mais rapidamente possível as áreas competentes deveriam concertar-se entre si.
Por aquilo que nós sabemos o primeiro grupo até nem tinha a intenção de vir para Portugal, estaria a tentar desembarcar em Espanha, mas este — revelava o Expresso ainda ontem — seria um grupo de amigos daqueles primeiros, que queria isso sim desembarcar em Portugal. Teme que isto se possa transformar numa alternativa e numa opção para a emigração que vem do Norte de África?
Não creio, mas, evidentemente, a primeira preocupação é com as condições precaríssimas em que essas pessoas, julgo que 11, se encontravam. Felizmente foram intercetadas pela polícia marítima portuguesa, que lhes pôde dar apoio e o auxílio e as pôde intercetar. Agora o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras fará o que está nas suas competências, mas evidentemente é preciso olhar com atenção para estes episódios e ver se eles significam alguma coisa mais do que episódios.
O Brexit e Portugal: “A coisa não tem corrido mal”
Mais de três anos depois, o Brexit acontece esta sexta-feira. O senhor ministro faz parte dos que achavam que isto nunca ia acontecer ou já tinha a convicção de que mais cedo ou mais tarde o Reino Unido ia sair da União Europeia?
Para mim foi uma surpresa — e uma surpresa triste — o resultado do referendo de 2016. Claro que todos nós que acompanhávamos a campanha para o referendo e as sondagens fomos-nos apercebendo de que a vitória do Leave, da saída, podia ser real. A partir do momento em que o resultado do referendo foi conhecido — o referendo foi a 23 de junho de 2016, lembro-me porque o resultado foi no 24 e como sabem no Porto entre o 23 e o 24 [noite de São João] não é costume dormir — o primeiro-ministro, que foi o primeiro a reagir, estava eu ao lado dele, disse logo o que haveria de marcar a posição portuguesa, que é: lamentamos, mas respeitamos inteiramente. E a partir daqui, o que é preciso é que a saída seja ordenada, seja regular, não seja caótica, e que trabalhemos numa nova relação futura entre a União Europeia e o Reino Unido, tão forte quanto possível. E a posição portuguesa tem sido sempre esta, ao longo destes três anos. E julgo que, aliás, demos uma contribuição muito positiva para que houvesse uma saída com acordo e que houvesse condições para negociar uma nova relação.
A que nível?
E isso, não sou só eu que digo… eu sou testemunha das vezes em que a primeira-ministra Theresa May ou o primeiro-ministro Boris Johnson expressamente se dirigiram às autoridades portuguesas para agradecer a forma empenhada e equilibrada como Portugal, dentro dos 27, contribuiu para que houvesse um acordo, para que fossem respeitadas e contribuídas as preocupações e as intenções do Reino Unido e para que se pudesse evitar o cenário que, para nós, era sempre o pior dos cenários possíveis, que era uma saída sem acordo.
Mas com alguma ação concreta?
Sim, posso dar vários exemplos: em primeiro lugar, na discussão do mandato negocial do mandato europeu. Portanto, ao nível dos chefes de Estado e de Governo, a participação portuguesa é garantida pelo primeiro-ministro António Costa. Depois, ao nível setorial e do apoio ao trabalho da equipa negocial chefiada por Michel Barnier, eu salientaria dois ou três pontos. Portugal, juntamente com outros países e com a comissão europeia, foi absolutamente claro na definição de prioridades. E a primeira prioridade são os direitos dos cidadãos. Os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido e os direitos dos cidadãos dos cidadãos britânicos na Europa. Depois, quando o Reino Unido lançou a primeira forma de registo, de regularização da residência — porque, como sabe, para muitos de nós, viver noutro pais europeu não exige a regularização junto das autoridades, é uma liberdade que nós temos, a liberdade de circulação e da residência das pessoas no âmbito da União Europeia. O Reino Unido lançou um processo de regularização para as pessoas se registarem como residentes, para saberem se já residiam há mais de cinco anos e tinham direito a residência permanente, etc., e o primeiro mecanismo que lançaram era um processo que tinha 85 páginas, se não me falha a memória, páginas de impresso. Virtualmente impossível de preencher por uma pessoa normal. O primeiro-ministro Boris Johnson era então ministro dos Negócios Estrangeiros e lembro-me bem de uma reunião que tive com ele no MNE britânico e eu disse: isto é impossível de preencher, vamos lá ver se conseguimos convencer o vosso colega do Home Office a fazer um processo que seja gerível e que seja amigo das pessoas. E isso foi possível fazer. De tal forma que hoje mais de de 230 mil portugueses se registaram no Reino Unido. Não digo que foi Portugal que proporcionou isso, mas Portugal, como outros países, facilitou o processo. E também a forma imediatamente rápida e absolutamente generosa como nós, da nossa parte, garantimos aos cidadãos britânicos residentes em Portugal que eles eram bem-vindos, que seriam todos regularizados, que não haveria visto pedido na deslocação pós-Brexit, etc.
O que é certo é que, a partir das 11 da noite, começa o chamado período de transição e as negociações intensas, até ver, até dezembro . Nessas negociações, e independentemente da posição portuguesa que já expressou, é importante que o Reino Unido não fique melhor do que esteve até aqui para não incentivar outros países a seguirem o mesmo caminho?
Do nosso ponto de vista, o Reino Unido nunca ficará melhor. Porque do nosso ponto de vista a melhor situação é ser membro da União Europeia. Portanto essa situação não se coloca. Para nós, que somos membros da União Europeia, ser membro da UE é mais vantajoso do que estar fora da UE.
O Reino Unido terá, provavelmente, outra visão…
Sim, mas cada um fala por si. Portanto, eu não tenho, e Portugal nunca teve ao longo destes três anos, aquela lógica do ‘agora vamos penalizar o Reino Unido’. Eles atreveram-se a querer sair, vamos castigá-los por isso. Ou, então, agora vamos tratar o Reino Unido de forma tão má que outros estados membros da União Europeia que quisessem também sair fossem vacinados contra a intenção de sair. Nunca foi esse o comportamento português. Agora, o novo acordo, do nosso ponto de vista, terá que ser o mais denso e próximo possível.
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Acha que esse acordo denso e próximo de que fala é possível de atingir nos 11 meses que estão calendarizados para o fim das negociações?
Como sabe, nós, os portugueses, não costumamos ter problemas com prazos limitados. Até trabalhamos melhor quando sabemos que há um prazo limite que temos que respeitar. Mas nós, os europeus, já chamámos à atenção, através designadamente da presidente da Comissão Europeia, para o facto de nos parecer que dezembro de 2020 é talvez um prazo demasiado próximo. Não dará tempo para discutir e chegar a acordo para coisas que são muito complexas. Mas também sabemos que o primeiro-ministro britânico fez aprovar uma lei no parlamento segundo a qual o 31 de dezembro é uma data limite. Portanto, temos que trabalhar assim, sabendo que, a qualquer momento, até julho, podemos decidir de comum acordo adiar por mais um ou dois anos o prazo de conclusão do novo acordo. Agora, para não entrarmos no ‘eurocratês’, que é incompreensível, deixem-me dizer o seguinte: o que é que quer dizer este período de transição de 1 de fevereiro até 31 de dezembro? Eu não sou jurista e portanto posso dizer assim: para todos os efeitos práticos, tudo continuará como dantes até 31 de dezembro. Isto é, as pessoas que residem no Reino Unido estão tranquilas, ninguém as pode incomodar, eu posso entrar no Reino Unido como entrava até aqui, com um cartão de identidade, as empresas continuam a seguir as mesmas regras como até aqui. O período de transição tem esta grande vantagem, que é alongar no tempo o processo de adaptação ao que vai ser a nova realidade. Para os cidadãos, isso quer dizer que a regularização da minha presença, o registo, pode ser feito até ao fim de junho do próximo ano, mesmo que eu entre no Reino Unido no dia 31 de dezembro de 2020 — esse dia conta para eu formar o direito de, ao fim de nove anos, ser residente permanente no Reino Unido. Isso dá uma vantagem de prolongar no tempo o status quo e também cria um ambiente mais favorável a um novo acordo, porque não há rutura, não é? Significa que nós sabemos que conseguimos resolver este ponto e certamente conseguimos resolver o ponto seguinte, que é qual vai ser a nossa relação futura com o Reino Unido.
Do seu ponto de vista, o cenário de uma saída sem acordo está completamente afastado?
O acordo de saída está aprovado. Foi aprovado pelos britânicos.
Não estava a falar disso. Até Dezembro, é preciso chegar a uma série de compromissos entre as duas partes para que, em termos aduaneiros ou direitos dos cidadãos, as coisas fiquem firmadas…
Sim, mas se não chegássemos a acordo, o que aconteceria? O Reino Unido passaria a ser um país terceiro em relação à União Europeia.
E isso, na sua perspetiva, está completamente afastado?
Não porque a negociação ainda não começou. Aliás, sempre dissemos que a parte mais fácil era o acordo de saída. O acordo sobre a relação futura é a parte mais difícil.
E nessa parte mais difícil quem é que tem a posição mais forte? O Reino Unido, que não quer uma extensão do período de transição, ou a União Europeia, que não quer os prejuízos de uma saída caótica (o que tornaria o Reino Unido num país terceiro)?
Ambos têm posições fortes. Não é uma questão de um ganhar o que o outro vai perder. Não é essa lógica de “jogo de soma nula”. É um jogo em que ambos perdem, mas é possível haver uma concertação para perderem o mínimo possível.
Um estudo de uma universidade belga estimava que, em caso de um no deal, a saída caótica implicaria uma perda de 2,3 mil milhões para a balança comercial portuguesa. Nessa perda que ambas as partes vão ter, há alguma ideia de qual será a perda agora para Portugal?
Há estudo que foi realizado pela empresa e a equipa do Prof. Augusto Mateus, encomendado pela CIP e pago com fundos públicos comunitários. Este estudo, como os próprios autores dizem, é limitado porque nos falta o termo de comparação: é a primeira vez que isto acontece. Hoje, com a experiência de 3 anos e meio (o referendo foi feito em Junho de 2016), o que aconteceu entretanto? As exportações portuguesas para o Reino Unido aumentaram. O volume de receitas dos turistas britânicos em Portugal aumentou. O saldo da balança comercial, que no caso da nossa relação com o Reino Unido é favorável para Portugal (nós mais do que duplicamos o valor das exportações para o Reino Unido, em relação ao valor das importações) continuou favorável nesta proporção. Em 2017, o Reino Unido foi o país do qual veio mais investimento estrangeiro para Portugal.
Portanto, está otimista.
Não estou a dizer que não vai haver problemas. Só estou a dizer que por mais amor que tenhamos às cenarizações, (e dentro das cenarizações, às mais pessimistas) também temos de compreender que as economias são bastante resilientes, e a capacidade de adaptação de pessoas e empresas não deve ser desvalorizada. A coisa não tem corrido mal. Vamos lá ver se conseguimos um acordo que permita que a coisa continue a correr bem.
Os setores têxtil e o das pescas têm sido os mais apontados a sofrerem mais prejuízos. Há medidas específicas para estes dois setores?
Até agora fizemos um plano de preparação, que temos cumprido. E fizemos também um plano de contingência, em caso de não acordo, e que não será imediatamente desativado. Por exemplo, as medidas do plano de contingência em relação ao apoio consular decidi mantê-las mais uns meses porque é importante que as pessoas se sintam apoiadas, e que têm serviços e que a eficiência da administração melhora. É bom que o reforço excecional que fizemos se mantenha durante mais umas semanas até termos a certeza que todos os portugueses que quiseram regularizar a sua situação o conseguiram fazer.
Os desafios do Brexit
Quanto à relação futura com o Reino Unido…
Vai ser muito importante. Costumamos dizer, do lado europeu, que queremos um acordo económico com zero quotas, zero tarifas e nenhum dumping. Os britânicos têm dito que querem um acordo com zero quotas, zero tarifas. Qual é a diferença? Nós vemos um acordo livre de comércio, “zero quotas, zero tarifas”, mas também queremos que haja concorrência leal entre nós. Queremos um alinhamento regulamentar entre as duas economias. Os britânicos dizem que querem o Brexit para recuperar a sua independência regulamentar. Aí vai haver uma questão difícil de resolver.
E noutras áreas?
Em relação a outras dimensões, não antevejo nenhuma dificuldade na cooperação na área da defesa. Cooperação na área da segurança em sentido lato (policial, judiciária, luta contra o terrorismo) é do interesse evidente de ambos.
E em relação ao Tribunal Europeu?
Vamos ver. Uma das razões que os britânicos invocaram para sair é que queriam sair da jurisdição do Tribunal Europeu. Essa questão vai regressar quando tratarmos da governação do Acordo, saber qual é a instância que resolverá eventuais litígios. Mas, primeiro, vamos fazer o Acordo e tratar da governação do Acordo, talvez cheguemos a um bom resultado. E agora, se me permitem um pequeno momento de patriotismo: se o Acordo não ficar concluído até 31 de Dezembro, isto significará que a Presidência Portuguesa da União Europeia terá um papel muito importante a procurar concluí-lo.
Isso é uma boa ou má herança?
É um problema. Será mais uma questão que nós herdaremos. Mas já resolvemos questões mais difíceis em anteriores presidências.
Nomeadamente o Tratado de Lisboa, que acabou por incluir o artigo que permite agora ao Reino Unido sair.
Foi uma inovação muito importante. Dez anos depois já se pode fazer a história. É curioso como dois artigos a que, na altura, poucos de nós deram importância (eu não dei) se revelaram tão importantes: o artigo 50º, que permite a saída, e o artigo 7º, sobre o Estado de Direito. Ninguém imaginava que dez anos depois estivéssemos a discutir a independência da imprensa, dos tribunais ou o cumprimento da Lei num país da União Europeia. E por outro lado, também ninguém antecipou que dez anos depois tivéssemos um Estado-membro a dizer “Eu quero sair”.
As autoridades portuguesas continuam a receber muitos pedidos de contacto?
Continuamos a ter muita gente. Para termos uma ideia, hoje na Grã-Bretanha temos dois consulados, em Londres e em Manchester. Nesses consulados, há 350 mil inscrições. Ma quando olhamos para os números da Segurança Social britânica, podemos dizer com confiança que haverá 300 mil portugueses residentes no Reino Unido. Se temos 230 mil que já se candidataram, isto significa que temos 70 mil ainda, em relação aos quais pode acontecer que já tenham a residência permanente, e não tivessem que se candidatar, ou que ainda não o tenham feito. Estamos a identificar essas pessoas. Em 2019, os dois consulados praticaram 130 mil atos. E o centro de atendimento que montámos atendeu uma média de 6700 chamadas por mês. E-mails foram 35 mil. Tudo isto mostra que as pessoas estão a tratar da sua vida. O meu apelo é que todos se inscrevam e registem para que não haja nenhuma dúvida, ambiguidade ou complicação depois de 1 de julho de 2021.
“Luanda Leaks”, um novo irritante?
O caso Isabel dos Santos pode tornar-se “um irritante” para Angola como Manuel Vicente foi “um irritante” para Portugal ou as autoridades portuguesas vão cooperar com as judiciais angolanas?
Tem havido uma cooperação sem falhas. Não posso falar do lado das autoridades judiciais, posso apenas chamar a atenção para o que todos vimos e sabemos: os dois Ministérios Públicos em cooperação clara e pública. Do ponto de vista da política externa, sempre foi a minha vontade que a relação bilateral estivesse ao melhor nível porque isso é importante para que a cooperação entre os dois países se faça em todas as áreas incluindo naquelas que são críticas para assuntos como este. Nós não só verificamos que o acordo de cooperação judiciária entre os dois países funcionava e se aplicava — disse-o o Tribunal Superior português — como, no decurso de uma visita, assinámos acordos que estenderam a cooperação a áreas como a fiscal e tributária. Portanto, do ponto de vista político, o que tenho a dizer é que e alargámos a cooperação bilateral a vários domínios e ela está agora a ser usada para os fins para os quais foi concebida.
As autoridades angolanas pediram que Portugal cumprisse as cartas rogatórias enviadas para notificar as pessoas e expressou o desejo de julgar esses portugueses em Luanda. Isto vai acontecer? Portugal vai permitir que isto aconteça? Extraditar os portugueses?
Não sou eu quem, à luz da Constituição portuguesa, pode responder a essa pergunta. São as autoridades judiciais. Da mesma maneira que digo que a política externa tem uma esfera de autonomia própria conduzida pelo Governo e não por órgãos judiciais, também digo que não é o Governo que toma decisões judiciais.
Mas quando falou do caso Manuel Vicente e daquele “irritante”, isso não era falar sobre uma coisa que era competência das autoridades judiciais?
Não, mas falei sempre para dizer que era às autoridades judiciais portuguesas que competia resolver a questão.
Com um adjetivo, senhor ministro…
Qual?
O “irritante”.
Nesse caso, o irritante é substantivo. Era irritante do ponto de vista da política externa. Durante um ano e meio nunca conseguimos chegar ao ponto mais alto do relacionamento, que eram visitas ao nível do chefe de Estado ou de Governo, porque Angola dizia que enquanto não se esclarecesse a questão judicial, não estava preparada para esse patamar mais alto. E nós sempre respondemos a Angola que isso era de facto um irritante, um argumento que não permitia levar as relações ao seu nível mais alto, mas que só o decurso do processo judicial podia resolver. E foi assim que aconteceu. Um tribunal superior mostrou que o acordo de cooperação judiciária se aplicava e o processo de Manuel Vicente poderia ser transferido para Angola.
Olhando agora para o que tem vindo a público e se vai sabendo, há alguma possibilidade de Portugal ter sido benevolente com os negócios e com o investimento angolano nos últimos anos?
Não sei, mas tenho a certeza que as autoridades competentes o determinarão.
Tem sido uma voz constante a elogiar as relações económicas com Angola e a importância do investimento angolano nos momentos em que Portugal passou por períodos difíceis. Arrepende-se de alguma coisa que tenha dito?
Manteria todas as palavras que disse. Não sei dizer, porque ainda não temos os dados todos de 2019, qual é a importância de Angola como parceiro comercial português. É seguramente o nosso primeiro parceiro em África e é capaz de estar ainda nos dez primeiros parceiros comerciais. A melhor maneira de haver uma relação económica duradoura é que ela seja equilibrada. As importações que Portugal faz de Angola estão a aumentar e isso é positivo, o investimento português em Angola foi e é muito importante, por isso saúdo que haja também investimento angolano em Portugal. Sobretudo em áreas como a indústria, energia, a banca. Agora, digo sempre isto em relação ao investimento angolano, americano, chinês, inglês, francês, espanhol ou português, no pressuposto de que esse investimento cumpre a lei, que os capitais são daqueles que os utilizam, que a propriedade declarada é a efetiva e que não há nenhuma delinquência por trás de decisões de investimento.
Sendo Isabel dos Santos uma player importante na economia portuguesa desde há alguns anos ficou surpreendido com o teor das suspeitas que pendem sobre ela?
Não estou ministro dos Negócios Estrangeiros para me surpreender e acho que fui acompanhando bem o processo de transição política que está a ocorrer em Angola. Sou beneficiário direto disso porque consegui, em relação a Angola, algo que um ministro dos Negócios Estrangeiros fica contente quando consegue, que são três visitas de Estado praticamente seguidas. Tenho uma relação muito intensa com as autoridades angolanas, conseguimos acordos importantes, alguns bloqueados há anos, conseguimos avanços significativos na questão das dívidas às empresas portuguesas.
E desse ponto de vista…
A partir do momento em que o Estado angolano aprovou uma lei para incentivar o repatriamento voluntário de capitais e houve entidades que não usaram essa lei, qualquer observador minimamente atento podia pôr a hipótese de que pudesse haver outras decisões.
O “preconceito xenófobo” de André Ventura
A ameaça do populismo chegou de vez a Portugal?
Sou sociólogo de formação e sempre disse que a exceção portuguesa não era que não houvesse populismo ou sentimentos populistas, há em todo o lado. A boa exceção portuguesa era que não havia expressão política. Infelizmente, nas últimas eleições perdemos essa exceção. Seria hipócrita se dissesse que não vejo essa evolução como um elemento negativo. Agora, em comparação com praticamente todos os países europeus, Portugal ainda tem um nível de expressão política do populismo muito residual e isso é uma vantagem grande.
Como olha para as palavras recentes de um deputado que sugeriu que uma deputada fosse devolvida ao seu país de origem?
Com estupefação. Porque o país de origem da deputada Joacine Katar Moreira é Portugal. Ela é uma cidadã portuguesa, por isso mesmo é que pôde concorrer ao Parlamento português e ser eleita.
Foi a única leitura que fez dessas palavras?
Não, mas começo por aí porque o populismo tende a aumentar com a ignorância. O preconceito xenófobo que subjaz a essa afirmação parece-me evidente. Julgo saber que a conferência de líderes condenou formalmente essas afirmações, não sei se foi por consenso ou não, mas não me admirava.
Esta polémica começou com uma proposta de devolução do património das ex-colónias que esteja em museu portugueses. Portugal precisa de fazer as contas com o seu passado?
Não diria. Portugal tem um passado, aliás de quase nove séculos, do qual nos podemos orgulhar na generalidade dos aspetos e tem lados também muitos sombrios. A quantidade de escravos traficados por Portugal é um aspeto muito sombrio da nossa história. Mais importante que isto é que conseguimos fazer com a nossa revolução democrática três coisas paralelas e importantes: democratizarmo-nos a nós mesmos e encetar um percurso de desenvolvimento que faz com que o Portugal de hoje seja incomparável para melhor do que o Portugal do salazarismo e do marcelismo — do marcelismo… de Marcello Caetano.
Fica registada a ressalva.
A segunda é que conseguimos fazer a transição democrática e a integração europeia. E a terceira é que conseguimos criar uma nova relação com os novos países independentes que tinham sido colónias de Portugal, que fez que em 20 anos conseguíssemos pôr em pé a CPLP e a língua portuguesa se tornasse a língua nacional de países tão importantes como Angola em Moçambique, onde é um muito importante fator de unidade nacional. Devemos olhar para isto tudo ao mesmo tempo e não entrarmos em polémicas deslocadas ou excessivas sobre aspetos descontextualizados desta nossa história. Assumamos a história por inteiro. Quanto a questões específicas colocadas por países amigos, à medida que elas forem colocadas, nos trataremos delas com a reserva e a ponderação convenientes.
Descida do IVA da eletricidade como pede a oposição pode ser “muitíssimo grave”
Essa proposta surgiu no âmbito do orçamento do Estado. Ouvimos recentemente o primeiro-ministro a alertar para partidos que podem estar a querer precipitar o fim desta legislatura. Acha que há esse risco?
Constato que recrudesceu, desta vez, uma lógica profundamente condenável de fazer de um Orçamento de Estado, a árvore de Natal em que se põe tudo, incluindo questões que não têm nada a ver com as contas do Estado para este ano. É um mau princípio. Mesmo de partidos como o PSD, aparecem propostas que significam uma diminuição de receita ou aumento da despesa sem as devidas compensações, significando um aumento do défice. Se somarmos todas as propostas que estão em cima da mesa, já dá um buraco incomportável para o Orçamento do Estado.
A mais polémica tem a ver com a descida do IVA da eletricidade.
Se fosse aprovada nos termos em que alguns a têm apresentado, significaria uma perda de centenas de milhões de euros de receita do Estado e, portanto, a impossibilidade de o Estado português cumprir objetivos que se determinou a si próprio quando aprovou na generalidade o OE, fixando a meta de um excedente de 0,2%, e também os compromissos que tomou no quadro da zona euro junto dos parceiros europeus. Se isso viesse a acontecer, seria muitíssimo grave do ponto de vista económico, financeiro e do ponto de vista político.
Está em causa a demissão do Governo, como se chegou admitir no caso dos professores?
Vamos ver. No dia em que eu falo nem sequer se conhecem as versões finais das propostas que estarão em discussão na especialidade e, portanto, o meu apelo é que o bom senso vingue. Um ponto é claro: nenhum governo governa sem um orçamento.
Uma legislatura encurtada abruptamente era uma má notícia, ou até podia ser clarificadora tendo em conta este quadro em que o PS reforçou o número de deputados, mas parece estar a ter mais dificuldades — logo neste primeiro exercício orçamental?
Sempre tivemos dificuldades, não é por aí que o gato vai às filhós. Agora, como MNE, o que posso dizer é que a estabilidade política do país, a dos últimos nove anos — o facto de o país ter tido governos entre 2011 e 2019 que cumpriram o seu mandato —, é uma vantagem na Europa e no mundo. É um elemento que é remunerador para nós quando, por exemplo, trato da atração de investimento estrangeiro, das negociações que se têm de fazer no quadro da União Europeia, para evitar sanções por défice excessivo. Não recomendaria ao país que abandonasse esse seu trunfo. Vamos ver. Não podemos ter uma lógica na qual os grupos políticos da oposição querem aumentar todas as parcelas e no fim querem que a soma seja menor; querem aumentar a despesa mas querem que os impostos sejam reduzidos; querem eliminar receita fiscal mas que o Estado gaste mais dinheiro no Serviço Nacional de Saúde, nos investimentos públicos ou na educação. Não podemos entrar nessa esquizofrenia.
Saída antecipada do Governo? “Enquanto o primeiro-ministro tiver confiança em mim, sabe que pode contar comigo”.
Há pouco admitia que o acordo final do Brexit pudesse vir a calhar na presidência portuguesa. Este fim de semana, Portugal acolhe em Beja a reunião dos países amigos da coesão. Continua otimista quanto à possibilidade de haver um entendimento quanto ao orçamento da União Europeia 2021/2027, ou também é um problema que a presidência portuguesa pode vir a ter que gerir?Continuo otimista por uma questão de realismo. Só há orçamento se houver entendimento. O Presidente do Conselho já marcou um Conselho Europeu sem hora marcada para o fim, para discutir apenas o quadro financeiro plurianual. A presidência croata já tornou claro que essa é a sua prioridade número dois, numero três e número quatro. Teremos ainda a presidência alemã. E sabemos que a hipótese de não haver um acordo político sobre o próximo quadro financeiro ainda este ano, faria perder o ano de 2021, porque depois de haver um acordo político ainda temos de acabar os regulamentos todos e pôr em marcha o novo quadro. Por isso, Portugal tem defendido uma aprovação o mais cedo possível e procurado contribuir para que haja um entendimento. Parece claro que vamos ter de nos entender.
A presidência portuguesa é seguramente uma das prioridades deste ministério para este ano e para o próximo. E depois disso? Quais são os seus desafios? Pergunto-lhe porque, como sabe, se fala muito na permanência de Mário Centeno neste Governo. Mas também corre nos bastidores que o senhor ministro quer concluir a presidência da União Europeia e depois deixar o Governo. Confirma essa tese?
Adoro essas especulações porque toda a gente sabe, pelo menos no meio da imprensa, que eu não falo em off, nem tenho estados de alma. Nunca me pronunciei sobre o meu futuro próximo, a não ser em termos que são claros. Sou deputado eleito pela emigração e fui convidado pelo primeiro-ministro e aceitei ser, com muita honra aliás, ministro dos Negócios Estrangeiros. É esse o meu lugar.
O primeiro-ministro já disse que será primeiro-ministro para a duração da legislatura. Vai ser ministro dos Negócios Estrangeiros toda a legislatura?
Não sei, isso depende do primeiro-ministro.
Se depender de si, estará aqui para a legislatura.
Já me viu sair de algum Governo a meio?
Há sempre uma primeira vez, como se viu com o Brexit.
Não me ponha na posição de estar aqui a dizer… eu estou ministro e sou ministro. Toda a gente sabe que o Governo é constituído pelo primeiro-ministro, é ele quem o lidera e enquanto o primeiro-ministro tiver confiança em mim, sabe que pode contar comigo.
[A entrevista na íntegra:]