São cerca de 600 hectares de terra, mais de 1,1 milhão de oliveiras plantadas e um investimento de 1,2 milhões de euros na criação de mais uma nova linha de produção, a terceira. Em pleno olival alentejano. De que se fala? Da Herdade da Maria da Guarda, a herdade que João Cortez de Lobão decidiu renovar em 2006 e que, hoje, é responsável por levar grande parte do azeite português para mesas italianas. Mais de 95% do que a empresa produz é exportado, sobretudo para Itália, a granel, ou seja, para ser embalado por outras marcas. O azeite é português, mas quem o consome não sabe. No rótulo, a bandeira italiana surge acompanhada de um “Produzido na União Europeia”. E é só.
O investimento na terceira linha de produção, inaugurada esta segunda-feira pela ministra da Agricultura e do Mar, Assunção Cristas, vai permitir que a herdade alentejana duplique a produção diária de azeite e passe de 80 mil para 160 mil quilos de néctar mediterrânico por dia. As estimativas apontam para que, na próxima campanha (2014/2015), a Herdade da Maria da Guarda atinja 1,2 milhões de quilogramas de azeite, mais de 200 mil do que no ano anterior. Tudo com azeitonas provenientes das plantações da herdade: são cerca de cinco milhões de quilogramas. A estes, acrescem 800 toneladas provenientes de clientes.
Em 2013, Portugal produziu 627 mil toneladas de azeitonas para azeite, a maior produção que o país viu desde a década de 1960, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE). As condições climatéricas favoráveis e a entrada em pleno da utilização dos novos olivais intensivos para a produção são a justificação do INE para o fenómeno. Cinquenta anos depois, há um despertar nacional para o azeite? Os números parecem indicar que sim.
A Sovena, que detém a marca Oliveira da Serra, produz 200 mil toneladas de azeite anualmente e detém o maior olival do mundo em Portugal, que agrega 57 herdades. São cerca de 10 mil hectares. O projeto teve início em 2007 e faz parte de uma estratégia para recuperar o olival português, que tem vindo a desaparecer nos últimos 20 anos, e para dar resposta a um terço da atual produção nacional de azeite. Em 2014, a empresa estima produzir 20 milhões de litros de azeite em Portugal. No ano passado, a Sovena processou cerca de 70 mil toneladas de azeitona, mais 20 mil do que no ano anterior, e protagonizou a maior campanha de azeitona realizada num lagar nacional.
Em oito anos, João Cortez de Lobão, ex-jornalista e administrador da gestora de fundos de investimento do grupo BCP, transformou os 500 quilogramas de azeitona que a Herdade da Maria da Guarda produzia anualmente em cinco milhões de quilos. Os dois colaboradores que empregava na altura receberam mais 33 colegas e os olivicultores da região passaram a contribuir com três a quatro milhões de quilogramas de azeitona para a produção do azeite.
Para o ex-jornalista, existem várias razões para o aumento da produção no país. Por um lado, o facto de se ter descoberto que “a dieta mediterrânica é altamente saudável” fez com que o consumo de azeite a nível mundial crescesse “bastante”. Por outro, Portugal tem condições “excecionais para produzir azeite de primeiríssima qualidade para o mundo inteiro”, explicou João Cortez de Lobão ao Observador.
“A produção de azeite mundial cresceu muito nos últimos 40 anos e em Portugal desceu. Desceu, porque há 40 anos que não se fazia investimento novo no olival, mas em Espanha ou em Itália, não só houve grande investimento como se criaram infraestruturas de rega, que permitiram o aumento de produção nesses países”, explicou João Cortez de Lobão, para quem o azeite português é dos melhores do mundo desde o Império Romano.
“Nos tempos dos romanos, o azeite tinha muitas utilidades, mas o azeite da Lusitânia, por ser o mais saboroso, era utilizado quase exclusivamente para culinária. Criámos a fama de ter o melhor azeite do mundo, embora os italianos tenham a fama e o proveito de saberem distribuir esse azeite pelo mundo inteiro”, revela. O que se passou entretanto? João Cortez de Lobão explica que o setor esteve parado, porque, durante muito tempo, a agricultura foi considerada “uma irmã menor da economia portuguesa”. “Quando se percebeu que era uma área estratégica para o país é que começaram a ser criados espaços para o desenvolvimento. Hoje, temos empresas de belíssima qualidade neste setor, porque também temos água disponível”, diz.
Do que fala o responsável pela Herdade da Maria da Guarda? Da Barragem de Alqueva, no rio Guadiana, que permitiu a criação do maior reservatório artificial de água da Europa e que foi inaugurada em 2002. Objetivo: servir de regadio para o Alentejo. “Houve uma vantagem desde que o Alqueva passou a ser uma realidade. Passámos a ter água que permitiu termos novos olivais, modernos, com muita eficiência e melhores azeitonas para o azeite. Todo este movimento permitiu que empresários novos viessem para o setor e criassem empresas mais eficientes”, conta João Cortez de Lobão.
Jorge de Melo, vice-presidente da Sovena, concorda. Ao Observador, explicou que a Sovena detém o maior projeto de olival mundial de uma só empresa e que este assenta em três regiões, todas circundantes ao Alqueva: Ferreira do Alentejo, Avis e Elvas. “Todas têm um sistema de rega gota a gota, que sé é possível pelas valências do Alqueva”, acrescentou, referindo que este tipo de olival é muito diferente do tradicional, em que a apanha da azeitona se fazia manualmente. “Agora, não. A azeitona é apanhada e, no máximo de 24 horas, é processada no lagar. Em Portugal, este processo começou com alguns produtores espanhóis, que compraram terrenos cá para investir na agricultura. Alguns decidiram não continuar com os projetos e nós comprámos alguns desses investimentos”, disse Jorge de Melo.
O vice-presidente da Sovena chama a atenção para outro facto, desta vez político. “Nos anos 1990, houve uma falta de atenção do poder político, que desincentivou o investimento no setor. Mas depois houve um despertar. Nos últimos anos, os Governos, apoiaram mais o investimento agrícola, e os empresários também tiveram vontade de manter os seus recursos nestes projetos”, explica. Jorge de Melo não tem dúvidas: têm de ser os empresários e a própria sociedade a divulgar o produto nacional e a dizer às pessoas que “Portugal é capaz de fazer projetos de excelência”.
No inverno, sem água em demasia nem frio extremo
E o que é que Portugal tem para produzir aquele que João Cortez de Lobão diz ser o melhor azeite do mundo? Tem o clima certo. “Para a produção da azeitona, é preciso terreno e um clima favorável: não pode ter água em demasia e frio extremo no inverno e, no verão, tem de ter algum calor, mas sem chuva. O solo tem que ser favorável ao desenvolvimento destas árvores. Portugal tinha isso tudo, mas faltava-lhe água em abundância. Quando surgiu o projeto do Alqueva, os números da campanha voltaram a ter os níveis das décadas de 1950 ou 1960”, explica Jorge de Melo.
Em 2013, Portugal exportou cerca de 103,8 mil toneladas de azeite (valores provisórios), quando no ano anterior tinha exportado 96,7 mil e, em 2009, por exemplo, tinha exportado 43,36 mil toneladas. Entre 2009 e 2014, saíram de território nacional mais 60,44 mil toneladas do néctar da dieta mediterrânica. Só a Herdade da Maria da Guarda, exporta 95% da sua produção.
Cerca de 80% da produção de azeite do grupo Sovena, que detém a marca Oliveira da Serra, é oriunda do negócio internacional – o grupo exporta para 70 países a partir das nove unidades industriais que detém em Portugal, Espanha, EUA, Chile e Marrocos – e a Gallo Worldwide, do azeite Gallo, exporta para cerca de 47 países, como Brasil, Angola, China, Venezuela e Rússia. Cerca de 75% das 30 mil toneladas de azeite que a empresa produz por ano são vendidas no estrangeiro, sobretudo no Brasil, país onde a marca portuguesa detém mais de 30% da quota de mercado.
Na Sovena, a exportação, que tem registado um crescimento anual na ordem dos 30%, faz-se de três formas: a granel, para depois ser embalado por operadores locais, através das marcas Oliveira da Serra (PALOP, Rússia, Índia e China), Andorinha (no Brasil), Olivari (EUA) e Fontoliva (Espanha) e para marcas brancas de cadeias de distribuição. No Brasil, a marca Andorinha ocupa a segunda posição do mercado e Jorge de Melo explica que, nos EUA, a Oliveira também ocupa uma posição “interessante”, porque está presente na cadeia de supermercados Walmart. Portugal fica apenas com 20% do total da produção.
Na Herdade da Maria da Guarda, o azeite português vai, sobretudo, para Itália, mas a granel. João Cortez de Lobão explica que os italianos têm mais de 200 mil restaurantes em todo o mundo e que, por isso, têm maior facilidade de distribuição dos seus produtos. “Os italianos têm mérito e temos que reconhecer isso. Nós temos o mérito de produzir melhor azeite a um preço inferior ao deles. Talvez um dia tenhamos os mesmos canais de distribuição que eles têm”, adiantou o ex-jornalista.
Sob a marca Lagaretta, o azeite português da Herdade da Maria da Guarda chega a algumas mesas portuguesas, brasileiras, norte-americanas e chinesas, mas apenas 1% da produção é reservada à marca da herdade. O Lagaretta é um azeite virgem gourmet, com uma produção limitada de 100 mil garrafas por ano.
Porque a produção da herdade se destina, sobretudo, ao exterior, João Cortez de Lobão tem vindo a adequar as variedades de azeitona que planta às necessidades e preferências dos mercados de destino, optando pela Arbequina, proveniente da Catalunha, pela Tosca, proveniente da região italiana da Toscana, entre outras. Contudo, no antigo olival da herdade, ainda há espaço para as portuguesas Galega, Verdeal e a Cordovil de Serpa. “Infelizmente, as variedades portuguesas, talvez por não terem sido sujeitas a esta pressão seletiva, são muito menos resistentes e produtivas, e crescem sem qualquer uniformidade, pelo que não permitem uma plantação em sebe e mecanizada”, explica.
Com azeitona portuguesa ou não, há um setor que se renova e azeite que se exporta. Há mais um prato no mundo que sabe a português, do Alqueva.