O BRB – Banco de Brasília foi rápido a contabilizar nos seus resultados o ganho que esperava obter a partir da parceria feita com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) para a exploração da lotaria no distrito federal. O lançamento indevido de uma receita, neste caso de 77 milhões de reais (15,6 milhões de euros), foi um dos movimentos que inflacionou os resultados do primeiro trimestre que a instituição brasileira foi obrigada a corrigir nas contas subsequentes e por indicação do Banco Central do Brasil.
A parceria entre o BRB e a Santa Casa é um dos negócios polémicos conduzidos pela anterior administração que está a ser passado a pente fino pela auditoria forense às operações internacionais da instituição portuguesa. Sem esperar pela conclusão desta auditoria, que já foi adiada várias vezes, a administração liderada por Ana Jorge decidiu desligar a ficha a este projeto antes que o mesmo consumisse recursos financeiros da instituição portuguesa. Caberia à SCML avançar com a maior fatia destes 77 milhões de reais que foram apagados dos resultados do primeiro trimestre do banco brasileiro, num reajustamento contabilístico que incluiu outros acertos num total de 173 milhões de reais, segundo a imprensa brasileira.
No final de março, o BRB anunciava ao mercado o “Projeto Lucky”, a formação de uma parceria estratégica com um veículo empresarial da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa com o objetivo de explorar conjuntamente (por meio de uma joint-venture societária) o negócio de jogos de lotaria. Esta parceria estava baseada na operação partilhada desse negócio por intermédio de um veículo societário a ser controlado pelo BRB e cuja constituição estava condicionada à aprovação dos reguladores.
Em outubro deste ano e poucos dias depois de ser noticiada por cá a decisão de recuo da Santa Casa, o BRB informa o mercado do encerramento desta parceria, justificada com a impossibilidade de obter as necessárias autorizações regulatórias para a criação da joint-venture no prazo previsto no contrato entre as duas entidades que era de 60 dias, tendo sido mais tarde prorrogado por outros 90 dias.
Numa resposta dada ao Observador, fonte oficial do banco acrescenta que perante a “extrapolação do prazo, o BRB e a SCML rescindiram o contrato sem que houvesse aporte de recursos por parte das empresas”. A grande fatia destes recursos deveria sair do sócio português, com o BRB a encaixar a receita porque tinha a maioria do capital da empresa conjunta. O BRB acrescenta em resposta ao Observador que lançará, em breve, os parâmetros para a seleção de novo parceiro para a exploração de lotarias no distrito federal.
O banco não detalha que autorização falhou, mas a imprensa brasileira deu conta das dúvidas que este negócio suscitou ao Tribunal de Contas do Distrito Federal. O BRB é um banco comercial com o capital aberto, mas o maior acionista é o governo do Distrito Federal (Brasília) que controla cerca de 72%.
Além da parceria com a Santa Casa, o BRB também contabilizou 75,8 milhões de reais de dividendos resultantes de uma reestruturação societária que teve de corrigir.
Num comunicado ao mercado em novembro, a instituição indica que a decisão de contabilizar estes dois efeitos nos resultados foi sustentada por assessores jurídicos e contabilísticos. E confirma que em agosto foi alvo de uma determinação do Banco Central do Brasil acerca da necessidade de “registar ajustes nos registos contabilísticos” para retirar os efeitos das duas operações do resultado do primeiro trimestre. O que foi feito, assegura, no trimestre seguinte.
Segundo o jornal Correio Braziliense — cuja notícia suscitou um pedido de esclarecimento ao mercado por parte da Comissão de Valores Mobiliários — estes ajustamentos fizeram com que o BRB tivesse apresentado prejuízos no primeiro trimestre, em vez de lucros.
Apesar das dúvidas jurídicas e financeiras que rodeiam esta operação — e que levaram a Santa Casa a suspender a sua participação no Projeto Lucky — o grosso das perdas da instituição portuguesa no Brasil estão concentrados no estado do Rio de Janeiro. Segundo dados preliminares da auditoria que está a ser elaborada pela BDO essas perdas podem atingir os 50 milhões de euros.
Santa Casa corre risco de sofrer perdas de 50 milhões no Brasil que vão ter impacto nas contas
A internacionalização da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa foi desenhada e implementada pela anterior administração liderada por Edmundo Martinho com o objetivo de compensar no exterior a esperada perda de receita dos jogos sociais no mercado nacional. A estratégia passou pela criação da empresa Santa Casa Global e de subsidiárias como a Santa Casa Global Brasil e outras ligadas a cada um dos projetos e, em alguns casos, com sócios locais.
A construção de uma rede empresarial é um dos temas que está a ser averiguado pela auditoria que foi pedida já com a nova administração de Ana Jorge e perante as dúvidas sobre o reconhecimento do impacto financeiro destes negócios na saúde financeira da SCML que levaram a ministra do Trabalho a não aprovar os dois últimos relatórios e contas anuais apresentados pelo anterior provedor.
Ana Mendes Godinho já disse no Parlamento que só deu a sua aprovação a um primeiro investimento de cinco milhões de euros na internacionalização, versão que Edmundo Martinho contrariou argumentando que a ministra aprovou os planos de atividades que descreviam as operações internacionais desenvolvidas.
Nuno Rebelo de Sousa esteve envolvido? BRB afasta ligação profissional com filho de Marcelo
Mais recentemente foi noticiado um eventual envolvimento de Nuno Rebelo de Sousa associado à parceria com o Banco de Brasília. O filho de Marcelo Rebelo de Sousa tem estado debaixo de suspeita por causa do alegado favorecimento na atribuição pelo Serviço Nacional de Saúde de um medicamento muito caro a duas gémeas luso-brasileiras. A TVI noticiou uma troca de mensagens em que Nuno Rebelo de Sousa pede uma reunião à ministra do Trabalho e Segurança Social para falar sobre esta parceria da Santa Casa no distrito federal (que Ana Mendes Godinho terá recusado).
O Observador questionou o BRB sobre a ligação do filho do Presidente ao projeto com a Santa Casa, tendo o banco assegurado nunca ter tido “qualquer relação profissional” com Nuno Rebelo de Sousa.
O ex-provedor, Edmundo Martinho, manifestou num esclarecimento pedido pelo Observador surpresa pelo contacto de Nuno Rebelo de Sousa com a ministra. E acrescentou que o único contacto que manteve com o filho do presidente foi numa cerimónia na embaixada do Brasil a propósito da visita do Presidente Lula da Silva para a qual foi convidado. “Foi aí que conheci o Dr. Nuno que me manifestou o grande entusiasmo com que encarava o processo de Brasília”.
Nuno Rebelo de Sousa é o presidente da Câmara Portuguesa de Comércio para o Estado de São Paulo desde 2019 onde surge associado à EDP Brasil. Aliás o anterior presidente era Miguel Setas que foi presidente da EDP Brasil. Contactada pelo Observador, a EDP confirma que o gestor desempenha as funções de diretor das áreas de stakeholders, marca e comunicação da EDP Brasil, mas dissocia este vínculo ao cargo que o filho do presidente tem na Câmara de Comércio.