O BCE admitiu esta quinta-feira que a próxima reunião do seu Conselho – agendada para meados de setembro – poderá não trazer mais uma subida das taxas de juro. É um marco importante, já que é a primeira vez num ano que não sai da conferência de imprensa de Christine Lagarde em Frankfurt uma garantia de que dali a algumas semanas a autoridade monetária voltará a aumentar os juros. Significa, então, que é um dado adquirido que a subida anunciada esta quinta-feira foi a última? De modo algum, frisou Lagarde. Na leitura feita pelos mercados financeiros, é improvável que os juros subam em setembro – mas podem subir depois disso.
A cotação do euro face às principais divisas, sobretudo o dólar, ilustra a forma como, aos olhos dos investidores, o Banco Central Europeu (BCE) não deverá voltar a subir as taxas de juro – em rigor, pelo menos em setembro, data da próxima reunião, essa não deverá ser a opção tomada.
Exatamente um ano depois da primeira subida, anunciada em julho de 2022 (de -0,5% para 0%), a autoridade monetária cumpriu, nesta quinta-feira, o aumento de 25 pontos-base que tinha sido sinalizado previamente, para 3,75%, mas confirmou que está em cima da mesa fazer uma “pausa” na trajetória de subidas.
Se em junho Lagarde tinha garantido que o BCE, nessa altura, nem sequer estava “a pensar” em pausar as subidas de juros, agora já não se esconde que isso foi discutido – e, a julgar pela reação das bolsas, até é mesmo o cenário mais provável. O euro, que tinha começado o dia a ganhar terreno face ao dólar, afundou repentinamente, mais de 1%, e quebrou o patamar dos 1,10 dólares (uma divisa tende a valorizar-se quando se espera que o respetivo banco central aumente os juros, e vice versa).
“Estamos muito perto dos máximos nas Euribor, se é que já não foram vistos”
“Christine Lagarde não se comprometeu minimamente com uma subida em setembro, ao contrário do que tinha acontecido em junho relativamente à reunião de julho [esta quinta-feira]”, afirma Filipe Garcia, economista do IMF – Informação de Mercados Financeiros, em comentários obtidos pelo Observador. Tal como sublinhou Lagarde, Filipe Garcia considera que “a subida em setembro estará dependente da evolução da inflação subjacente e das indicações acerca da evolução dos salários”.
A próxima reunião do Conselho do BCE, em setembro, coincide com a divulgação de um novo conjunto de projeções económicas (atualizadas a cada três meses) – e a trajetória evidenciada por esses dados será decisiva para as próximas decisões. Se houver sinais de que a descida da inflação prossegue ou acelera, é certo que não haverá outra subida nessa altura. Porém, se a desaceleração dos preços continuar teimosamente lenta (e os economistas do BCE previrem que vai continuar a ser assim) então ninguém pode excluir que os juros voltem a subir.
Porém, apesar de a líder do BCE ter deixado tudo em aberto, a convicção do especialista do IMF é que “estamos muito perto dos máximos de ciclo das Euribor de 6 e 12 meses, se é que já não foram vistos no caso da referência a 12 meses”. As taxas Euribor, que servem de indexante nos créditos a taxa variável, tendem a oscilar perto dos níveis de juros definidos pelo BCE, embora sejam valores definidos pelo mercado (e não administrativamente, pelo BCE) e normalmente procurem antecipar, até, as próximas decisões da autoridade monetária.
“Pausa” em setembro: talvez. Mas analistas divididos sobre o que acontece depois
Filipe Garcia destaca, também, as “semelhanças notórias” do discurso de Lagarde e de Jay Powell, o líder da Reserva Federal dos EUA com quem a presidente do BCE esteve reunida em Sintra em julho.
Essa é uma comparação que é útil para Lagarde, nesta fase, já que a francesa sublinhou que mesmo que fique tudo na mesma em setembro, isso não significa que não pode haver mais aumentos em outubro ou nos meses seguintes. Foi isso que aconteceu nos EUA, quando a Reserva Federal decidiu não aumentar os juros no mês passado (o que foi lido, na altura, como uma pausa), mas voltou a subi-los esta quarta-feira.
“O que o BCE fez esta quinta-feira foi desligar o piloto automático e, a partir de agora, será a evolução dos dados a determinar aquilo que acontece”, diz Carsten Brzeski, economista do banco holandês ING. “Pensamos que o BCE ainda não terminou o ciclo de subidas mas agora tornou-se moda fazer pausas”, diz o mesmo especialista, notando que o BCE poderá imitar a estratégia dos norte-americanos.
Os juros até podem não subir em setembro mas, para o ING, ainda se vai chegar ao nível dos 4% – o que seria um recorde na história da zona euro. “Provavelmente, teríamos de ver grandes revisões em baixa das projeções do BCE para a inflação e crescimento para acreditar que a autoridade monetária não irá aumentar os juros pelo menos mais uma vez“, antecipa o banco holandês.
Mas nem todos os analistas têm a mesma opinião. Felix Feather, economista da gestora Abrdn, diz sobre setembro que “os próximos dados económicos serão suficientemente suaves para justificar uma pausa”. Mas, mesmo olhando para o que pode acontecer depois de setembro, “há sinais de que o BCE está pronto para terminar este ciclo de subidas das taxas de juro, que foi o mais agressivo de sempre”.
Que sinais são esses? Uma mudança subtil no discurso lido por Lagarde, na conferência de imprensa em Frankfurt, foi lida como uma possível pista de que esta poderá ter sido a última subida. Ao passo que há seis semanas o BCE prometia “trazer” as taxas de juro para níveis que assegurem a descida da inflação, agora o BCE promete que a taxa “será definida” em níveis suficientemente restritivos, “pelo tempo que for necessário”, para fazer desacelerar os preços.
O ênfase com que Lagarde leu esta parte do comunicado poderá ter sido um sinal muito subtil de que o BCE admite que esta subida dos juros, decidida esta quinta-feira, pode ter sido a última, já que deliberadamente se substituiu uma palavra que implicava um movimento por outra mais vaga.
Mercados estão a tornar obsoleta a previsão de Centeno
Os mercados de futuros de taxas de juro estão a apontar para um cenário em que as taxas de juro ainda podem subir mais um pouco mas, sobretudo, não irão descer antes de junho/setembro de 2024. Essa é a previsão que é feita neste momento e que já denota um contraste com aquilo que foi dito por Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, numa entrevista à RTP em final de junho em que assinalou que, de acordo com estes mesmos indicadores, os indexantes poderiam começar a cair no final de 2023.
Ora, os mercados de futuros, tipicamente muito voláteis, já estão a apontar para um cenário diferente, em que os juros podem começar a cair mais tarde do que a orientação dada por Mário Centeno. Esta mudança será uma consequência do facto de a Reserva Federal dos EUA ter voltado a subir as taxas de juro esta semana, uma decisão que foi tomada depois da “pausa” tomada no mês anterior (quando se achou que o banco central norte-americano já não subiria mais).
Centeno referia-se à evolução das Euribor, o que é diferente de falar nas taxas de juro definidas pelo BCE – porém, os dois tendem a andar de mãos dadas, de forma mais ou menos sincronizada.
Mas a primeira descida dos juros pode acontecer ainda mais tarde. Jörg Krämer, economista do banco alemão Commerzbank, duvida sequer que as taxas de juro possam ser diminuídas ao longo de todo o ano de 2024. “Não partilhamos do otimismo da generalidade dos investidores, de que o BCE vai baixar as taxas de juro no próximo ano”, afirma o economista, justificando esta posição com a sua expectativa de que “o forte aumento dos salários vai continuar a manter a inflação elevada, sobretudo no setor dos serviços”.
As taxas de juro subiram na zona euro não só para tentar controlar a inflação mas, também, para promover a inevitável “normalização” da política monetária, depois de longos anos de juros baixos e negativos. Porém, nesta fase é claro que o BCE já ultrapassou o que se poderia considerar um nível “neutral” de juros e já está num território que procura deliberadamente restringir a procura económica.
É através dessa restrição da procura económica que o BCE quer levar a taxa de inflação para níveis mais alinhados com o seu objetivo de 2%.
A inflação tem baixado – 5,5%, segundo os dados mais recentes – mas a leitura de preços que exclui a energia e produtos alimentares (que agora estão a baixar e, por isso, a puxar a inflação para baixo) continua a preocupar muito o BCE: a chamada “inflação subjacente” baixou de 6,9% para 6,8% e está, com esta descida lenta, a sinalizar que as pressões inflacionistas continuam generalizadas na economia de uma forma que o BCE precisa de combater.