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Ricardo Reis fotografado quando discursava numa recente edição do Fórum BCE, em Sintra.
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Bónus do Governo a reformados alimenta “atitude de pedinchice das pessoas em relação ao Estado”, avisa economista Ricardo Reis

É apontado como possível sucessor de Centeno no Banco de Portugal, mas não tem, para já, planos de regresso a Portugal. Em entrevista, Ricardo Reis deixa críticas e avisos ao Governo e à oposição.

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Ricardo Reis, professor na London School of Economics, não tem “um plano” para voltar a Portugal, embora isso “esteja no horizonte”. O economista garante, depois de o jornal Sol ter escrito que era um dos nomes possíveis para suceder a Mário Centeno no Banco de Portugal (além de Vítor Gaspar), que não foi convidado para nada. “Se surgirem oportunidades, ou não, logo se vê”, acrescentando que, na sua opinião, Centeno está a fazer “um bom trabalho” .

Em entrevista ao Observador, através de videoconferência, Ricardo Reis também mostra “muita preocupação” com o facto de a oposição estar a fazer aprovar medidas com impacto na receita – como o fim das portagens nas ex-SCUT – deixando para o Governo a responsabilidade de equilibrar no orçamento aquelas medidas. Mas o Governo também não está isento de críticas, desde logo pelo “bónus” aos reformados aprovado recentemente, e que o economista diz levantar problemas.

“Acho que as preocupações com o défice vão ter de voltar ao debate público e, em medidas pontuais, quer do Governo, quer da oposição, estamos a ver, de facto, um agravar das contas públicas que me parece perigoso“, avisa o economista, que receia que a Europa pode viver uma nova crise da dívida nos próximos anos.

“Taxas de juro devem estabilizar entre 2,5% e 3%” nos próximos anos

O BCE deve, nesta quinta-feira, fazer mais uma pequena descida das taxas de juro, de 25 pontos-base. A confirmar-se, esta será a segunda descida dos juros nesta fase do ciclo, mas não é certo que as taxas voltem a descer nos meses seguintes. Quão rápido é que acha que vai ser este movimento de descida dos juros?
Vamos ver. É verdade que, relativamente a esta quinta-feira, parece ser um dado adquirido que vai haver um corte. Justifica-se que assim seja, porque a inflação está perto dos 2% e não há, digamos, uma exuberância na economia ou sinais nos mercados financeiros que apontem para que a inflação esteja prestes a disparar outra vez. Sendo assim – e tendo em conta que as taxas de juro estão relativamente altas em relação ao que seria o habitual, ou o normal, para manter a economia e inflação inalterável – faz sentido cortar as taxas de juro.

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E depois, nos meses seguintes?
Olhando para os próximos seis a 12 meses, faz sentido também que as taxas de juro baixem para um nível mais normal ou neutral. A questão é saber quanto vão baixar – e aí há uma acesa discussão. Mas é uma discussão que não vai ser decidida nas próximas semanas mas, sim, nos próximos meses, dependendo da forma como a economia reagir aos cortes das taxas de juro. E, em segundo lugar, com que ritmo e com que velocidade é que se deve cortar? Aqui, há também um debate aceso, interessante e importante, entre umas “pombas” que querem cortar muito depressa e uns “falcões” que querem cortar mais devagar. Neste momento parece-me que, tendo a conta as três reuniões que aí vêm, a minha expectativa é que não haja um corte em todas mas, digamos, descidas reunião sim e reunião não. Mas vamos ver, depende muito dos dados que aí vierem.

BCE deve baixar juros em 25 pontos-base, para 3,5%

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No dia em que vão ser divulgadas novas previsões macroeconómicas preparadas pelo staff do BCE, os analistas consideram ser quase um “dado adquirido” que esse novos dados irão dar conforto a Christine Lagarde para que seja anunciado mais um corte das taxas de juro nesta quinta-feira.

A confirmar-se, deverá ser um novo corte de 25 pontos-base, depois de outro (na mesma medida) que foi anunciado antes do verão. A descida deverá levar a taxa dos depósitos, a mais importante para a política monetária do BCE nesta fase, para os 3,5%, um nível que o próprio banco central reconhece que ainda é um nível “restritivo” da atividade económica.

Mário Centeno afirmou, numa entrevista à Bloomberg a 23 de agosto, que em setembro os membros do Conselho do BCE terão uma discussão “fácil” que deverá terminar com a tal descida dos juros em 25 pontos-base.

Já a próxima reunião, em outubro, será um pouco mais “engraçada”, disse Centeno, já que se espera que os chamados “falcões” do BCE travem a possibilidade de haver, nessa reunião, mais uma descida – que seria a segunda consecutiva e a terceira no espaço de quatro reuniões de política monetária do BCE.

Mesmo com esta provável descida, na quinta-feira, as taxas de juro na zona euro ainda vão estar num nível que o próprio BCE admite ser “restritivo” da atividade económica, nos 3,5%. Estima-se que um nível de 2%, em torno desse valor, seria o tal nível neutral, que é difícil de estimar. Ou seja, aquele nível em que a política monetária nem está a constranger, nem a estimular a atividade económica: acredita que podemos ter juros neste nível de 2% ao longo do próximo ano?
Esses 2% seriam, se quisermos, o nível onde íamos terminar esta sequência de cortes. A propósito, esses 2% são uma estimativa que já é bastante mais alta do que era há dois ou três anos, quando se achava que o nível normal rondava os 1,5%. A estimativa foi revista para cima, tendo em conta o que aconteceu na economia nos últimos dois anos. Eu sou da opinião de que [o nível neutral] é mais alto do que isso. Estou à espera de que as taxas de juro estabilizem mais perto dos 2,5% – entre os 2,5% e os 3%. Agora, [o objetivo] é chegar lá num espaço de uns 12 meses, por exemplo. Mas o ritmo a que se chega lá é que vai depender muito dos choques que, entretanto, surgirem na economia. Assim, seja o tal nível neutral os 2% ou os 2,5%, a realidade é que, estando nós em 3,5%, continuamos acima desse nível. Mas repare que, se essa fosse uma taxa de juro muito restritiva a prova de que isso era verdade era que a inflação estaria a descer de uma forma acelerada. No entanto, a inflação continua acima de 2% e sem grande perspetiva de estar a cair de uma forma acelerada. Aliás, as próprias previsões do Banco Central Europeu não mostram a inflação a descer muito abaixo dos 2%.

Ou seja, não podemos dizer que a taxa de juro está objetivamente muito restritiva… À luz das previsões que temos…
Se a taxa neutral estivesse abaixo de 2%, como muitos diziam aqui há dois ou três anos, devíamos estar a ver a inflação a cair com uma pedra em direção ao chão. Não está. Está muito, muito estável, um pouco acima dos 2%. Se, de facto, se achar que a inflação está completamente estável, então isso quer dizer que, neste momento, os [atuais] 3,75% são o tal nível neutral. Eu acho que ninguém acredita nisto assim mas, de qualquer forma, o facto de [a inflação] não estar a cair muito é o que leva os “falcões” a dizer que não há grande pressa em reduzir a taxa de juro. Vamos lá ver.

No fundo, os “falcões” dizem que não é preciso baixar muito mais a taxa de juro, porque aparentemente a inflação já está a convergir para aquele objetivo. Devagarinho, mas está, é isso?
Exatamente. E não está, sobretudo, a exagerar, ou seja, não está a passar para baixo dos 2%. Se tivéssemos previsões de que a inflação estava já nos próximos seis meses a ir para 1%, ou 1,5%, não deveríamos estar a cortar de uma forma muito rápida e muito agressiva para voltar aos 2%.

“Baixar juros para resolver problemas estruturais da economia é repetir o erro dos anos 70”

Os banqueiros centrais neste caso continuam a mostrar muita cautela em cantar vitória – e percebe-se porquê – mas, na sua opinião, acha que a inflação está controlada? É um problema que está para trás das nossas costas?
Três respostas. Em primeiro lugar, tendo em conta onde estamos hoje: sim, o problema da inflação nos últimos três anos está resolvido, está acabado, no sentido em que, se não acontecer mais nada, estando as coisas como estão, com o BCE a seguir a sua política de taxa de juro de forma previsível nos próximos seis meses, sem mais qualquer choque vindo de diferentes eventos da economia, a taxa de inflação vai convergir para os 2% nos próximos meses. Nesse sentido, sim, o desastre da inflação nos últimos três anos está controlado. Segundo ponto, quer isto dizer que não vamos ter novos eventos na economia que vão puxar a inflação para cima ou para baixo e que BCE vai ter de responder a eles? Com certeza que sim, que irá responder a eles. E, mais do que isso, na minha opinião, são mais os choques que eu antevejo que puxam a inflação para cima do para baixo. As eleições americanas, os problemas geopolíticos, a própria política industrial europeia… São tudo fatores a puxar a inflação um pouco para cima. Eu prevejo mais possíveis choques que puxem a inflação para cima, do que para baixo, e espero que o BCE esteja disposto a subir as taxas de juro se for necessário, para manter a inflação sob controle.

As eleições americanas, os problemas geopolíticos, a própria política industrial europeia... São tudo fatores a puxar a inflação um pouco para cima. Eu prevejo mais possíveis choques que puxem a inflação para cima, do que para baixo, e espero que o BCE esteja disposto a subir as taxas de juro se for necessário, para manter a inflação sob controle.

E tinha uma terceira resposta…
Terceira resposta. Tendo em conta que estamos a ter choques que puxam a inflação para cima e estando nós a começar de um ponto de partida onde estamos nos 2%, surge a questão de saber até que ponto é que a inflação está muito ancorada nos 2%. Ou seja, uma situação em que basta o banco central subir um pouquinho as taxas de juro aqui ou ali, e consegue manter a inflação nos 2% – como, aliás, foi verdade, entre 2000 e 2020. Aí, é uma pergunta muito mais difícil, que tem a ver com a forma como, nos últimos anos, ficaram cicatrizes na âncora da inflação, no que toca às expectativas dos agentes económicos. Ou seja, até que ponto é que, havendo um pequeno choque que puxe a inflação para cima nos próximos meses, vamos ver se as pessoas acreditam que o BCE vai subir as taxas de juro, vai trazer a inflação de volta aos 2% e, portanto, se assim for não haverá qualquer persistência nesses choques. Isso é o que falta descobrir. Antes de 2020 tínhamos um BCE muito credível, o que se implicava que sempre que a inflação subia, caía outra vez para os 2% muito rapidamente. A inflação estava bem ancorada. Mas por causa dos problemas dos últimos anos, vamos agora descobrir – nos próximos anos – até que ponto é que voltamos ao pré-2020 ou, em alternativa, se esses erros vão ter consequências que vão ser pagas durante mais algum tempo.

Mas falando do pré-2020, sabendo nós que temos hoje economias em desaceleração, como a Alemanha, qual é o risco de um dia termos o problema oposto, ou seja, uma inflação demasiado baixa, como aliás, tínhamos nos anos antes da pandemia?
O problema da inflação demasiado baixa no pré-pandemia, na minha opinião, sempre foi muito exagerado. Nós tivemos uma inflação que rondou os 1,5%. A própria medição da inflação vem com um erro de mais ou menos 0,5 pontos percentuais a um ponto percentual. Teres uma inflação em 1,5% ou em 2,5% não é, para mim, um grande problema, não foi um grande problema. Aliás, basta ver como a inflação subiu aos 10% nos últimos anos, isso sim foi um problema. Antes de 2020, a inflação nunca desceu abaixo de 1% de forma consistente. As previsões que existem sobre a dinâmica da inflação, todos os modelos estatísticos que temos, nenhum deles tem uma previsão de que a inflação vá descer abaixo de 1,5% nos próximos 12 meses. Logo, esse medo de que, às tantas, a taxa de juro está restritiva demais não é apoiado, neste momento, por nenhum modelo estatístico que eu conheço. Sobre a questão da desaceleração da economia: tem razão quando diz que a economia alemã está a crescer pouco e de uma forma desanimadora. Mas isso deve-se a problemas estruturais da economia alemã, que têm a ver com o enorme choque que foi para eles o aumento do custo de energia que vinha da Ucrânia/Rússia, assim como as mudanças na economia chinesa – sobretudo no setor automóvel, de passar a importar carros para exportá-los. Isso são problemas estruturais, são problemas em relação aos quais a política monetária nada ou muito pouco pode fazer. Cortar taxa de juros para lidar com esses problemas seria repetir o erro dos anos 70 e acabar apenas com pouco crescimento e também alta inflação.

“Tanto Kamala como Trump podem tomar medidas que aumentam inflação”

Falou das eleições nos EUA, em novembro, como um dos fatores que serão decisivos não só para a trajetória da inflação na zona euro mas, também, da economia como um todo. Do que conhece de cada um dos candidatos, o que é a vitória de um ou de outro irá trazer para a zona euro?
Em relação ao que nos afeta a nós, aqui na Europa, podemos olhar para Kamala Harris e Donald Trump como diferindo numa das suas propostas e convergindo noutra. Começando pela diferença, Donald Trump vai, em princípio, aumentar as taxas alfandegárias sobre as importações americanas muito mais do que Kamala. O que isso implica é que isso vai causar inflação dentro dos EUA, inflação causada pelo aumento do preço dos bens que eles importam, e isso vai levar a que a Reserva Federal tenha de subir as taxas de juro e tenha dificuldade em lidar com esse efeito. Até que ponto é que isso leva a um efeito de contágio que puxa a inflação para cima na Europa… não é de todo claro. Em princípio, o efeito até podia ser na direção oposta, ou seja, levaria a uma baixa da inflação na Europa. Portanto, as taxas alfandegárias de Trump não significam necessariamente inflação na Europa – embora sejam, com certeza, negativas para o crescimento económico no mundo inteiro, incluindo na Europa. Do outro lado, Kamala tem várias propostas para subir impostos, diferentes impostos, de uma forma que desacelera a economia, mas também, tendo em conta o pacote de impostos que ela quer subir, aumenta os custos de produção e causa inflação desse lado. Esses custos de produção maiores, em princípio, são aquele fator que provoca mais spillover, ou seja, que afeta mais a Europa. No entanto, também não é nada com que o BCE não possa lidar, de uma forma relativamente convencional.

E onde é que os dois convergem?
Convergem numa questão – embora falem sobre ela de forma diferente – que tem a ver com a imigração. Quer um quer outro querem apertar – e muito – com a imigração para os EUA, que neste momento têm um mercado de trabalho muito “quente”, com taxa de desemprego muito baixa. Isso leva a que, havendo um apertar da imigração, em princípio, ele virá com um aumento dos salários. E esse aumento dos salários, nas circunstâncias em que ocorreria de uma forma rápida, levaria a um aquecimento da economia e iria transmitir-se a um aumento da inflação, num processo estagflacionário que, assim, tal como nos anos 60, poderia, de facto, transmitir-se para a Europa de uma forma difícil de lidar e causando dificuldades para o BCE. Trump, como sempre, vai dizendo umas cosias um bocado tresloucadas, que iria deportar uma série de pessoas no espaço de umas semanas, o que nem sequer é possível. Kamala é muito mais regrada, não dizendo exatamente como iria controlar a imigração. Mas continua a dizer que quer fazê-lo… Os detalhes contam, aqui, mas em ambos os casos, quer um quer outro, poderão provocar um impacto negativo na economia americana, assim como na economia europeia.

Tanto Kamala Harris como Donald Trump podem gerar mais inflação, diz Ricardo Reis.

Caso esse cenário se confirme, acha que o BCE, depois do que aconteceu nos últimos dois anos, conseguirá, sem hesitações, voltar a subir as taxas de juro? Seria possível comunicar isso de forma bem sucedida?
O trabalho de um banco central é subir e descer taxas de juros para controlar a inflação. É esse o seu mandato. Se tiver de subir, não é difícil fazê-lo técnica nem politicamente, porque o banco central tem independência precisamente para isso. Quando falamos da independência de um banco central, mais do que quem foi nomeado, quem não foi – tantas coisas que, depois, ocupam as páginas dos jornais –, é a independência para poder subir as taxas de juro e descê-las sempre que tal for necessário para controlar a inflação. Logo, se os choques, se a evolução da economia for tal que exija que se aumentem as taxas de juro, assim seja. Se exigir que se corte muito rapidamente a taxa de juro, assim seja, mas não há barreira nenhuma para o BCE não o fazer. E se Christine Lagarde, Mário Centeno e demais colegas acharem que têm alguma restrição nesse sentido, então têm, enfim, de deixar de fazer o seu trabalho. Havia uma visão errada, na minha opinião, de que como nunca tínhamos subido rapidamente as taxas de juro seria perigoso fazer isso. Mas repare, nos últimos 12 meses tivemos a subida da taxa de juro mais rápida de sempre da história do BCE, e não aconteceu drama nenhum. O que aconteceu foi que, antes pelo contrário, foi assim que conseguimos controlar a inflação quando ela estava descontrolada.

"Havia uma visão errada de que, como nunca tínhamos subido rapidamente as taxas de juro, seria perigoso fazer isso. Mas tivemos a subida da taxa de juro mais rápida de sempre da história do BCE, e não aconteceu drama nenhum. O que aconteceu, antes pelo contrário, foi que foi assim que conseguimos controlar a inflação quando ela estava descontrolada."

Sucessão a Centeno no Banco de Portugal? “Tenho sempre no horizonte voltar ao meu País”

Foi noticiado, em junho, que Ricardo Reis, além de Vítor Gaspar, poderia ser um nome possível para a liderança do Banco de Portugal caso Mário Centeno não faça um segundo mandato, a partir do próximo verão. Estaria disponível?
Essas são questões hipotéticas. Também estaria disponível para a seleção nacional de futebol. Disponível estaria, não tenho é talento nem capacidade para o fazer, para dar pontapés numa bola. Não é uma pergunta à qual eu possa responder, no sentido em que, se surgirem oportunidades, ou não, logo se vê. Não tenho mais nada a dizer além de que não fui convidado para nada, não aceitei nem recusei nada, e o banco central neste momento tem um governador, Mário Centeno, que está a fazer um bom trabalho, na minha opinião. E falta ainda muito tempo para ele ser reconduzido, ou não, ou ser nomeada outra pessoa. E isso caberá, com certeza, ao ministro das Finanças ou Governo, que tem o poder para nomear o próximo governador do Banco de Portugal.

Mas tem no seu horizonte pessoal voltar para Portugal nos próximos anos?
Tenho sempre no meu horizonte voltar para o meu País, gosto muito de Portugal, gostava de viver em Portugal, de passar mais tempo aí. Tudo depende de uma série de circunstâncias pessoais e profissionais, de se poderem conjugar. Em relação a planos, a vida evolui mas não tenho nenhum plano para voltar. Mas se tenho planos para voltar a Portugal no meu horizonte, tenho com certeza.

Participou naquele grupo de economistas que ajudaram o Governo quando estava a preparar o programa económico. Mas, há poucas semanas, escreveu um artigo onde criticava o facto de o Governo estar a pagar um suplemento aos reformados, o que levou muitas pessoas a pensar até que ponto é que se estará a rever nas medidas que têm sido tomadas…
Em primeiro lugar, só deixar claro que não ajudei a preparar o programa económico – isso foi escrito por alguns jornais mas se  dissesse que fiz isso estaria a roubar o crédito de quem efetivamente trabalhou muito nisso. Como já tinha feito com José Sócrates, com António Costa, com Pedro Passos Coelho, na altura, o que aconteceu foi que Luís Montenegro convocou uma reunião com 30 ou 40 economistas onde apresentou o seu programa e pediu comentários a esses 30 ou 40 economistas, entre os quais eu. Em relação ao que o Governo tem feito, este é um governo de minoria no parlamento e, portanto, tem tido muita dificuldade em fazer grandes reformas. Mesmo assim, tendo em conta que tem uma minoria, não deixa de ser verdade que fez tanto ou mais do que tinha feito o governo de António Gosta com uma maioria confortável. É, com certeza, um governo com um ímpeto muitíssimo mais reformista, mas esse ímpeto depara-se com a realidade de não ter uma maioria no Parlamento para poder provar essas reformas. Nesse sentido, de ser um governo mais reformista, com mais vontade de resolver alguns problemas estruturais, parece-me que merece uma nota francamente positiva. E se os resultados não são até agora não há muito para mostrar em termos de reformas, também é preciso admitir que não há um Parlamento para passar essas reformas.

"Este é um governo de minoria no parlamento e, portanto, tem tido muita dificuldade em fazer grandes reformas. Mesmo assim, tendo em conta que tem uma minoria, não deixa de ser verdade que fez tanto ou mais do que tinha feito o governo de António Gosta com uma maioria confortável."

“Acho que no próximo ano ou dois vamos ter crises da dívida pública na Europa”

E há um parlamento para controlar as contas públicas?
Eu tinha já escrito um artigo logo a seguir às eleições a dizer que a característica mais marcante deste Governo é que seria um governo com dificuldades em controlar o orçamento, porque tendo uma minoria, tendo eleições sempre, sempre à porta, tendo uma oposição a aprovar medidas de despesa à revelia do Governo, todos os fatores apontam para que controlar o défice se torne uma dificuldade. Eu penso que isso vai ser uma realidade nos próximos meses, e já é hoje no presente: eu acho que as preocupações com o défice vão ter de voltar ao debate público e, em medidas pontuais, quer do Governo, quer da oposição, estamos a ver, de facto, um agravar das contas públicas que me parece perigoso.

Sobre esse ponto, do facto de a oposição estar a aprovar medidas à revelia do Governo, acredita que é algo sustentável, sobretudo nesse contexto de aperto nas contas públicas e regras orçamentais europeias mais exigentes?
Um governo em minoria em Portugal tem uma dificuldade grande que é haver uma maioria do parlamento que pode aprovar medidas que agravam o orçamento, agravam o défice público, sem ter de o compensar. Uma maioria de Governo, quando é eleita, tem sempre de ter a preocupação de que quando opta por uma política, tem de equilibrar essa medida por outro lado – para manter as contas equilibradas. Portugal, nesta altura, com o enquadramento parlamentar que tem, tem este enviesamento muito grande, que é que se pode propor medidas que agravam o défice sem, depois, ter a responsabilidade de o ter feito porque se está na oposição. Esse é que é o grande vício, e viu-se, por exemplo, na questão das ex-SCUT, pode acontecer ainda mais e irá possivelmente acontecer ainda mais com outras medidas que aí vêm no futuro.

Isso preocupa-o?
Preocupa, preocupa-me muito, porque a conquista do défice é uma enorme conquista que foi feita com muito sacrifício por parte de António Costa e de Pedro Passos Coelho e dos seus governos. Coloca Portugal, hoje, numa posição muito invejável na Europa e eu acho que no próximo ano ou dois vamos ter crises da dívida pública na Europa. E Portugal, nesta altura, está na ótima posição de, se houver uma crise, fazer parte dos países seguros, dos países que não são tão afetados. Tal como teve muita sorte, por exemplo, a Bélgica, aqui há uns 10, 12 anos. Portugal, se houver uma onda de problemas de dívida pública, penso eu que estará neste momento nos bons alunos em vez de estar nos países sob ataque. Eu gostava de manter-me nesta posição e, por isso, vejo com muito medo, muita preocupação, esta deriva que resulta do nosso enquadramento parlamentar neste momento.

“Bónus” aos reformados. “Não há pior economia política do que criar pedinchice”

Mas perguntava-lhe, há pouco, sobre o “bónus” aos reformados, que custa 400 milhões de euros…
No caso do suplemento aos reformados, há aqui duas questões que têm de ser separadas. Uma questão é eu ou alguém achar que é justo ou injusto dar-se mais aos reformados ou mais a um grupo da população ou a outro. Isso é uma discussão perfeitamente legítima que podemos ter. No entanto, em primeiro lugar custa muito dinheiro – dinheiro que é empenhado em algo que não é uma reforma estrutural, é literalmente uma transferência para um grupo da população. Em segundo lugar, no caso dos reformados,há um sistema de Segurança Social que tem regras sobre como eu desconto, quanto recebo, regras essas sujeitas a alterações mas que estabelecem um sistema relativamente previsível.

O que é e como vai funcionar o “suplemento” da pensão que vai chegar a 2,4 milhões de pessoas e custar 422 milhões de euros

É uma decisão que vai contra essas regras?
Não há nada pior em termos de economia política do que criar uma relação do cidadão com o Estado em que todos os anos eu estou de mão estendida a pedir se este me dá um bocadinho mais ou me dá um bocadinho menos. Nós não gerimos o nosso governo em que sempre que alguém é eleito diz “agora vou mandar um cheque a estes porque votaram em mim ou vou mandar um cheque àqueles porque não votaram em mim”, a bel-prazer do Ministro das Finanças e do primeiro-ministro. Não. Temos regras, as regras são modificadas, às vezes favorecem um pouco mais um, favorecem um pouco menos o outro…

É um erro, portanto, como já escreveu…
Isto já começou com António Costa, aqui há uns anos, e foi repetido agora pelo Luís Montenegro: esta ideia de que todos os anos vamos ver um anúncio do Governo em que se manda um cheque a um grupo da população é uma péssima forma de fazer política, porque leva a esta atitude de pedinchice das pessoas em relação ao Estado. Não estamos a falar de regras, não estamos a falar de como é que o sistema deve ser alterado. Não. Estamos a falar de “eu hoje acordei e decidi mandar um cheque a vocês porque gosto de vocês”. Percebo porque é que é popular em termos eleitorais, e porque é que os governos gostam de o fazer, mas parece-me que deve ser criticado porque leva a política económica para um sentido discricionário, no sentido de dependência e subserviência das pessoas em relação ao Estado e num sentido de evitar reformas, evitar estruturas, regras, que criem um sistema em que os reformados sejam mais bem tratados.

Então é por eleitoralismo?
Defina “eleitoralismo”.

Dizia, há pouco, algo como isto ser uma decisão tomada porque acordei de manhã e decidi que queria dar mais a uns porque gosto deles, ou porque quero que eles gostem de mim…
Que seja, então. Acima de tudo, parece-me que é uma má forma de conduzir política, esta ideia de dar complementos extraordinários aqui ou ali, de uma forma relativamente discricionária e arbitrária, sem ter havido uma razão fortíssima para fazer. [Estes complementos] só deveriam acontecer de forma altamente excecional.

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