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O bom tempo é um trunfo, mas não chega. Programa para atrair residentes não habituais faz dez anos e terá novas regras
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O bom tempo é um trunfo, mas não chega. Programa para atrair residentes não habituais faz dez anos e terá novas regras

ESTELA SILVA/LUSA

O bom tempo é um trunfo, mas não chega. Programa para atrair residentes não habituais faz dez anos e terá novas regras

ESTELA SILVA/LUSA

Bónus fiscal para não residentes habituais vai mudar. Valeu a pena?

Dez anos depois, Portugal passará a cobrar 10% sobre os até aqui rendimentos de residentes não habituais que estavam isentos de impostos. Será que o regime valeu a pena? Quanto nos deu a ganhar?

Quando o regime fiscal para residentes não habituais foi criado, os responsáveis pela sua conceção diziam, meio na brincadeira, que “se a Madonna viesse viver para Portugal, seria um sucesso”. A história foi recordada ao Observador pelo fiscalista Carlos Lobo, que era secretário de Estado dos Assuntos Fiscais em 2009, ano em que nasceu o regime em vias de ser reformulado no âmbito do Orçamento do Estado para 2020. A medida vai ser esta terça-feira debatida e votada na especialidade.

A verdade é que a Madonna veio durante algum tempo, mas não terá sido atraída por um regime fiscal favorável para os não residentes habituais, ao qual teria direito enquanto artista, mas sim pelo Benfica e pela academia para formação de jovens futebolistas, onde o filho chegou a jogar. Aliás, defende Carlos Lobo, na maioria dos casos o regime não será por si só razão suficiente para as pessoas mudarem para Portugal. É como a “cereja em cima de um bolo” que conta com outros ingredientes que atraem, como o clima, o custo de vida, a segurança ou a qualidade de algumas infraestruturas. Mas não tem dúvidas de que o programa cumpriu os seus objetivos.

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Instagram/Madonna

Dez anos depois, o Governo, via PS, faz a primeira alteração de fundo ao regime fiscal criado para atrair estrangeiros qualificados e com elevadas remunerações ou pensões. A dupla isenção da qual beneficiavam muitos dos reformados ‘estrangeiros’ abrangidos vai acabar e é introduzida uma taxa de 10% que incide sobre a fatia do rendimento que estava até agora isento. Não vai tão longe como a esquerda exige  — o fim deste regime e dos vistos dourados — mas vai na direção certa. Pelo menos o Bloco de Esquerda não deverá votar contra uma proposta que melhora o regime, mas não desistirá de apresentar a sua proposta.

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Caso as alterações propostas pelo PS passem, a imposição de uma taxa de 10% tornará o regime menos competitivo, admitem fiscalistas contactados pelo Observador, mas outros reconhecem que esta evolução era inevitável. “O mundo da fiscalidade europeia mudou”, assinala Carlos Lobo, e não podemos ignorar os sinais vindos de países como a Finlândia e a Suécia, que não só manifestaram desconforto às autoridades portuguesas como denunciaram ou renegociaram os termos da convenção para evitar a dupla tributação, ao abrigo da qual este regime é aplicado.

Já o regime aplicável a profissionais de alto valor acrescentado e a quadros de grandes empresas não residentes habituais, mantém a taxa de 20% aos rendimentos obtidos em Portugal. Em 2019, até foi alargado o leque de profissões abrangidas, que passou a incluir agricultores, artesãos e operários altamente especializados, e que deixou de fora os consultores fiscais e os auditores.

O antigo secretário de Estado e atual partner da EY explicou ao Observador o contexto em foi concebido e lançado este programa em 2009, no final do primeiro Governo de José Sócrates. O país e o mundo estavam em recessão após a crise financeira. “Tínhamos de fazer alguma coisa para atrair pessoas com elevada capacidade de gerar rendimento” numa altura em que Portugal “não tinha uma grande reputação de estabilidade e segurança fiscal”.

Era uma medida “out of the box” (fora da caixa), era inovadora e disruptiva que procurava “alavancar as capacidades de atração natural do nosso país com um argumento económico, uma vantagem fiscal”. Na altura, Portugal só tributava os rendimentos gerados dentro do país e foi feita uma análise à comunidade dos não residentes que já não pagavam imposto sobre esses rendimentos. Quando se avançou com a dupla não tributação, sabia-se que não havia um grande risco de perda para o Estado porque já não havia receita.

“Outros países atraíam empresas e banca — com taxas de IRC mais baixas — resolvemos ir atrás das pessoas”, assinala Carlos Lobo. Os alvos eram dois: os profissionais altamente qualificados e com ocupação de alto valor acrescentado e indivíduos com património e pensionistas estrangeiros, ou pelo menos e nos dois casos, que não tivessem residido em Portugal nos cinco antes do pedido de adesão. Uma condição que também se aplicava a portugueses.

Perda potencial é grande, mas também há ganhos, só que não se sabe quanto valem

Os reformados, acrescenta Carlos Lobo, foram vistos como pessoas produtivas. “Não considerámos os pensionistas como como um ónus para a sociedade, mas como cidadãos valiosos” que quando vinham para Portugal compravam casa e muitos desenvolviam o seu próprio negócio, potenciado um efeito económico positivo sobretudo a nível local que todos reconhecem — os rendimentos gerados em Portugal são taxados cá —  mas que é difícil de quantificar.

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E esse tem sido um dos calcanhares de Aquiles do regime que as pessoas conhecem sobretudo pelas centenas de milhões de euros de borlas fiscais dadas a alguns milhares de pensionistas do norte e centro da Europa. Por um lado, o regime é vítima do seu próprio sucesso, mas também da abordagem que a Administração Tributária dá à obrigação de divulgar os benefícios fiscais. A conta ao custo, neste caso, traduz a receita fiscal que entraria se aqueles contribuintes pagassem as taxas de IRS em vigor em Portugal. Estamos a falar de um universo de quase 30 mil beneficiários deste regime, dos quais um terço são reformados. Mas se o regime não existisse, estas pessoas viriam para Portugal?

Alguns destes contribuintes não estariam cá, certamente, e logo a receita nunca existiria. Quantos? Não é possível saber. Mas talvez o cálculo que mais permitiria validar o regime seria o da receita fiscal que entra porque estes contribuintes estão cá. Há isenção, mas também há lugar a pagamento de IRS sobre os rendimentos obtidos em Portugal, caso existam (o grupo de trabalho sobre benefícios fiscais fala em receitas anuais de 80 milhões de euros), para além do IMI e IMT sobre imóveis adquiridos, para já não falar do IVA sobre os produtos e serviços comprados.

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Esse tem sido o argumento do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Quando em dezembro António Mendonça Mendes deu uma entrevista ao Observador sublinhava que “o regime de residentes não habituais traz muita gente a Portugal e traz muita receita fiscal” em IRS, em IVA em IMI, em IMT. E face aos que acusam estes recém-chegados de pressionarem o mercado imobiliário — menos oferta, preços mais altos — o secretário de Estado defendeu  que os residentes não habituais não são os responsáveis pela especulação imobiliária.

“No próximo ano vamos fazer uma avaliação deste regime com a nova metodologia para os benefícios fiscais e ficará muito claro que aquela despesa fiscal que é apresentada não é imposto que nós perdemos, é imposto que nós nunca teríamos. E que tem um retorno muito elevado”. Mendonça Mendes adiantava que o Executivo estava aberto a rever o regime, porque há “questões que faz sentido melhorar. Mas isso não pode colocar em causa uma coisa que foi absolutamente importante e determinante para o país na crise”.

Há "questões que faz sentido melhorar. Mas isso não pode colocar em causa uma coisa que foi absolutamente importante e determinante para o país na crise".
Carlos Lobo, secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, em entrevista dada em dezembro de 2019

A fiscalista da Deloitte Aline Moreira de Almeida, destaca que a lógica do regime era perder no rendimento para ganhar no consumo e não tem dúvidas de que este programa teve um impacto positivo, não só fiscal, mas também económico. Os que vieram trouxeram amigos e família, ainda que pontualmente, e terão contribuído para promover Portugal como destino turístico, dando visibilidade ao país. Aline de Almeida admite mesmo uma correlação entre o crescimento destes beneficiários e a vinda de turistas.

Carlos Lobo também considera que o regime tem sido eficaz e teve efeitos positivos, “ajudou Portugal a sair mais rápido da crise. Foi tão bem sucedido que é preciso fazer ajustes, mas é incontestável a sua validade como política publica”. Mas se o programa atraiu milhares de pessoas, será que ficam depois de perderem a isenção? Esse será o teste dos próximos anos, uma vez que é a partir deste ano que termina o período de isenção de tributação dado aos primeiros aderentes.

Como Portugal tenta segurar suecos e finlandeses

Não é apenas para agradar à esquerda que o grupo parlamentar do PS propõe o início da cobrança de 10% sobre os rendimentos, até agora isentos. A proposta concertada com o governo prevê um período transitório. Quem cumprir as condições este ano pode ainda inscrever-se no atual regime até março de 2021. É uma resposta direta aos países que colocaram em causa o acordo fiscal com Portugal, precisamente por causa dos privilégios concedidos aos seus reformados.

A Finlândia denunciou a convenção que eliminava a dupla tributação em 2019, um acordo que datava de 1970 e tinha sido assinado pelo então Presidente Américo Tomaz. A Suécia reviu o acordo fiscal com Portugal pelas mesmas razões. Os beneficiários destes países deixaram assim de contar com a borla fiscal cá e passaram a pagar no seu país que lhes paga a reforma e onde as taxas aplicadas são historicamente altas.

Suecos a viverem em Portugal perdem isenção fiscal

Com a introdução de uma taxa, Portugal passou a cumprir os termos dos acordos já renegociados com os dois países, mas que ainda não foram ratificados cá. Isso permitirá a estes pensionistas manter a isenção do imposto sobre as pensões pagas no país de origem, desde que o país de destino cobre efetivamente uma taxa sobre esses rendimentos, ainda que mais baixa, como os 10% propostos.

É a pensar nestes pensionistas que a proposta socialista prevê a opção de os beneficiários do regime que têm direito a dez anos de isenção poderem mudar para os 10% antes de este período terminar. Para a fiscalista da Deloitte, o exercício desta opção é vantajoso fiscalmente, mas exige uma maior carga burocrática e administrativa, porque quem for por esta via tem de comprovar ao fisco português que pagou imposto no país de origem.

O comprovativo do imposto pago na fonte serve o propósito de eliminar/evitar a dupla tributação, explica Aline Moreira. “Até agora o regime previa como método de eliminação da dupla tributação nas pensões o método da isenção com progressividade: os rendimentos isentos não eram tributados mas eram considerados para determinar a taxa aplicável sobre os rendimentos não isentos”.

"Por exemplo se na Suécia pagam uma taxa de 25%, em Portugal não irão pagar IRS; contudo se não pagam qualquer imposto na Suécia, passarão a pagar 10%".
Explicação da fiscalista Aline Moreira sobre as regras propostas pelo PS

Com esta proposta, passaremos a ter o método do crédito de imposto. Os beneficiários poderão deduzir ao imposto português o imposto pago no estrangeiro (até ao limite do IRS devido em Portugal). “Por exemplo se na Suécia pagam uma taxa de 25%, em Portugal não irão pagar IRS; contudo se não pagam qualquer imposto na Suécia, passarão a pagar 10%”. Apesar de a mudança ser favorável para estes contribuintes, poderá constituir um elemento de desincentivo para quem está indeciso, além de potenciar a litigância.

Até onde pode ir o bónus fiscal nas reformas

Quando foi aprovado, em 2009, o programa demorou a arrancar a sério. A Autoridade Tributária não estava habituada e houve dificuldades na aplicação prática, recorda a newsletter do escritório do Rogério Fernandes Ferreira (RFF). O fisco interpretava ao decreto-lei de 2009 de forma restritiva, o que obrigou o Governo seguinte, do PSD/CDS, a fazer uma clarificação do quadro de condições a preencher para poderem beneficiar dele. Só em 2010 é que o regime ganhou velocidade, estabilizou e a partir daí tornou-se um sucesso, refere Carlos Lobo.

Mas as vantagens, refere a newsletter da RFF que assinala os dez anos deste regime, eram “inegáveis”.

  • Os rendimentos provenientes do trabalho por conta de outrem ou por conta própria de atividades exercidas em Portugal, e que estavam abrangidas — científicas, artísticas ou técnicas — são tributados a 20%, quando a taxa máxima de IRS para o escalão mais elevado chega aos 53%.
  • A maior parte dos rendimentos obtidos no estrangeiro por estes residentes beneficiam da isenção em Portugal desde que se verifiquem determinadas condições: quando são tributados no respetivo país de origem em linha com a convenção para eliminar a dupla tributação entre Portugal e esse Estado. Ou quando são tributados num país sem acordo com Portugal para eliminar a dupla tributação, desde que não sejam obtidos em Portugal.
  • As pensões obtidas no estrangeiro e recebidas por estes residentes não habituais também estão isentas, desde que sejam tributadas no país de origem em linha com o previsto na convenção para eliminar a dupla tributação entre Portugal e o esse Estado. Ou não sejam considerados rendimentos obtidos em território português.

Na prática, conclui a newsletter divulgada esta quarta-feira, e “dependendo das regras estabelecidas em cada uma das convenções para eliminar a dupla tributação celebradas por Portugal, a aplicação do regime dos residentes não habituais poderá resultar na dupla não tributação das pensões auferidas”.

Pode haver uma parte substancial das pensões, ou mesmo toda, que não paga impostos no país de origem, nomeadamente quando resulta de contribuições feitas por empresas para fundos de pensões privados, que estavam isentas de imposto no momento em que foram feitas, e que ao serem recebidas em Portugal ao abrigo desse regime também não pagam.

Porque é que os reformados ricos querem vir para Portugal?

O rendimento isento dependerá da convenção específica, mas em alguns casos haverá pagamento à cabeça no país de origem de pensões atribuídas pelo Estado a funcionários públicos. Ainda assim, o regime português é muito mais favorável.

A fiscalista da Deloitte Aline Moreira adianta que nos casos da França e da Finlândia (na versão da anterior convenção), a regra era a tributação em Portugal apenas das pensões (com exceção das pensões públicas, ou seja, decorrentes do exercício de um cargo público, como funcionário público ou como funcionário de uma autarquia). No caso da Suécia, algumas pensões (Segurança Social, provenientes de PPRs e pensões públicas) continuam a ser tributadas na fonte; nos EUA, para cidadãos norte-americanos, continuam sempre a ser tributados na fonte sobre todas as pensões.

Para esta fiscalista, o regime português deixa de ser um dos regimes mais atrativos com as alterações propostas, não só por causa destas maiores exigências declarativas, mas também porque há países, como a Itália, que tem uma taxa de 7%. Já Carlos Lobo concorda com estas alterações ao regime que, do seu ponto de vista, não perde a atratividade. Portugal, diz, já ganhou alguma credibilidade e o programa necessitava de ajustamentos face a questões de equidade fiscal que não eram um tema em 2008 ou 2009, mas que passaram a ser. E Portugal “reforça a sua posição com uma tributação equilibrada, mas necessária e que não afeta o espírito do regime”.

Mas deixa o aviso: “Temos de minimizar as alterações para manter a estabilidade”.

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