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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

O que diz a acusação: Bruno de Carvalho "determinou as agressões" à equipa

Ex-presidente é acusado de promover "clima de violência" que deixou os jogadores "em pânico", nas semanas antes das agressões. Depois, "compartilhou a decisão criminosa" de atacá-los em Alcochete.

Ao longo de 143 páginas, grande parte das quais usada para descrever a forma como os membros da claque Juve Leo se organizaram para o ataque aos jogadores do Sporting na Academia de Alcochete, a 15 de maio, o Ministério Público acusa 44 arguidos envolvidos na invasão da Academia de Alcochete de, no total, 4441 crimes de sequestro, ofensa à integridade física qualificada, ameaça agravada (estes classificados como terrorismo e, por isso, com pena mais pesadas do que na sua forma simples), detenção de arma proibida, dano com violência, resistência, entre outros. Bruno de Carvalho, ex-presidente do Sporting, Nuno Mendes ‘Mustafá’, líder da Juve Leo, e Bruno Jacinto, antigo Oficial de Ligação aos Adeptos, estão acusados, como autores morais, de 98 crimes cada.

A procuradora Cândida Vilar, que conduziu a investigação do Ministério Público, considera que o ex-presidente do clube leonino foi o principal instigador do ataque concretizado por membros da Juve Leo e de um uma fação mais radical desse grupo, os “Casuais”. O Observador sabe que a acusação defende a tese de que, quer nas reuniões que manteve com o líder da claque e com outros dirigentes do clube quer nas publicações que foi fazendo na sua conta de Facebook, Bruno de Carvalho criou a tempestade perfeita para os acontecimentos de 15 de maio.

“Precipitação” do MP esvazia indícios contra Bruno de Carvalho

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O documento sustenta, aliás, que o ex-presidente do clube de Alvalade não se limitou a validar quaisquer ações que os adeptos viessem a protagonizar, sempre liderados por Nuno Mendes (conhecido por ‘Mustafá’). A procuradora diz que, juntamente com o responsável da Juve Leo e com o antigo Oficial de Ligação aos Adeptos, Bruno de Carvalho “determinou” que os elementos que invadiram a Academia de Alcochete agredissem os jogadores e equipa técnica, que os intimidassem e os privassem da sua liberdade.

Reuniões e posts no Facebook. As provas contra o ex-presidente

Cerca de dois meses antes de a invasão a Alcochete ocorrer, vários arguidos já trocavam mensagens no grupo de WhatsApp chamado “Exército Invencível”, criado por Tiago Pires da Silva, um dos acusados pelo Ministério Público — em março, essas são as primeiras referências explícitas de vários elementos da claque à intenção de “ir a Alcochete”. Um mês mais tarde, sem que abrandasse o ritmo a que Bruno de Carvalho publicava mensagens incendiárias, e com uma crescente tensão entre claque e jogadores, o presidente leonino reúne-se com com ‘Mustafá’ na sede da Juve Leo. Terá sido esse o tiro de partida para o ataque de maio.

Ministério Público acredita que Bruno de Carvalho criou um “clima de violência” e sujeitou os jogadores do Sporting a um “tratamento não compatível com a natureza humana”. Atletas viveram “momentos de pânico e de incerteza”.

Nesse encontro de 7 de abril, segundo o relato da acusação — um despacho que assegura que os 38 arguidos se vão manter em prisão preventiva –, estão presentes, além de Bruno de Carvalho e Nuno Mendes, o antigo team manager do Sporting (André Geraldes, que não foi constituído arguido), Bruno Jacinto, Vasco Santos (um ex-diretor de segurança do clube), chefes das várias secções da claque e também membros próximos de ‘Mustafá’, que acabariam por estar envolvidos na invasão à Academia.

É o próprio Bruno de Carvalho quem marca a reunião na “casinha”, como é conhecida a sede da Juve Leo. O presidente ouve a indignação dos adeptos face aos resultados desportivos da equipa e ouve também uma sugestão: a de que fosse feita uma “visita” aos jogadores na Academia.

Horas mais tarde, o líder dos leões reunir-se-ia com Jorge Jesus, o plantel e André Geraldes. É nesse encontro que, confrontado pelos jogadores com a promoção de violência que fazia junto dos adeptos, Bruno de Carvalho faz ameaças físicas diretas a William de Carvalho, “dizendo que, se lhe quisesse bater, não precisava de chamar ninguém para o fazer”. As palavras do dirigente provocaram nos jogadores “medo” e “receio pelas suas vidas”.

Os testemunhos que incriminavam Bruno de Carvalho e uma peça central: o ex-OLA, Bruno Jacinto

Com as intervenções públicas que foi fazendo nas semanas seguintes, o dirigente promoveu um “clima de violência” e sujeitou os seus jogadores a um “tratamento não compatível com a natureza humana”, humilhou-os e levou-os a “viver momentos de pânico e de incerteza”, descreve fonte próxima do processo. São esses episódios que levam o Ministério Público a considerar que, mais do que “compartilhar a decisão criminosa” de concretizar as agressões, Bruno de Carvalho, Nuno Mendes e Bruno Jacinto “determinaram” que 41 dos arguidos avançassem com o ataque a Alcochete.

Funchal e Alvalade. O primeiro ensaio do ataque à Academia

Pelo menos desde 16 de março que 14 adeptos do Sporting — entre os quais ‘Mustafá’ (que não intervém, mas acompanha os diálogos) e outros seis arguidos — trocavam entre si mensagens num grupo de WhatsApp criado por Tiago Pires da Silva, a que o elemento da Juve Leo deu o nome de “Exército Invencível”. E já desde esse momento que a “visita” a Alcochete era um cenário em cima da mesa. Mas as conversas subiram de tom a 13 de maio, na noite em que o Sporting perdeu com o Marítimo por 2-1, num jogo a contar para o campeonato.

Rui Patrício, o antigo guarda-redes dos leões, é um dos diretamente visados nas conversas, tal como William de Carvalho e Acuña, um dos jogadores que maiores sinais de desagrado tinham demonstrado face às críticas de que a equipa tinha sido alvo no Funchal. “Todos tapados”, prontos para dar “tochada” e “porrada” nos jogadores e ir a “Alcochete antes do Jamor”, numa referência ao jogo da final da taça que a equipa ainda teria de disputar — são as expressões encontradas nas conversas escritas nessa altura.

Membros da Juve Leo queriam ir a "Alcochete antes do Jamor". Deveriam ir "todos tapados" e seria "para bater mesmo".

É no mesmo grupo de WhatsApp que se discute a possibilidade de alguns dos adeptos irem, ainda nessa noite, até Alvalade para demonstrar o desagrado aos jogadores no seu regresso da viagem à Madeira (como, aliás, viria a acontecer). A ideia era “bater mesmo” porque “insultar membros da Juve Leo pagasse [sic] caro”, escreveu um deles.

Insatisfeitos com o impacto da mensagem passada nas garagens do Estádio de Alvalade e, antes ainda, no Aeroporto Cristiano Ronaldo, perto das 21h de dia 14 de maio, véspera do ataque a Alcochete, um dos arguidos, Alano Silva — que fugiu do país e nunca chegou a ser detido —, pergunta se no dia seguinte o grupo deverá seguir para a Academia. Outros elementos confirmam o plano e é o próprio Alano quem dá indicação para que seja criado um novo grupo de WhatsApp. A ideia era mesmo “avacalhar grande” no dia seguinte.

“Academia Amanhã”. As horas finais antes do ataque

Fonte do processo conta ao Observador que, no despacho de acusação que concluiu esta quinta-feira, Cândida Vilar deixa também críticas à falta de colaboração com a investigação por parte da PJ do Porto. No documento, a procuradora refere que a investigação não ficou terminada por não lhe terem sido facultadas informações sobre as escutas feitas ao telemóvel de André Geraldes, no âmbito do processo CashBall, sobretudo porque o dirigente sportinguista era considerado um elemento fundamental de ligação a Bruno de Carvalho.

Bruno Jacinto teria, aliás, enviado uma mensagem a Geraldes na véspera da invasão à Academia, dando conta de que estaria iminente um ataque àquelas instalações do clube e que esse ataque seria protagonizado por elementos da Juve Leo. Também a perícia ao telemóvel de Jacinto ficou aquém do que a procuradora pretendia, uma vez que, de acordo com “o Sr. Coordenador da PJ”, o programa informático não permitiu recuperar conteúdos do aparelho que supostamente tinham sido apagados e que serviriam de prova mais substancial à acusação.

No WhatsApp, na véspera de os adeptos invadirem Alcochete, 'Mustafá' relata uma conversa que terá tido com Bruno de Carvalho. “Façam o que quiserem aos jogadores”, terá dito o ex-presidente do Sporting. Nesse momento, Jesus "já não era treinador" em Alvalade.

Essa escassez de prova levou o Ministério Público a admitir não ter “indícios fortes” de que Geraldes estaria a par do ataque à Academia de Alcochete, o que acabaria por fazer com que o dirigente de Alvalade não chegasse a ser constituído arguido no âmbito deste processo.

Restou à investigação olhar para os telemóveis de outros arguidos. E é a partir daquilo que encontra nesses aparelhos, mas também do testemunho de quatro dos arguidos que decidiram colaborar com a investigação, que o Ministério Público reconstitui as últimas horas e os acertos finais antes do ataque aos jogadores e à equipa técnica do clube.

Antes de entrar para o avião que o traria de volta a Lisboa, vindo do Funchal, na noite de 13 para 14 de maio, ‘Mustafá’ refere-se no WhatsApp a uma conversa que teria mantido diretamente com Bruno de Carvalho, em que o presidente do Sporting dá carta branca: “Façam o que quiserem aos jogadores”, escreve o líder da Juve Leo, citando Bruno de Carvalho. Nesse momento, e segundo o presidente, Jorge Jesus “já não era treinador” do clube.

Na véspera da invasão a Alcochete, o presidente leonino reúne-se com vários responsáveis do “staff” para tomar o pulso ao grupo — queria saber quem estava com ele e quem ia abandonar o barco. Mas queria mais: segundo o Ministério Público, perante a insistência para que tomasse uma atitude face aos maus resultados da equipa, Bruno de Carvalho cede à pressão de ‘Mustafá’ e dos seus homens e “determina” uma “ação violenta” contra os seus jogadores.

No grupo “Academia Amanhã” ultimavam-se os preparativos para a operação em Alcochete. Um dos administradores, Emanuel Calças, diz ter “informação oficial” de que o treino da equipa estava marcado para as 17 horas. A missão estava clara para todos: era “chegar e bater”, e os jornalistas que estivessem à porta da Academia também eram alvos.

Bruno de Carvalho suspeito de ter remarcado treino do Sporting para o dia do ataque

Cerca de três horas e meia antes de o grupo chegar — e já depois de vários acertos sobre boleias até Alcochete e sobre o local onde deixar os carros para que as autoridades não se apercebessem da operação —, Filipe Alegria e Paulo Patarra fazem uma visita de reconhecimento às proximidades da Academia.

Por volta das 16 horas, mais de 40 elementos da Juve Leo e da fação “Casuais” invadem a Academia de Alcochete e agridem jogadores e equipa técnica do Sporting. As marcas das agressões ficaram registadas nas imagens que alguns atletas recolheram antes e depois de serem assistidos por pessoal médico — e o ataque lançaria o clube de Alvalade numa das mais graves crises da sua história. O Ministério Público define os envolvidos nesses episódios como tendo “personalidades”  que revelam um “manifesto desprezo” pelas consequências dos seus atos.

44

Ministério Público deduziu acusação contra 44 arguidos, incluindo Bruno de Carvalho, Nuno Mendes (‘Mustafá’) e Bruno Jacinto. Nuno Teles, um dos elementos da claque, viu cair a acusação, e Maria Cristina Amorim, companheira do líder da Juve Leo, será investigada num processo autónomo por tráfico de estupefacientes.

No despacho, a procuradora Cândida Vilar faz apenas um arquivamento: por causa das limitações físicas de Nuno Teles, o arguido é ilibado das suspeitas de introdução em lugar vedado ao público, ameaça agravada, ofensa à integridade física qualificada, sequestro, dano com violência, detenção de arma proibida e terrorismo, que pendiam sobre ele.

O Ministério Público determinou ainda que fosse extraída uma certidão para que Maria Cristina Amorim, companheira de ‘Mustafá’, possa ser alvo de uma investigação mais aprofundada, por suspeitas do crime de tráfico de estupefacientes.

E são ainda dedicados extensos parágrafos (19, ao todo) para justificar a inclusão de terrorismo para classificar os crimes de ofensa à integridade física, ameaça e sequestro — o que faz com que as respetivas penas sejam agravadas em mais um terço dos anos de prisão previstos na lei para quando são praticados na forma simples. Cândida Vilar explica que, no caso de Alcochete, existe um crime de terrorismo sem que exista uma organização terrorista. Há uma “execução conjunta” de um crime, nomeadamente quando os elementos da Juve Leo decidem, todos, invadir Alcochete para agredir a equipa.

Escreve que é claro que uma associação dessa natureza “não será tão perigosa como uma organização terrorista de inspiração fundamentalista”, como o Daesh ou a Al Quaeda, mas que a lei permite classificar assim qualquer agrupamento de adeptos “que se proponham a esbofetear atletas para os intimidar”.

4441 crimes para 44 arguidos

A esmagadora maioria dos arguidos vai responder pelos mesmos crimes — ofensa à integridade física qualificada, ameaça agravada (estes classificados como terrorismo) e detenção de arma proibida agravada. No caso de Bruno de Carvalho, Bruno Jacinto e Nuno Mendes, os crimes são-lhes imputados em autoria moral. ‘Mustafá’ e dois arguidos respondem ainda por tráfico de droga e outros acrescentam acusações de dano com violência e resistência e coação sobre funcionário.

Cada imputação é multiplicada pelo número de vítimas, o que faz com que, tudo somado, o Ministério Público acuse os 44 arguidos de 4441 crimes.

Bruno de Carvalho responderá por 98 crimes, tal como Bruno Jacinto. Nuno Mendes por 99 (por causa do crimes de tráfico de droga). Os restantes vão responder, quase todos, por 101 crimes cada um.

A Procuradoria Geral Distrital de Lisboa emitiu, entretanto, um comunicado, confirmando o conteúdo da acusação. O texto explica que os 44 arguidos (41 executantes e três autores morais) executaram “um plano comum previamente traçado, querendo e conseguindo:

– Criar um clima de medo e terror junto dos jogadores da equipa principal de futebol do clube e dos elementos da equipa técnica, através de ameaças e agressões;

– Atingi-los com tochas, cintos, paus e bastões em regiões do corpo, provocando-lhes as lesões;

– Privá-los da liberdade enquanto decorriam as agressões, as ameaças e o arremesso de tochas, com a intenção de originar um ambiente de pânico e sofrimento físico e psicológico, sujeitando-os a tratamento não compatível com a natureza humana.”

[texto atualizado às 14h30 do dia 16 de novembro, com a referência ao comunicado da PGDL]

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