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A 23 de novembro de 2016 o ministro da Cultura Luís Castro Mendes renovou por mais seis anos a permanência das obras de Berardo no Centro Cultural de Belém. O presidente do CCB, Elísio Summavielle, e o filho do empresário madeirense, Renato Berardo, também assistiram à assinatura do acordo
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A 23 de novembro de 2016 o ministro da Cultura Luís Castro Mendes renovou por mais seis anos a permanência das obras de Berardo no Centro Cultural de Belém. O presidente do CCB, Elísio Summavielle, e o filho do empresário madeirense, Renato Berardo, também assistiram à assinatura do acordo

MÁRIO CRUZ/LUSA

A 23 de novembro de 2016 o ministro da Cultura Luís Castro Mendes renovou por mais seis anos a permanência das obras de Berardo no Centro Cultural de Belém. O presidente do CCB, Elísio Summavielle, e o filho do empresário madeirense, Renato Berardo, também assistiram à assinatura do acordo

MÁRIO CRUZ/LUSA

Câmaras e gestores de fundos europeus continuaram a financiar Berardo mesmo depois das suspeitas

Responsáveis remetem-se quase todos ao silêncio. Empresário fez parcerias público-privadas para a criar museus e recebeu milhões dos contribuintes. Mas já se falava de calotes desde pelo menos 2016.

As suspeitas sobre os negócios de José Berardo começaram a ganhar consistência há pelo menos seis anos, mas antes disso já o próprio admitia dificuldades em pagar créditos à banca, como fez numa entrevista à SIC em 2009. Ainda assim o empresário — detido com o seu advogado a 29 de junho para interrogatório no âmbito de um inquérito judicial à gestão da Caixa Geral de Depósitos por alegadas dívidas de 439 milhões de euros e suspeitas de burla, fraude fiscal e branqueamento de capitais, entre outros crimes — continuou a receber até agora apoios do Governo, da Câmara de Lisboa, da Câmara de Estremoz e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo.

Questionados nos últimos dias pelo Observador, os organismos públicos não justificaram as transferências para Berardo com eventuais argumentos de serviço público prestado pelos museus. A Câmara de Estremoz remeteu-se ao silêncio. O ex-ministro da Cultura Castro Mendes também não quis falar. A Câmara de Lisboa apresentou justificações. Mas a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo limitou-se a reafirmar o mesmo que o Observador lhe pediu que explicasse: o motivo pelo qual o dinheiro do Estado serviu para apoiar um empresário que presumivelmente já devia milhões à banca e que teria arranjado esquemas para fugir à obrigação de pagamento.

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Além da valiosa coleção de arte moderna e contemporânea parcialmente cedida ao Estado em 2006 para a criação do Museu Coleção Berardo, instalado desde então no Centro Cultural de Belém, em Lisboa — por via de um protocolo (acordo de comodato) com o Ministério da Cultura, renovado em 2017 e com termo daqui a 17 meses —, o empresário tem vindo a juntar, desde o início da década de 80, dezenas de coleções de arte que deram origem nos últimos anos a outros espaços museológicos. Um deles é o Museu Berardo Estremoz, dedicado ao azulejo e a funcionar no Palácio Tocha desde julho de 2019. O outro é o Berardo – Museu Art Déco (B-MAD), inaugurado em abril na Rua 1º de Maio em Lisboa.

B-MAD em Lisboa é “uma iniciativa privada da Associação de Coleções”, segundo a equipa de José Berardo

LUSA

Os dois espaços receberam financiamento público já depois de conhecidas as alegadas dívidas de Berardo à banca e de a justiça ter decretado o arresto (penhora preventiva) de imóveis dele e de toda a coleção de arte do Museu Berardo no CCB. Já era também conhecida a aparatosa intervenção do empresário, de 77 anos, em maio de 2019 na comissão parlamentar de inquérito à gestão da Caixa Geral de Depósitos. As respostas que deu aos deputados — “pessoalmente não tenho dívidas”, “não sou dono de nada” —, provocaram a ira de muitos, a ponto de Berardo ter sido insultado e ameaçado fisicamente num dos restaurantes da capital que ele e vários políticos e jornalistas costumam frequentar. Aquela ida de Berardo ao parlamento é até apontada como o rastilho da sua inesperada detenção na semana passada.

20 mil da Câmara de Lisboa

Também em 2020, e apesar do cenário de calotes, a Câmara Municipal de Lisboa gastou 20 mil euros na compra de 400 exemplares de um livro publicado pelo Museu Berardo, como demonstra a plataforma online dos contratos públicos. A verba foi dividida em duas tranches de 14,500 euros cada, em julho e em dezembro. O livro em causa é um catálogo da exposição Deeper Shades, do fotógrafo austríaco Andreas H. Bitesnich, e dele foram impressos 960 exemplares, o que significa que a Câmara da capital comprou quase metade da edição.

"A Câmara Municipal de Lisboa desconhece os processos de investigação internos das autoridades competentes — neste caso, o Ministério Público — até os mesmos serem tornados públicos."
Gabinete da vereadora Catarina Vaz Pinto

Os 20 mil euros foram para a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Coleção Berardo, ou seja, a entidade com o número fiscal 507878094, criada em 2006 para gerir o Museu Berardo no CCB e de cujo conselho de administração fazem parte dois nomes indicados por Berardo: o advogado André Luiz Gomes e Renato Berardo, filho do empresário e também arguido no inquérito judicial em curso. O próprio Berardo é presidente honorário vitalício daquela fundação e tem poderes para propor a nomeação e o afastamento da direção do museu e para representar oficialmente o Museu Coleção Berardo, como estabelecem os estatutos em vigor.

Desde maio último, com a recondução por quatro anos dos representantes do Estado decidida pela ministra da Cultura, Graça Fonseca, a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea Coleção Berardo continuou a ser também administrada pelo presidente do CCB, Elísio Summavielle, entre outros nomes.

Sobre a compra dos 400 exemplares do catálogo da exposição Deeper Shades, o autarquia lisboeta diz que “todos os anos a Câmara adquire milhares de euros em publicações” destinadas por exemplo à Rede de Bibliotecas Municipais. O gabinete da vereadora com a tutela da Cultura, Catarina Vaz Pinto, apontou a “indiscutível relevância cultural e artística” do trabalho de Andreas H. Bitesnich, que em 2019 tinha feito uma residência artística em Lisboa, da qual resultou a exposição no Museu Berardo e o livro em causa.

Ex-ministro da Cultura Castro Mendes afirmou em 2017: “O Governo não teve conhecimento à data dessa renovação, tal como não tem à data de hoje, da existência de qualquer penhora”

TIAGO PETINGA/LUSA

Em 2016, pouco antes de o empresário ter assinado com o então ministro da Cultura Castro Mendes a renovação do protocolo do Museu Berardo, era já público e notório que Berardo estava classificado pela banca como “devedor de alto risco”. À época saíram notícias sobre dívidas do comendador ao antigo Banco Espírito Santo e a própria Caixa Geral de Depósitos terá enviado um alerta por escrito ao Governo de António Costa. Sabia-se também de tentativas de acordo de pagamento entre Berardo e os bancos, que não deram em nada.

Mesmo assim o executivo ignorou as informações e no verão de 2017 o então ministro da Cultura até declarou ao jornal Público: “O Governo não teve conhecimento à data dessa renovação, tal como não tem à data de hoje, da existência de qualquer penhora.” Castro Mendes não respondeu aos contactos do Observador nos últimos dias.

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Milhões em Estremoz vindos de Bruxelas

No caso do Museu Berardo de Estremoz, os milhões vieram sobretudo de Bruxelas e foram parar à Associação de Coleções, entidade sem fins lucrativos criada por Berardo em 2005 no Funchal e que detém a propriedade de muitas das obras de arte do comendador (mas não as que se exibem no CCB) e também deste mesmo museu alentejano. Segundo o jornal Expresso, a Associação de Coleções é detida desde o ano passado por uma outra empresa criada por Berardo, a Statuschange.

Foi uma associação muito semelhante à Associação de Coleções, a Associação Coleção Berardo (ACB), que o empresário e o seu advogado André Luiz Gomes terão usaram como principal instrumento para contornar o pagamento de uma dívida de quase 1.000 milhões de euros a três bancos: a Caixa Geral, o Novo Banco e o BCP. Estes três credores receberam de Berardo, como garantia, títulos de participação na ACB, mas manobras como alterações de estatutos em assembleias marcadas à revelia dos bancos e aumentos de capital diluíram a posição dos credores, impedindo-os, na prática, de poderem dispor dos principais ativos: as valiosas coleções de arte do comendador.

Estas manobras com a ACB souberam-se (com menos pormenores) antes da audição de Joe Berardo na comissão parlamentar de inquérito às perdas da Caixa, em maio de 2019. Mas após a audição, os portugueses ficaram a conhecer o alegado esquema com todos os pormenores, incluindo o papel instrumental da ACB, a ausência de regulação sobre este tipo de associações e a extrema dificuldade sentida pelos bancos na recuperação dos ativos (supostamente) dados como garantia.

Nada disto constituiu problema ou serviu de alerta quando a Associação de Coleções, de Berardo, acedeu a fundos europeus. Através do Programa Operacional Regional do Alentejo (Alentejo 2020), a Associação de Coleções candidatou-se ao Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (Feder) para receber cerca de 2,5 milhões de euros. Mais precisamente, 2.587,577 milhões euros, a serem aplicados na reabilitação do Palácio dos Henriques, ou Palácio Tocha, no centro da cidade, de que Berardo é proprietário, e na instalação do museu.

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Quem à época geria os fundos europeus na região era o economista Joaquim Roberto Pereira Grilo, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Alentejo e, por inerência de funções, presidente do Alentejo 2020. Roberto Pereira Grilo foi nomeado em julho de 2015 pelo então ministro do Ambiente Jorge Moreira da Silva (do Governo PSD/CDS-PP), saiu no ano passado e atualmente é coordenador do Órgão de Acompanhamento das Dinâmicas Regionais do Alentejo junto da CCDR. O dirigente não respondeu esta semana aos contactos do Observador.

O atual presidente da CCDR Alentejo, António Ceia da Silva, fez agora notar com ênfase que o assunto é anterior à sua tomada de posse e indicou ao Observador que os fundos europeus foram transferidos para Berardo entre abril de 2018 e maio de 2019 porque este cumpria os critérios estabelecidos. Ficou por esclarecer se o presidente da CCDR-A considera correta ou incorreta a decisão inicial de apoiar Berardo.

Ceia da Silva argumentou ainda que não foi admitido um outro projeto que o empresário madeirense candidatou ao Feder em 2019, um futuro Museu Berardo de Arte Africana de Estremoz. Porém, os documentos de indeferimento fornecidos pelo próprio presidente da CCDR-A justificam a decisão com aspetos meramente burocráticos e não judiciais ou de idoneidade.

Museu dedicado ao azulejo abriu em Estremoz há um ano com pedido de 2,5 milhões de euros de fundos públicos

DR

Câmara de Estremoz aceitou pagar todas as despesas de museu

O apoio ao Museu Berardo Estremoz teve uma outra fonte pública. Num protocolo a cinco anos assinado em julho de 2016 entre Berardo e a Câmara de Estremoz — à época presidida pelo independente Luís Mourinha, que perdeu o mandato em inícios de 2019 após condenação em tribunal pelo crime de prevaricação — estabeleceu-se um apoio em larga escala. Com a contrapartida da receita de bilheteira, a Câmara comprometeu-se a pagar os custos de manutenção e funcionamento do museu e todas as despesas de produção de exposições, bem como contratar e pagar os vencimentos dos funcionários (incluindo o diretor) e pagar um seguro das peças do museu.

Na plataforma online dos contratos públicos surge, por exemplo, a contratação por parte da autarquia, por ajuste direto e em regime de avença, de uma funcionária do museu encarregue de “atendimento, visitas acompanhadas e atividades educativas”, à qual foram pagos 16,800 euros ao longo de 12 meses.

Protocolo de julho de 2016 entre Berardo e a Câmara de Estremoz estabeleceu que o município fica com receita de bilheteira, mas tem de pagar os custos de manutenção e funcionamento do museu e todas as despesas de produção de exposições, bem como contratar e pagar os vencimentos dos funcionários e pagar um seguro das peças do museu

Todas as obrigações do protocolo de Julho de 2016 foram mantidas pelo atual presidente da Câmara de Estremoz, Francisco Ramos, ex-vice de Luís Mourinha. Francisco Ramos compareceu à inauguração do Museu Berardo Estremoz no verão do ano passado e defendeu que se tratava de um acordo “perfeitamente equilibrado”. Questionado agora pelo Observador sobre se a parceria público-privada com Berardo foi adequada, o presidente da Câmara não quis responder. E não respondeu, nomeadamente, a várias questões fundamentais: que receitas a autarquia obteve até agora (e se controla ou não esse processo) e que despesas está obrigado a pagar. Ou seja, quanto gasta no Museu de Berardo (e em quê) e quanto recebe. O futuro do museu, perante a detenção do comendador e o fim do protocolo a cinco anos, também ficou por esclarecer.

Berardo abre novo museu em Lisboa a 23 de abril

Câmara de Lisboa “não tem qualquer papel no financiamento” do museu de art déco

Quanto ao novo museu de Berardo em Lisboa, B-MAD, o mais recente no portfólio do comendador, o financiamento é mais difícil de apurar. O gabinete da vereadora da Cultura da Câmara de Lisboa garantiu esta semana que o município “não tem qualquer papel no financiamento do referido museu”, o que é confirmado por fonte próxima de Berardo. Em abril último, num comunicado de imprensa distribuído pelos assessores Berardo em vésperas da abertura do museu, lia-se logo na primeira linha que se tratava de “uma iniciativa privada da Associação de Coleções”, só possível “graças à incansável equipa da Coleção Berardo”.

O mesmo comunicado citava Berardo a enaltecer o projeto: “Este é mais um sonho tornado realidade, feito de vários desejos; o desejo de preservar estas magníficas obras de arte; o desejo de as tornar acessíveis ao público; e o desejo constante de contribuir para a preservação do património e a promoção da cultura no mundo, a partir do nosso país.” Pormenores sobre a propriedade do edifício ou do investimento não foram fornecidos na ocasião.

O museu abriu portas a 24 de abril, com bilhete gratuito até ao fim de maio, o que entretanto se prolongou até ao fim de julho. As entradas têm de ser marcadas com antecedência e consistem numa visita guiada por uma técnica do museu, que no fim convida o público a degustar numa esplanada interior os vinhos da Quinta da Bacalhôa, aliás expostos à entrada em várias estantes. Os vinhos são produzidos em 40 quintas de Berardo no Douro, em Setúbal e no Alentejo, num total de 1200 hectares.

O acervo do museu é detido por Berardo, através da Associação de Coleções. Já tinha sido parcelarmente exibido ao longo de anos — na Fundação de Serralves no Porto, no Sintra Museu de Arte Moderna, no Museu Berardo em Lisboa e na Casa das Mudas no Funchal — mas é a primeira vez que surge ao lado da coleção de Arte Nova, além de ter sido aumentado com novas aquisições nunca antes expostas.

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