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Dois ciclistas passeiam enquanto os bombeiros procediam às fases de consolidação do incêndio para evitar novos reacendimentos.
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Dois ciclistas passeiam enquanto os bombeiros procediam às fases de consolidação do incêndio para evitar novos reacendimentos.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Dois ciclistas passeiam enquanto os bombeiros procediam às fases de consolidação do incêndio para evitar novos reacendimentos.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Castro Marim. O incêndio dominado duas vezes que destapou mais um abrigo ilegal de animais onde morreram 14 cães

No momento em que mais de 600 bombeiros combatiam as chamas em Castro Marim, Cátia Pires fugia de casa com os três filhos e 14 cães morreram num abrigo ilegal

A história de um fogo nem sempre pode ser contada em dois dias, mas o de Castro Marim (que alastrou aos concelhos vizinhos de Tavira e Vila Real de Santo António) pode e com dois atos. O fogo, que começou depois da uma da manhã de segunda-feira, chegou a estar dominado ainda nesse dia antes de tudo piorar e ser preciso acionar 613 operacionais, com 205 veículos e oito meios aéreos. Nesta quarta-feira de manhã o fogo já estava em fase de rescaldo, tendo ardido mais de 6.700 hectares e obrigado 81 pessoas a saírem de casa, como Cátia Pires: “Fugi com os meus três filhos e deixei o meu marido, o meu sogro e o meu pai a proteger a casa”.

Incêndio de Castro Marim declarado dominado. 57 operacionais encontram-se no local em “vigilância ativa”

A algarvia regressou a casa por volta das cinco e meia da tarde desta terça-feira. Por esta hora já o fogo de Castro Marim tinha sido dado como dominado pela segunda vez. E no céu estavam cinco aviões que, em fila, faziam descargas nas zonas quentes do terreno. No horizonte já não se via fogo, apenas pequenos focos de fumo que iam sendo controlados por seis centenas de bombeiros que se mantinham no local para trabalhos de rescaldo.

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Incêndio em Santa Rita, em Tavira

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Nenhuma habitação ardeu, mas cada uma das 81 pessoas temia pela sua casa. “Eu sabia que nós tínhamos feito o trabalho de limpeza como deve ser, mas estamos sempre a pensar no pior”, diz Cátia Pires debaixo do vão da porta de entrada da casa que construiu com o marido “à medida que as possibilidades iam permitindo”.

No passadiço onde as crianças conseguem brincar depois de o período de maior preocupação ter passado há vários frascos de mel — o marido de Cátia é apicultor. Provavelmente são os últimos que vão ser vistos por aqui nos próximos tempos. O fogo não chegou à casa, mas destruiu vários campos com dezenas de colmeias. A família ainda não fez contas: “O importante é estarmos cá todos, os prejuízos logos vemos como é que se resolvem”, diz com ar de alívio.

Resultados do combate a fogo de Castro Marim foram “bastante positivos”: chamas podiam ter atingido os 20.000 hectares

Salvaguardar a casa foi uma das preocupações do marido do sogro e do pai de Cátia. Os três recusaram-se a abandonar o espaço mesmo depois das várias tentativas dos familiares. Numa primeira fase nem sequer pensaram que o fogo pudesse chegar ali: “Estava atrás daquela estrada”, diz a mãe de três filhos apontando para o horizonte. “Mas de um momento para o outro, o fogo já estava aqui”. Foi nesse momento que decidiu sair e refugiar-se em casa da sogra.

Salvaguardar a casa foi uma das preocupações do marido do sogro e do pai de Cátia

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“A noite foi terrível, nem eu nem os miúdos conseguimos dormir”. O tempo passado em claro não foi solitário, havia muitos vizinhos na rua que também estavam preocupados com o avanço das chamas, “fizemos companhia uns aos outros”, diz entre sorrisos antes de contar a maior aflição: “Estava sempre a tentar ligar para o meu marido, mas ele nunca atendia o telefone. Devo ter estado umas quatro horas seguidas sem conseguir falar com ele, com o coração nas mãos”.

Apesar da “agonia”, Cátia Pires não critica a atuação dos bombeiros: “Claro que faltaram meios, não tive aqui ninguém para me ajudar, mas da maneira como isto estava eles não podiam acudir a toda a gente”.

“Estamos cá há cinco anos e já tivemos que sair de casa duas vezes”

Centenas de estrangeiros escolhem viver em Portugal pelo “bom tempo”, como Eva Einstrum, uma sueca que vive com o marido há cinco anos no Algarve e que, para além de muitos dias sem nuvens, começa a associar o país aos fogos: “Desde que cá estamos esta foi a segunda vez que fomos retirados de casa”, lamenta explicando que passou a noite “na casa de amigos”.

O fogo não provocou grandes danos na casa que comprou quando se mudou para Portugal, ainda assim é possível ver várias partes das persianas derretidas. O terreno queimado deixa perceber o quão perto esteve o fogo destes dois suecos que foram convidados a sair de casa pela GNR que lhes bateu à porta “pouco depois da hora de jantar”.

Eva Einstrum acompanhada pelo seu marido perto de sua casa.

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Apesar do “espetáculo muito difícil de explicar”, não levantam a possibilidade de sair de Portugal: “Nunca, nunca” garantem voltando aos elogios ao Algarve: “Aqui as pessoas são muito simpáticas, a comida é boa e gostamos muito de cá estar”.

14 cães morreram em canil ilegal: “Toda a gente sabia, mas ninguém fez nada”

Quando Alice Gil chegou ao lugar de Santa Rita, no concelho de Vila Real de Santo António, já 81 cães e 110 gatos tinham sido retirados do Canil Intermunicipal de Castro Marim com o objetivo de os proteger do avanço das chamas. A mesma sorte não tiveram os cães que viviam numa estrutura privada, escondida e “ilegalíssima”: “Encontrei 14 animais carbonizados e fiquei em choque”.

Alice decidiu vir até este local de difícil acesso depois de, no dia anterior, ter telefonado às donas do espaço. Explica que lhes pediu para que viessem verificar o estado em que os animais estavam: “Eu sabia que estes cães não deviam estar aqui bem, viviam em condições péssimas e quando vi que o fogo estava nesta zona, temi pelas suas vidas”. Como justificação para não terem prestado auxílio aos animais, Alice Gil fala num bloqueio de passagem por parte da GNR que as terá impedido de aceder ao local numa altura em que havia uma frente ativa do fogo naquela zona.

Foi Alice Gil quem denunciou a morte destes 14 animais à veterinária municipal.

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Ao final do dia, já com o incêndio dominado, o Observador chega ao local e só é possível ver chapas de zinco no chão marcadas a negro pelo fogo e as redes que, de acordo com esta testemunha, “serviam para dividir os cães dentro do abrigo”. O cenário atual não deixa perceber qual a forma deste espaço, mas Alice Gil garante que era um abrigo para animais que estava ali instalado “há uns largos anos”.

Se assim é, ninguém parece ter conhecimento. Pouco antes da chegada desta mulher que encontrou os animais mortos, chega também uma patrulha da GNR. Dizem ao Observador que vieram tomar conta da ocorrência depois de terem visto o caso publicado em vários meios de comunicação social. Assumem que foi difícil encontrar o local exato e garantem que não sabiam da existência desta estrutura. Os dois militares da guarda tiram algumas fotografias com um telemóvel e abandonam rapidamente o descampado.

O caso acaba por ser tornado público pelo PAN, o partido a quem em primeiro lugar Alice Gil relatou o que tinha visto. No comunicado assinado pela líder Inês de Sousa Real, promete-se uma queixa no Ministério Público e pede-se um esclarecimento à Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, a autarquia que a denunciante garante saber de tudo o que se passava neste local.

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Luís Romão nega. O presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António diz ao Observador que está a procurar perceber se dentro da autarquia alguém sabia da existência deste espaço, mas garante que “das diligências realizadas até agora” a conclusão que pode tirar “é que ninguém sabia de nada, nem a câmara, nem as autoridades de Proteção Civil”.

O autarca mostra-se ainda desconfiado da justificação que, alegadamente, terá sido dado pelas responsáveis pelo canil para não conseguirem resgatar os animais. “A justificação de que foram barradas pela GNR não faz sentido”, atira para logo a seguir concretizar: “Provavelmente não disseram que queriam passar para irem resgatar animais, se assim fosse ter-se-iam mobilizados todos os meios para o fazer”.

Como prova da disponibilidade para resgatar estes animais do fogo, Luís Romão usa o caso do Canil Intermunicipal de Castro Marim. Os quase 200 animais daquela estrutura camarária ficaram a salvo com a “ajuda de mais de 100 voluntários”, pessoas que se mobilizaram não só para os retirar, como para os “acolher nas suas próprias casas enquanto não há condições para regressarem”. Este caso prova, na opinião do autarca, que “a população local é solidária e se ajudaram a proteger quase 200 cães e gatos também teriam ajudado a proteger estes 14”.

Os destroços da estrutura onde estes animais estavam alojados ficaram no mesmo local, mas os cadáveres que Alice Gil encontrou de manhã já não estavam lá à tarde. O autarca confirma que foram os serviços da câmara que os retiraram, mas não explica como é que foram notificados da ocorrência.

A Câmara Municipal de Vila Real de Santo António ainda não tomou a iniciativa de apresentar uma queixa: “Ainda não tivemos tempo de falar uns com os outros, temos tido muitas coisas para tratar”, justifica o autarca que vê difíceis medidas mais apertadas para evitar mais mortes de animais que estão em abrigos sem condições. “Estamos a falar de propriedade privada e não podemos andar a entrar na casa das pessoas. Mas vamos estar mais atentos”.

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