Índice
Índice
Um encontro noturno com Nuno Melo e a notícia de Henrique Gouveia e Melo que não quer ser reconduzido na Armada puseram o país político a fazer contas sobre as futuras presidenciais. Por maioria de razão, no CDS os cálculos também se vão fazendo, sempre com um desejo na cabeça: se Paulo Portas quiser e der sinal de que tem disponibilidade para entrar numa corrida à Presidência da República, o partido mobilizar-se-á de imediato para o apoiar, esperando até que parte do PSD faça o mesmo. Só excluído esse cenário é que os democratas-cristãos admitem avaliar outras opções — como os nomes de Luís Marques Mendes (que não vai convencendo) ou de Gouveia e Melo (que é olhado com um misto de sentimentos).
A esta distância, aconselha-se cautela com a tentação de falar em nomes concretos. A direção do partido, aliás, fecha-se em copas. “O CDS não definiu nem debateu o apoio a nenhum candidato. As presidenciais dependem sempre de atos de vontade dos próprios que, em normalidade, antecedem os apoios”, lembra uma fonte da cúpula do partido. Ainda assim, e enquanto a direção espera por candidaturas formais para se posicionar, há um dado que é tomado como certo: o CDS ficaria mais do que satisfeito por apoiar Paulo Portas. E, por agora, ainda acredita que há condições para que essa candidatura se possa concretizar.
Aliás, existe a convicção de que Paulo Portas pode valer mais do que o enfraquecido CDS. “Se um ex-presidente do CDS se apresentar, admito que o apoio dos militantes e do eleitorado esteja com ele”, sugere uma fonte do partido, antes de concretizar: “Se Paulo Portas quiser, o CDS está com ele e se calhar uma parte significativa do PSD também”.
Pelo partido fora, sejam fontes mais ou menos próximas de Portas, ouvem-se garantias semelhantes de quem garante também estar “ansioso” por saber qual é a vontade do antigo líder: “Se aparecer uma candidatura de Paulo Portas, vão todos para esse lado”. Todas as outras proto-candidaturas alternativas são encaradas como uma espécie de plano B ou C — pelo menos no que toca ao desejo de militantes e dirigentes.
Quanto a essa hipótese, Paulo Portas mantém-se, como sempre tem estado, em silêncio. Mas quem rodeia o antigo vice-primeiro-ministro mantém as esperanças. Desde logo, porque o antigo presidente do CDS, que vai mantendo uma presença no espaço mediático com o seu programa de comentário na TVI, sobretudo dedicado a temas internacionais, também não quebra o silêncio para desmentir ou rejeitar esta hipótese. Por outras palavras: mantém tudo em aberto.
O “carisma” de Portas e as feridas no PSD
Há quem recorde que, mesmo vindo Paulo Portas de um partido enfraquecido e que eleitoralmente vale muito pouco — a última vez que foi a votos sozinho não conseguiu eleger qualquer deputado —, as presidenciais são eleições muito personificadas, sobretudo carismáticas e inspiracionais: partem de figuras que podem em muitos casos ultrapassar as fronteiras do partido, ou, noutros casos, arregimentar muito menos tropas do que a casa-mãe. Tudo depende naturalmente da personalidade e da campanha que o candidato fizer. E há quem acredite que Paulo Portas faria um brilharete.
É também por isso que no CDS se vai criticando o critério do PSD, colocado logo à cabeça na moção estratégica que Luís Montenegro levou ao último congresso social democrata e que impõe que o candidato apoiado pelo partido seja preferencialmente um militante seu. “Não faço ideia do que o PSD pretende fazer, a não ser que prefere alguém do PSD — não acho isso um bom critério. Mas é o do PSD”, lamentava Cecília Meireles no seu espaço na SIC Notícias.
“A última vez que me lembro de o PSD escrever estas frases correu-lhes mal“, acrescenta outra fonte do PSD, lembrando o momento em que Pedro Passos Coelho teve de engolir o critério definido para afastar Marcelo Rebelo de Sousa — o candidato a Belém não deveria ser um “catavento mediático” — e aceitar uma candidatura esmagadoramente apoiada por PSD e não só.
Por tudo isto, há quem no do CDS não resista a perguntar: “E se fosse Portas?”. A convicção é de que seria uma personalidade que colheria votos bem além das fronteiras do CDS, cativando muito gente do universo social-democrata. Em tempos, por exemplo, Miguel Pinto Luz, hoje um destacado dirigente do PSD e ministro da Habitação e das Infraestruturas, defendeu abertamente a candidatura do antigo vice-primeiro-ministro e não excluía de todo a hipótese de o partido vir a apoiar uma figura que não fosse militante do PSD.
Muita coisa mudou desde aí — desde logo, o facto de o partido ser agora poder, o que obriga a um sentido tático mais apurado e menos estados de alma. Depois, e mesmo com o desencanto (quase) generalizado com Luís Marques Mendes, há feridas que não se apagam. Ainda na quinta-feira, em entrevista ao Observador, Miguel Morgado, antigo assessor político de Pedro Passos Coelho, argumentava que Paulo Portas não será capaz de apagar “facilmente junto da grande família do centro-direita a sua conduta quando foi parceiro de coligação de Pedro Passos Coelho”. “Isso seria sempre um óbice contra ele”, acrescentava o social-democrata.
Aliás, na entrevista que deu a Maria João Avillez, um raríssimo testemunho sobre o período da troika desde que deixou o cargo de primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho fez uma espécie de ajuste de contas com Paulo Portas, dizendo que o então líder do CDS “não tinha uma noção precisa, realista, de qual era o limite das nossas possibilidades” e falando abertamente sobre a crise do “irrevogável”. Também num quase inédito regresso a esse período, e a partir dos estúdios da TVI, Portas responderia a Passos: “Dava a entender que a troika era um bem virtuoso. Eu achava que era um mal necessário”.
Mesmo nesta nova reencarnação da PàF, agora liderada por Melo e Montenegro, há quem, no universo social-democrata, não esqueça, nem queira esquecer, estes episódios — que muitos no PSD ainda acreditam ter contribuído para o facto de Pedro Passos Coelho ter ficado a 13 deputados da maioria absoluta, em 2015, abrindo caminho para a ‘geringonça’ — e que dificilmente aceitaria abanar bandeirinhas por Paulo Portas.
O antigo vice-primeiro-ministro não ignorará isto e não ignorará que está muito longe de estar sozinho no quadro de protocandidatos à direita. Talvez por isso, esteja fechado em copas, enquanto avalia condições e a evolução do quadro político. Uma posição prudente, vigilante e “segura”, numa altura em que quem avançar cedo demais pode queimar as hipóteses de ter sucesso nesta corrida presidencial.
O “melão” Gouveia e Melo e as dúvidas sobre Marques Mendes
Para já, a direita está a passar pelo milagre de multiplicações de candidaturas. Henrique Gouveia e Melo (que vai assustando o PSD), Luís Marques Mendes (com dificuldades em arrancar), Pedro Passos Coelho (que não quer, mas é desejado), de Pedro Santana Lopes (que quer, mas não sabe se consegue) ou Rui Rio (que esperava uma vaga de fundo que nunca veio). A juntar a este já considerável leque, resta a dúvida sobre o que o Chega fará — apoiar Gouveia e Melo, lançar outra vez André Ventura ou avançar com uma outra candidatura que, num quadro tão fragmentado, fica em risco de conseguir resultados muito tímidos.
Com tantas dúvidas, o CDS mostra-se dividido sobre as restantes opções que tem pela frente. Portas seria o ideal, mas pode efetivamente não querer avançar. Se muitos fora do partido interpretaram a conversa noturna entre Nuno Melo e Gouveia e Melo, no bar lisboeta Cockpit, como um sinal de apoio velado, não falta quem dentro do CDS avance com explicações alternativas e peça alguma calma. Não há uma posição unânime sobre esse possível apoio e já vai sendo pública a divisão entre quem acredita que uma figura militar cairia bem junto do seu lado do eleitorado, sendo “muito boa ideia”, e quem nem queira ouvir falar no assunto.
“Não acredito, não apoio e acho que seria um absurdo”, disse o antigo dirigente Diogo Feio, num comentário na SIC, questionado sobre um eventual apoio a Gouveia e Melo. “A candidatura presidencial não é um concurso de excitação. As pessoas não devem ter surpresas”, insistiu. Também na SIC, Cecília Meireles discordou da ‘nega’ dada em termos tão definitivos e precoces —”é absolutamente precoce um partido estar a pensar em anunciar apoio” —, disse que preferiria alguém cujo pensamento político conhecesse, mas “não colocaria de lado” a opção Gouveia e Melo por nesta altura.
“O que sei é que geriu bem a vacinação, o que para mim não é condição suficiente para se ser Presidente. Agora, não conheço outras alternativas. A pessoa [que se quer candidatar] tem de ter vontade e demonstrar consistência nessa vontade. Enquanto não vir essas vontades tenho muita dificuldade em fazer escolhas”, sentenciou a antiga líder parlamentar dos democratas-cristãos.
Outra fonte do CDS já citada anteriormente explica as hesitações sobre Gouveia e Melo lembrando que falta saber o que o almirante pensa sobre pontos essenciais da forma como exerce o cargo — como usaria a sua magistratura de influência, se privilegiaria a estabilidade, se seria mais ou menos interventivo, e por aí fora. “O Presidente não é um melão”, resume esta fonte. Por outras palavras: tem de transmitir a ideia de alguma “previsibilidade” sobre o que é e sobre o que pretende para exercício do cargo; abrir o “melão Gouveia e Melo” quando já estiver eleito não é uma hipótese nada segura.
“Se a direita se põe com invenções, não passa à segunda volta”
Haveria sempre o conforto de apoiar a solução oficiosa do PSD, Luís Marques Mendes. Confortável porque isenta de riscos — qualquer derrota seria sempre atribuída aos sociais-democratas. Não ausência de Paulo Portas, Luís Marques Mendes até pode não ser o candidato desejável e desejado; mas é o mais óbvio e não criaria qualquer embaraço ao Governo e à Aliança Democrata.
Aliás, o mesmo Diogo Feio abriu as hostilidades na SIC, recordando que o CDS está numa coligação com o PSD em que a “desproporção de forças” é evidente e que seria um “péssimo sinal” não existir uma “união estrutural do centro-direita”. “O projeto [da Aliança Democrática] exige a vontade de uma maioria de natureza presidencial. Dormirei bastante tranquilo com uma candidatura de Marques Mendes”, fez questão de sublinhar, acrescentado que o comentador e o conselheiro de Estado é uma pessoa com “pensamento conhecido”.
A posição de Diogo Feio é partilhada por outros no PSD e há mesmo quem assuma que o “natural” para o CDS seria escolher uma de duas opções: “Ou há Paulo Portas ou apoia-se quem o PSD apoiar”. Quer isto dizer que para alguns democratas-cristãos, que desconsideram a hipótese de apoiar Henrique Gouveia e Melo, só terão uma estratégia diferente da do PSD se Paulo Portas avançar. Mas Marques Mendes não parece entusiasmar o próprio partido, muito menos o país, regista-se, com alguma surpresa, no CDS. Tudo somado, é preciso esperar pela evolução da situação política e de uma maior definição dos protocandidatos.
Num quadro ainda por definir e com possíveis candidaturas a surgir à velocidade da luz, o aviso a partir dos bastidores vai-se repetindo: “Se a direita se põe com invenções, não passa à segunda volta”. Se concorrer muito dividida contra a hipotética candidatura de Gouveia e Melo e ainda tiver de enfrentar um candidato da esquerda, arrisca-se a não chegar lá. Por agora, a ideia é esperar sem entrar em precipitações. A um ano da corrida que pode tirar a direita de Belém pela primeira vez em duas décadas, todo o cuidado é pouco.