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Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, em entrevista ao Observador para o programa “Sob Escuta”. 18 de Março de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR
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Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, fala em processo traumático relativamente ao Novo Banco

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, fala em processo traumático relativamente ao Novo Banco

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Centeno em entrevista. Novo Banco "teve tudo para não pedir mais" dinheiro ao Estado, num ano em que teve quase 200 milhões em lucro

Governador do Banco de Portugal diz, em entrevista ao Observador, ter "convicção grande" de que o Novo Banco não tem fundamentos para fazer uma chamada de capital relativa a um ano em que teve lucros.

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Mário Centeno tem a “convicção grande” de que o Novo Banco não tem razões para fazer um novo pedido de capital ao Fundo de Resolução, relativamente a um exercício – o de 2021 – em que a instituição teve lucros de quase 200 milhões de euros e até renovou a sua imagem institucional. E, daí, diz ter a “expectativa de que não vai haver nenhuma injeção de capital“, como pediu António Ramalho.

Em entrevista ao Observador, o governador do Banco de Portugal diz que o Novo Banco “ao longo de 2021 tinha e teve todos os instrumentos para garantir que o mecanismo contingente de capital” não era novamente acionado neste início de 2022. Uma chamada de capital que foi justificada pela a comissão executiva do Novo Banco por um imprevisto fiscal e uma disputa jurídica que vem de trás.

Mário Centeno lembra que o Novo Banco em 2021 teve um resultado positivo ao longo de todo o ano, terá concluído (do ponto de vista técnico, para já) o plano de reestruturação, e até mudou de imagem de marca. Por isso mostra ter ficado surpreendido pela chamada de capital que, a ser satisfeita, colocaria o Novo Banco ainda mais perto de esgotar o plafond dos fundos públicos.

“O Novo Banco ao longo de 2021 tinha todos os instrumentos e teve todos os instrumentos para garantir que o mecanismo contingente de capital não é acionado neste momento e eu acho que isso é fácil de demonstrar”, afirma Mário Centeno, que sinaliza uma revisão em baixa das projeções económicas e avisa os mercados que, mesmo com a redução dos estímulos anunciada na semana passada, “o BCE se não vai embora“.

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“Inflação é a maior das nossas preocupações mas não é a única”

O BCE surpreendeu boa parte dos analistas na semana passada, que à luz da guerra na Ucrânia estavam à espera de medidas mais comedidas na redução dos estímulos. Não estão a valorizar demasiado os riscos de inflação neste momento de grande incerteza económica por causa da guerra?
A decisão da semana passada tem de ser lida em dois momentos. Num, talvez mais estruturante, que a coloca no contexto das decisões que o BCE tem vindo a tomar já desde finais do ano passado. E que são um sinal muito claro de uma trajetória gradual para a normalização da política monetária. O que é que significa isso? Significa colocar a política monetária numa posição mais neutra, menos acomodatícia, como se diz no jargão da política monetária. Esta é a dimensão dominante e que eu considero mais importante na interpretação da decisão da semana passada. Mas, de facto, entre a reunião de fevereiro e a reunião de março deu-se um evento que não é de somenos importância que foi o início do conflito entre a Rússia e a Ucrânia – na verdade, da Rússia com a Ucrânia – que é um dado novo, muito importante e que deve merecer a nossa atenção. E foi considerado na decisão e, por isso, a decisão tem de ser lida com essa cautela adicional que, aliás, foi expressa de forma muito clara pela presidente Christine Lagarde. O BCE permanece disponível para atuar em qualquer dos sentidos em que a sua política pode ter efeito. Neste momento, tomámos uma decisão de acelerar muito contidamente a redução das compras líquidas, num contexto de pressões inflacionistas que nos preocupam mas, na verdade, não perdemos nenhum dos nossos instrumentos e vamos continuar a usá-los de forma muito aberta e sempre atentos à informação que temos.

Mas qual foi a posição que o governador português assumiu, no Conselho do BCE? Sabemos que o governador grego defendeu que se devia prolongar as compras de dívida pelo menos até ao final do ano, e não subir as taxas de juro, devido à guerra na Ucrânia. Qual foi a posição que o Dr. Mário Centeno assumiu?
A posição do Conselho queria que fosse interpretada como ela foi anunciada, como uma posição unânime…

Mas qual foi a sua sensibilidade?
Quanto à minha sensibilidade, por um lado gostava de reafirmar que a possibilidade de as compras líquidas continuarem, tal como foi decidido até ao final do ano – ou, pelo menos, mais perto do final do ano –, está em aberto e a decisão final vai sempre depender daquilo que os dados nos forem dizendo ao longo do ano. Eu costumo sempre sublinhar que os dados aqui são as empresas e as famílias que os formam. Nós, ao dizermos que estamos preocupados com os dados, estamos a dizer que estamos objetivamente preocupados com o que acontece às empresas e famílias da área do euro. E dentro dos impactos que as famílias e as empresas têm, a inflação é a maior das nossas preocupações mas não é a única. Temos também preocupação com a estabilidade financeira, com os mecanismos de transmissão da política monetária – o que significa que situações de fragmentação financeira são altamente indesejáveis – e o BCE tem instrumentos para isso. A minha posição foi de tornarmos explícito, por um lado, que compreendemos os desafios que o conflito na Ucrânia nos coloca e que percebemos a necessidade de haver uma trajetória de normalização da política monetária. E essas duas dimensões cruzam-se neste momento e vão acompanhar-nos nas próximas semanas, ao longo das próximas reuniões, em abril, maio e junho, que vai ser outro momento importante. E, aí, vamos ter de avaliar.

Inflação assusta mais do que Putin e, por isso, o BCE vai retirar os estímulos mais cedo do que previsto

Só para concretizar: está a dizer que se não fosse o fator guerra o corte dos estímulos podia até ter sido antecipado?
Se os dados que nós tivéssemos nesse cenário alternativo nos mostrassem que havia razões para fazer isso, isso poderia acontecer. O que é importante garantir é que a política monetária continua a ter um papel importante naquilo que são as suas missões essenciais – e a inflação é uma questão essencial – mas, para o fazer, precisa de espaço. E, daí, dizer-se muito que a política monetária tem de ter opções e tem de criar essas opções para si própria – e uma das restrições que se colocam hoje na condução da política monetária é o muito baixo nível das taxas de juro. Temos de criar condições para nos movermos dessa aparente armadilha, que teve um papel muito importante no passado mas que, desejavelmente, deveria dar-nos opções no futuro.

Marcelo desaconselha BCE a “brincar com o fogo”

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, avisou que com estas medidas o BCE podia estar a correr o risco de “acirrar os mercados” e que se podia estar a “brincar com o fogo”. Existe esse risco?
Nós temos de compreender o que foi, de certa forma, o passado de algumas decisões do BCE que tiveram algumas consequências… pelo menos, não desejadas. Não sei se inesperadas mas, pelo menos, não desejadas. E isso aconteceu em momentos muito fulcrais para a história recente…

Refere-se ao início de 2011?
2011 foi o último desses episódios, 2008 também teve algumas características semelhantes…

Então o Presidente Marcelo está como o gato escaldado, que de água fria tem medo?
Sem comentar as declarações do senhor Presidente, eu acho que está a fazer uma leitura desses episódios históricos e aquilo que eu queria garantir é que no BCE essa perceção, esse conhecimento, essa análise é feita e vamos, com certeza, tomar decisões que sejam compatíveis com a manutenção da estabilidade financeira, a preocupação com a fragmentação financeira na área do euro, num contexto de ancoragem de expectativas de inflação. E hoje estamos mais satisfeitos com esses resultados do que estávamos há um ano: há um ano muitas das análises que eram feitas do sucesso e do compromisso da política monetária com atingir o objetivo de inflação eram, muitas vezes, catalogados como falhanços. Porque, de facto, as expectativas a médio prazo na inflação eram muito baixas e não é desejável para a economia europeia se mantenha, como disse há pouco, nessa armadilha de taxas de juro muito baixas.

“Assusta um bocadinho” o fim das compras de dívida pelo BCE, diz a presidente do IGCP no dia em que os juros a 10 anos superam 1%

Fim das compras do BCE? O BCE “não vai embora”

A presidente do IGCP disse, em entrevista ao Observador, há poucas semanas, que “assusta um bocadinho” a perspetiva de o Banco de Portugal e o BCE deixarem de fazer compras de dívida pública. Partilha desse receio?
Nós temos de entender que, para Portugal – e isso já aconteceu em 2016 –, os limites efetivos da política monetária são mais estritos do que para muitos outros países europeus, o que tem a ver quer com as regras do PSPP (o programa que foi instituído por Mario Draghi no passado) quer deste programa de compras de emergência pandémica que teve uma importância essencial no sucesso com que conseguimos combater as questões financeiras e de liquidez na área do euro. Agora…

Agora… no momento em que acaba….
Quando acaba, acaba para todos e eu posso garantir que quando acabar irá acabar num cenário em que as dificuldades próprias da área do euro – que, felizmente, na dimensão económica, são muito diferentes de outras jurisdições como os EUA ou o Reino Unido, a economia que está por detrás das decisões do BCE é muito diferente desses – e nós temos as nossas próprias características mas a preocupação sobre a fragmentação existe. Agora, qual é o instrumento que temos para combater a fragmentação? É o PEPP, o instrumento de emergência – podemos manter confiança de que ele vai continuar a desempenhar o seu papel ainda que as compras líquidas do PEPP terminem este mês.

São os reinvestimentos?
Exatamente, os reinvestimentos. E os reinvestimentos vão ser feitos com a flexibilidade suficiente para permitir que compras que originalmente tinham sido feitas numas jurisdições possam ser dirigidas a outras jurisdições se o mercado der sinais de que há essa necessidade.

Sem seguir, necessariamente, a “chave de capital” do BCE…
Exatamente. Eu quero chamar a atenção para esta dimensão de flexibilidade que foi transposta para os reinvestimentos para dizer que, tal como quase todos os seguros em economia às vezes é mais importante que existam do que propriamente a utilização que fazemos. Por exemplo, esta flexibilidade, que já estava originalmente no PEPP, foi usada muito ativamente durante um período de tempo muito, muito curto, e depois foi corrigido o desvio face à chave de capital ao longo dos meses seguintes – e hoje esse desvio é muito pequeno. A flexibilidade existe, ela é utilizada quando tem de ser, mas para os mercados a mensagem que o BCE deve transmitir é que estamos atentos e atuaremos sempre que tal for necessário. E os montantes de reinvestimento, eles não são públicos – não posso partilhar convosco – mas eles são muito significativos.

"Sem comentar as declarações do senhor Presidente, eu acho que está a fazer uma leitura de episódios históricos e aquilo que eu queria garantir é que no BCE vamos, com certeza, tomar decisões que sejam compatíveis com a manutenção da estabilidade financeira, a preocupação com a fragmentação financeira na área do euro, num contexto de ancoragem de expectativas de inflação."

Mas não serão comparáveis ao ritmo de compra mensal ao abrigo do PEPP…
Eles são muito significativos, não sei que comparação podemos fazer mas são montantes muito significativos porque, na realidade, apanham toda a maturidade de dívida que vai [chegar ao vencimento]…

O BCE não vai embora, é isso que quer dizer?
Não, não vai embora. É uma boa conclusão.

Prestações mais altas? “Vamos ter de reotimizar algumas das nossas contas lá em casa”

Mas perspetiva-se já um aumento das taxas de juro, o que é que isso pode significar para as famílias? O Conselho de Finanças Públicas (CFP) já alertou para os riscos de subidas de taxas, ainda mais numa altura como estamos a viver, que não se sabe bem o que vai acontecer. Não será mais um problema acrescido para as famílias?
Como disse, o BCE deixará o caráter acomodatício quando a necessidade de acomodação deixar de estar presente. Isso é uma garantia que eu posso dar.

Mas essa necessidade pode deixar de estar presente na Alemanha mas continuar em Portugal, não é? Temos muita taxa variável [nos créditos à habitação], temos mais endividamento…
É verdade, mas eu gostava de sublinhar algo que é muito importante e que às vezes não temos presente: que é o facto de nós termos, pela primeira vez nas últimas duas ou três décadas, níveis de dívida privada em Portugal que estão ao nível da área do euro. Isto foi conseguido através de uma redução de quase 80 pontos percentuais de PIB do peso da dívida privada, face ao PIB. Portugal fez um progresso absolutamente notável desde 2013, mais 2014/2015, até hoje na redução do peso da dívida no PIB – famílias e empresas. E, portanto, é verdade que nos devemos preparar e que devemos estar preparados para isso mas também é verdade que o nível de taxas de juro não tem nenhuma comparação com os níveis que enfrentávamos há cinco, seis, sete anos. Mesmo quando as taxas de juro do BCE deixarem de estar em território negativo, o nível de taxa de juro que as famílias vão enfrentar é muito inferior àquele que há uns anos enfrentávamos. Eu dou só um número, relativo ao Estado, às administrações públicas – que impacta em todos nós porque todas as dificuldades ou custos de financiamento são pagos pelos nossos impostos – no início de 2017, há cinco anos, o Estado português financiava-se com taxas superiores a 5% [3,5%, a 10 anos, no início de 2017]. Nós não estamos, em nenhum cenário que temos à nossa frente, a falar de variações de taxas de juro que cheguem a esses valores. Ou seja, é verdade, há uma alteração do ciclo, eu insisto: essa alteração, a dar-se neste contexto que estou a dar, é muito benéfica (pelo espaço que cria para a política monetária do BCE, para o sinal que dá a todos os agentes de que o ciclo económico está a amadurecer e podemos finalmente sair do cenário muito negativo para a economia que são taxas de inflação próximas de zero, às vezes mesmo negativas). A mensagem é: vamos estar preparados para esse momento – é verdade que vamos ter de reotimizar algumas das nossas contas lá em casa e o Estado e as empresas mas o que de positivo isso traz para a condução das políticas é muito importante.

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, em entrevista ao Observador para o programa “Sob Escuta”. 18 de Março de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"Para os mercados a mensagem que o BCE deve transmitir é que estamos atentos e atuaremos que sempre tal for necessário."

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Disse na semana passada que era “inescapável” que venhamos a ter um período de crescimento nulo e inflação elevada”. Já admitiu que a zona euro pode vir mesmo entrar em estagflação. O que é que isso iria significar para a zona euro e, em particular, para Portugal?
Nós temos um cenário com uma probabilidade não despicienda – essa é a tradução do “inescapável” – de que o conflito que a Rússia iniciou com a Ucrânia, mesmo que não saia do espaço geográfico da Ucrânia, venha a ter um impacto bastante significativo no crescimento da área do euro (e, também, de Portugal). Isso, em 2022, vai identificar-se naquilo que nós estimamos, trimestre após trimestre, do crescimento em cadeia. Estou a chamar a atenção para este aparente preciosismo estatístico: porque a trajetória de crescimento de 2021 foi de tal forma acentuada que o efeito de arrastamento [“carry over“] para 2022 é muito significativo. Isso significa que mesmo que nós não cresçamos rigorosamente nada em 2022, temos um crescimento do ano face a 2021 muito significativo. Quando eu dizia não crescermos nada era mantermos o nível de PIB em cada um dos trimestres de 2022 idêntico ao quarto trimestre de 2021.

Quer dizer aceleração.
Exatamente. Mesmo que as cadeias sejam todas zero, temos um efeito de arrastamento do crescimento muito poderoso – 2% na área do euro, em Portugal é 3,6%. Mesmo que todos os trimestres sejam iguais ao quarto trimestre de 2021 no conjunto do ano a economia portuguesa cresceria 3,6%. E isso seria, só, o segundo crescimento mais elevado desde que estamos no euro – só batido por 2017. Portanto, é um crescimento muito significativo. Mas voltando ao crescimento efetivo, o crescimento que levaria a economia portuguesa mais para adiante, é aí que os cenários me preocupam, de facto, porque neste cenário de crescimento em cadeia de zero em todos os trimestres nós estávamos, na verdade, a pôr um travão muito significativo no crescimento económico que iria colocar desafios face a 2023 – porque o tal efeito de arrastamento de 2022 para 2023 desaparecia – e, portanto, na dinâmica de crescimento isso preocupa-me. E é para esse cenário que estamos a alertar para os riscos de ele se poder vir a concretizar. Eu não acho que seja um cenário muito provável…

Em Portugal?
Em Portugal e mesmo na área do euro. Nós não sabemos quando é que o conflito vai terminar. Este cenário tornar-se-á crescentemente provável conforme a duração do conflito. E, portanto, era, se quiserem, o governador do banco central a alertar para um risco que aí pode vir. Sobre a estagflação, ela também tem, nos livros de Economia, uma dimensão muito significativo no mercado de trabalho – e, aí, não vemos nenhuma evidência de contágio deste travão ao crescimento, no curto prazo, no mercado de trabalho, no sentido de aumentar a taxa de desemprego.

Mas, também, a taxa de desemprego não aumentou por causa dos apoios que foram dados ao emprego, na altura da pandemia. Os apoios devem ser continuados, nesta guerra?
Os apoios, no contexto desta guerra, devem ser adaptados àquilo que são as suas verdadeiras consequências – e eu não vejo que eles possam ser semelhantes, sequer, àquilo que aconteceu em 2020. E, portanto, a proporcionalidade dos apoios deve estar sempre presente – até porque continuamos a falar de impactos que deverão ser temporários, que deverão desaparecer com o fim do conflito, ao contrário, aliás, de uma pandemia, em que o decretar do fim de uma pandemia é um processo demorado, as consequências podem passar de ser pandémicas para endémicas e ela continuar a perturbar ciclicamente o nosso dia-a-dia, o fim de um conflito armado não tem estas características. Enfim, para o bem ou para o mal, no dia em que o fim do conflito for decretado, é muito expectável que os efeitos negativos que tínhamos durante o conflito se revertam, desapareçam, e se possa, aliás, ganhar um ânimo entre os empresários e os investidores que obviamente não existe hoje em dia porque estamos todos preocupados.

Revisão em baixa das projeções económicas “é uma coisa natural”

O Banco de Portugal vai rever as projeções económicas que tinha e em quanto?
Nós vamos publicar projeções na quinta-feira da semana que vem. Era a data que estava marcada.

Vai rever em baixa?
Se eu agora lhe respondesse a essa pergunta estaria a perder toda a piada da apresentação do boletim económico, não só os meus técnicos não me perdoariam como eu estaria a falar de um exercício que ainda não está totalmente fechado.

Mas então deixe-me pôr a pergunta de outra forma. O primeiro-ministro disse no Conselho de Estado que estima uma revisão em baixa, do Governo, de crescimento para qualquer coisa como 5%. É um número realista face ao momento?
Vou tentar não falar dos 5%. Mas se ancorarmos essa análise ao que foi a projeção que o staff do BCE divulgou na semana passada, e que esteve na base das decisões tomadas pelo Conselho de Governadores, nós temos uma revisão em baixa com alguma dimensão na área do Euro — são na verdade cinco décimas, no conjunto do ano —, muito concentradas no segundo trimestre deste ano, e um pouco no terceiro trimestre, sendo que o quarto trimestre já tem um comportamento até com alguma recuperação, face ao efeito negativo — não muita, mas alguma — deste choque provocado pelo conflito que a Rússia iniciou com a Ucrânia. Ou seja, a revisão em baixa é uma coisa natural. A sua dimensão depende muito da duração do conflito e é muito difícil fazer cenários, honestamente. Nós vamos, na quinta-feira, também publicar um cenário adverso, como o BCE fez com dois cenários alternativos. Nós vamos ter só um, mas vamos juntar nesse cenário adverso alguns dos outros efeitos. Há um dado que eu gostava de chamar a atenção, que tem a ver com o tal efeito de arrastamento, ou de carry over. A revisão do perfil de crescimento da economia portuguesa em 2021 pelo INE fez com que esse crescimento se concentrasse, face à estimativa anterior, mais no início do ano de 2021 e menos no final. Por exemplo, face à nossa projeção de dezembro, o crescimento no quarto trimestre veio quatro décimas de ponto percentual abaixo daquilo que era o nosso valor implícito, em dezembro, para 2021. Mas o crescimento no conjunto do ano foi superior. Nós tínhamos previsto 4,8% e a estimativa atual do INE para o crescimento em 2021 é de 4,9%. Não querendo complexificar mais esta aritmética, aquilo que vos queria passar de mensagem é que, tudo o resto constante, se não estivéssemos perante nenhuma revisão do cenário, apenas os dados de 2021 levariam a uma revisão em baixa de quatro décimas no crescimento do ano de 2022.

Mas será mais do que isso?
Vai ser com certeza, mais do que isso. Quatro décimas são garantidas, era aquilo para que eu queria chamar a atenção.

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, em entrevista ao Observador para o programa “Sob Escuta”. 18 de Março de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

"A revisão em baixa [das projeções económicas] é uma coisa natural. A sua dimensão depende muito da duração do conflito e é muito difícil fazer cenários,"

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A economia portuguesa não está muito exposta à Rússia e à Ucrânia, mas está a países como a Alemanha e já houve quem alertasse para uma recessão na Alemanha.
Sim, as estimativas de procura externa nas quais as nossas estimativas são sempre ancoradas são produzidas pelo BCE e acontece também aí um efeito interessante que é: essas estimativas de procura externa para 2022 estão a ser revistas em alta, porque 2021 foi melhor do que aquilo que era projetado anteriormente, na área do Euro. É o simétrico daquilo que está a acontecer com Portugal nestes efeitos de arrastamento. Ou seja, a procura externa dirigida a Portugal foi melhor em 2021 do que aquilo que era esperado e isso tem um efeito positivo na estimativa para 2022 também. Esta é uma análise que olha para a continuidade, digamos assim, destas variáveis. Agora, é verdade que a transmissão e os canais de transmissão à economia portuguesa da crise da Ucrânia atuarão mais. Portanto, estou completamente de acordo. Via mais por via indireta aquilo que são os nossos maiores clientes, e os países com que temos mais relações económicas, do que de forma direta com a Rússia, a Ucrânia ou a Bielorrússia.

Mas o impacto pode ser grande aí?
Lá está, se nesses países o cenário adverso, severo do BCE se verificar, ele terá uma tradução muito direta, imediata também no nosso cenário e é aí que nos começamos a aproximar de cenários com taxas de crescimento em cadeia mais baixas. Eventualmente nos trimestres intermédios, segundo e terceiro, em conjunto, a estimativa, nos cenários adversos e severos do BCE, é mesmo de um crescimento negativo, ou seja, de a área do Euro poder ter quedas de atividade em cadeia, não homólogas. De novo, não tem rigorosamente nada a ver com aquilo que foram as perturbações à atividade económica que observámos em 2020, nem sequer no primeiro trimestre de 2021 em que a economia portuguesa teve uma queda de três pontos percentuais face ao quarto trimestre. Estamos a falar de magnitudes muito inferiores, mas não deixa de ser aqui uma certa infelicidade que, pela primeira vez, talvez em 80 anos, tenhamos dois choques exógenos de oferta seguidos nas nossas economias, no momento em que estávamos a procurar ganhar espaço para normalizar a política monetária. Portanto, temos de fazer as análises com muito mais cuidado.

Centeno é um ministro das Finanças sombra? “Não, de todo”

Sobre o défice chegou a anunciar que o défice em 2021 ficaria abaixo de 3% e admitiu que este ano até tinha condições para ficar em cerca de 1%. Com a guerra estas são previsões que fazem sentido manter?
Em relação ao ano de 2021, para a semana, o INE divulgará o saldo orçamental de 2021 e eu estou em crer, dada a informação que fomos obtendo ao longo deste tempo no Banco de Portugal, que essa previsão possa vir a ser concretizada, é uma excelente notícia para o país, mas a seu tempo trataremos dela. Para 2022, duas notas: a primeira tem a ver com o facto de o impacto mais significativo para as contas públicas vir não do crescimento real da economia, mas do crescimento nominal da economia. E em todos os cenários, mesmo cenários severos, ou mais severos, nós — e o BCE é um exemplo disso — temos um impacto maior nos preços, nos deflatores, do que nos volumes, do que nas dimensões reais. Nós quando falamos do PIB falamos do crescimento real, mas para as contas públicas o mais importante é a evolução nominal. E aí as variáveis estão — e isto até pode parecer um paradoxo, portanto tenho de dizer isto com algum cuidado — a ser revistas em alta. Porque os deflatores e esta crise vêm dos preços. Isto também é verdade porque não há nenhuma previsão que tenha uma perturbação significativa no mercado de trabalho e o mercado de trabalho também tem muito impacto nas contas públicas, seguramente através do subsídio de desemprego.

Mas ser o governador a anunciar o défice de 2021 não é tirar protagonismo ao ministro das Finanças que foi o seu sucessor?
Não. O ministro das Finanças tem todo o protagonismo do executor da política que possa dar esse resultado. Na intervenção a que se refere eu tentei, e voltei ao tema na conferência da Ordem dos Economistas, e posso voltar outra vez a colocar a ênfase não tanto nos números, mas no seu significado. E naquilo que eles nos permitem e continuam a permitir ao país olhar para a mudança de ciclo da política monetária a todas estas convulsões exógenas que a nossa economia tem sofrido com uma atitude de ter as variáveis sob controlo.

O que é certo é que falou dos números primeiro que o ministro das Finanças…
Não acho porque essa expressão foi usada para qualificar a posição das políticas monetária, económica, orçamental que Portugal deve fazer e o governador pode e deve falar sobre essas políticas. Como presidente do Eurogrupo, o meu discurso sempre foi no sentido de coordenar políticas orçamentais e monetárias.

Qual é o seu grau de envolvimento com o Governo e com o primeiro-ministro?
É institucional como deve ser. O Banco de Portugal deve ter um papel no apoio à condução das políticas em Portugal, em particular na dimensão financeira. Mas nas análises que faz, na produção de resultados que tem nos diferentes departamentos da estabilidade financeira, economia, estatística é um papel importante.

Não é um ministro das Finanças sombra?
(Risos). Não, de todo.

“A prioridade é a dívida. E não pode deixar de ser”

Qual acha que deve ser a prioridade do próximo Governo em termos orçamentais?
A prioridade é a dívida. E não pode deixar de ser. Já era assim no passado recente, tornou-se mais enfaticamente essa a prioridade com a resposta que teve de ser dada. E a minha avaliação é a de que essa resposta foi bastante positiva durante a pandemia. Mais de metade do aumento da dívida em Portugal aconteceu nas administrações públicas, não nas famílias nem nas empresas. As administrações públicas aumentaram a dívida mais do que proporcionalmente daquilo que é a dívida do setor na dívida total portuguesa. E essa resposta foi muito natural. E foi assumida por todos de forma bastante óbvia. Ultrapassada a crise, as administrações públicas devem ter o objetivo de corrigir esse aumento da dívida. Em outubro fiz uma conta em que coloquei o paralelo face à situação das administrações públicas em 2019. O PIB que entretanto tínhamos perdido, mas que iríamos recuperar expectavelmente entre o final de 2021 e a primeira metade de 2022, e é isso que esperamos que vá acontecer, e a capacidade do Estado repor níveis de endividamento e de desequilíbrio das contas públicas, ou seja, o défice, naquilo que era a situação que vivíamos em 2019. Não porque a ideia seja a de cristalizar as contas públicas em 2019, mas porque era o momento anterior à pandemia e devemos retomar a trajetória A dívida, para mim, é a maior preocupação.

Há quem faça o retrato de que durante anos tivemos o BCE com políticas acomodatícias e agora que o banco central está a mudar essa política é que vamos reduzir a dívida? É justo exigir que se tivesse feito mais na redução da dívida nos últimos seis, sete anos quando era ministro das Finanças?
Mais não sei, mas sei que reduzimos.

Devia ter sido mais?
Estou numa posição difícil para avaliar, mas consigo fazê-lo (risos). A resposta mais canónica é que acho que o ritmo foi o adequado e que foi o compatível com as obrigações que o país tem com a União Europeia.

As regras estão suspensas, deviam continuar?
Se em maio a guerra não tiver terminado, a resposta inequívoca é sim. Se em maio a guerra já tiver acabado, mas avaliamos que o impacto nas contas públicas de alguns países é muito significativo, eu acharia que se deveria repensar a decisão de as repor. Se estivermos num cenário, que todos subscrevem, em que a guerra termina rapidamente e a Europa consegue olhar para diante e ter uma perspetiva de estabilidade, não veria dificuldade nessa reposição das regras. Aliás, 2019 é tanto mais importante porque foi o primeiro ano em que Portugal estava em condições de ser identificado como tendo cumprido o objetivo de médio prazo (nas contas públicas estruturais) que leva em conta a dívida, o envelhecimento da população e outros indicadores. E Portugal tinha um saldo orçamental estrutural em 2019 compatível com esse objetivo. O país não precisa de ir muito mais depressa do que cumprir aquilo que são estes compromissos. E é isso que tem de ser retomado. Com o saldo abaixo de 3%, seria a primeira vez que não entrávamos num procedimento por défice excessivo num contexto de crise e isto é igualmente marcável. Está a ver, como o ministro das Finanças tem muitos louros nesta afirmação?

Mais dívida conjunta europeia só com “confiança entre todos os países”

A Europa tem uma guerra literal, não metafórica como chegou a usar na altura da pandemia, agora é literal. O governador Mário Centeno considera que a Europa deve voltar a emitir dívida conjunta, um novo PRR?
O governador Mário Centeno ou o ex-ministro das Finanças ou o ex-presidente do Eurogrupo são os três…

Pensam da mesma maneira?
Pensam da mesma maneira, nesta dimensão e pensam que talvez o aspeto mais importante do desenvolvimento europeu de integração europeia das duas últimas décadas desde que o euro foi criado foi de facto o passo dado em 2020 de emissão de dívida conjunta que fez da União Europeia o maior emitente AAA em 21, 22 e 23. E isso vai ter um impacto muito significativo também no mercado da dívida para Portugal.

UE pode emitir dívida conjunta para financiar Defesa e Energia

Para esta crise, da guerra, era importante fazer a mesma coisa?
Eu diria que temos de avaliar os montantes, quais os objetivos dessas emissões. Naquele caso foi muito claro e foi o que conseguiu convencer o conjunto países europeus naquele momento, por causa dos desenvolvimentos muito positivos, porque a redução do risco na área do euro foi muito efetiva e países como Portugal fizeram um esforço muito grande nesse sentido – isso tem um impacto muito positivo na forma como as decisões são tomadas na Europa. E é exatamente por isso que estou a hesitar se digo taxativamente que sim ou que não, porque claramente esse é um mecanismo importantíssimo para a Europa mas tem de ser usado num contexto de transmissão de confiança entre todos os países na Europa, face aos seus objetivos e face à capacidade da Europa de cumprir esses objetivos. Por isso tem uma importância crucial para a Europa, como um todo, que os objetivos do NextGenerationEU, que está a ser financiado com a tal dívida comum, sejam cumpridos, tenham impacto muito positivo nas nossas economias, nas nossas famílias, nas nossas empresas porque esse é o melhor cartão de visita para que, da próxima vez que num Conselho Europeu o tema se colocar, haja um consenso muito fácil à volta da mesa na utilização deste instrumento para esse fim. Mas temos aqui algum tempo para se desenhar um sistema de financiamento alternativo e eu seria o mais possível defensor que ele fosse feito com dívida europeia.

Centeno admite “debate tranquilo” sobre contribuições da banca para o FdR

O líder de um dos maiores bancos, o BCP, queixou-se recentemente que os seus trabalhadores estão um trimestre por ano só a trabalhar para o Fundo de Resolução e para financiar as injeções de capital no Novo Banco, que até teve mais lucros no ano passado que o BCP. O presidente do banco admitiu que antes podia não ser fácil, mas que, na sua opinião, havia agora condições para alterar essa situação, essas contribuições de várias dezenas de milhões de euros por cada banco, o que seria crucial para os bancos portugueses conseguirem competir no mercado europeu. O Banco de Portugal está a preparar alguma alteração? De que tipo e quando é que pode surgir essa alteração?
A nota inicial mais importante que queria fazer é que nós hoje podemos ter esta conversa num tom tranquilo e estudando alternativas e falando de lucros na banca, coisa que há uns anos nada disto era possível. E em particular no Novo Banco, os lucros, que devem ser sublinhados, trazem também ao Novo Banco uma responsabilidade acrescida.

Ma s faz sentido fazer alguma alteração no que diz respeito às contribuições para o Fundo de Resolução?
O financiamento do Fundo de Resolução, que resulta de uma lei com algum tempo, tem subjacente uma contribuição de cada banco com base num conjunto de indicadores que tem de ser lido num contexto europeu e de financiamento de todos os mecanismos de resolução a nível europeu. E ele de facto tem um tratamento distinto para algumas entidades bancárias que são filiais ou sucursais de bancos estrangeiros. E essa é uma matéria que tem vindo a ser analisada pelo Banco de Portugal em conjunto com o Fundo de Resolução e que, sendo uma matéria também fiscal, tem ainda uma incidência governativa e da Assembleia da República. É um debate que estamos em condições de ter mas que tem de ser enquadrado nesta lógica onde é que cada banco contribui no financiamento dos mecanismos de resolução e com que intensidade é que é expectável.

Em que ponto estão essas conversas?
Não há nada de concreto naquele sentido de podermos ter uma perspetiva.

Já se fala nisto há algum tempo. Não se evoluiu nessa matéria?
Fala-se há algum tempo, e haver conversas e haver cálculos, eu sei que existem, eu já vi alguns, também há várias entidades a fazerem cálculos, significa apenas que a questão não é fácil e não passa sequer por uma vontade política, porque esta dimensão europeia e de possibilidade de agir de cada Estado face ao conjunto dos bancos deve ser acautelada. O Banco de Portugal, por um lado, que é quem eu represento, o Fundo de Resolução, que eu não represento, mas que trabalha muito de perto nalgumas destas matérias com o Banco de Portugal, têm estado atentos a este tema. Eu tenho uma perspetiva destas questões que é nós devemos colocá-las, analisá-las e agir quando estão criadas as condições para o fazer. E acho que nos estamos a aproximar do momento em que a estabilidade de toda a situação em torno do sistema nos permitirá ter esse debate de forma mais tranquila.

Diminuir contribuições dos bancos para o Fundo de Resolução? "Estamos a aproximar do momento em que a estabilidade de toda a situação em torno do sistema nos permitirá ter esse debate de forma mais tranquila".

Se todos estivessem no barco quanto é que custaria a menos para os atuais financiadores?
Não sei dar essa resposta, porque há múltiplas respostas. Depende dos critérios que lá se colocarem, se estamos a falar de créditos, ativos, depósitos…

Mas o governador defende que deve ser feita uma alteração?
Eu defendo que se deve olhar, agora que conseguimos ter uma perspetiva de estabilidade de todo o processo. Serei sempre defensor de que haja um debate aberto face a esta questão para podermos avaliar todas as possibilidades. A situação não é fácil. Se fosse, teria sido tomada essa decisão logo de origem, e a verdade é que não foi. Os últimos anos, seis, sete, oito anos foram, de facto, bastante complexos para a banca e eu acho que se foi dando ao Fundo de Resolução uma estabilidade e uma sustentabilidade que também em certos momentos não teve e este caminho deve continuar a ser explorado.

Mais dinheiro para o NB? “A minha expectativa era que não houvesse chamada de capital”

À luz do que foi o acordo de venda do Novo Banco à Lone Star em 2017, quando era ministro das Finanças, está surpreendido por ver mais esta chamada de capital requerida pelo Novo Banco e o plafond praticamente esgotado?
O plafond não está esgotado, essa pode ser uma surpresa.

Antecipava que já estivesse esgotado nesta altura?
Não. O cenário central da Comissão Europeia tinha uma chamada de capital para o conjunto da longevidade, da duração, do mecanismo contingente de capital que é muito próximo daquele em que estamos hoje, sem contar com esta chamada que estamos aqui a falar. E é até, se quiserem, surpreendentemente próximo. Estávamos a falar de um cenário e na vida de um banco que estava em grandes dificuldades se não fosse cumprido aquele programa de reestruturação que o banco cumpriu. O Novo Banco está capaz de sair do período de reestruturação no final de 2021.

Não se sabe se é autorizado.
Tem de ser autorizado pela Comissão Europeia.

Ou já sabe?
Não, não há nenhuma decisão, mas a análise técnica mostra que houve um indicador que não foi cumprido que teve a ver com os resultados operacionais e isso tem muito a ver também com o ano 2021, com pandemia e com 2020, mas as medidas de mitigação que o Novo Banco tinha como obrigatórias se não cumprisse aquelas metas já estão cumpridas, portanto tecnicamente o Novo Banco está com essa posição muito privilegiada e devemos também estar contentes com isso. No conjunto de todos os efeitos que atuaram no mecanismo contingente de capital nós estamos praticamente em cima do cenário central da Comissão Europeia definido no verão de 2017 nesta altura. A Comissão Europeia previa chamadas de capital nulas a partir de 2021.

Significa que o novo pedido de injeção o surpreendeu?
Desse ponto de vista aquilo que era a minha expectativa – e o Banco de Portugal não se tem pronunciado sobre esta matéria, mas o Fundo de Resolução tem – a minha expectativa era de que em 2022 face às contas de 2021 não houvesse uma chamada de capital. E a minha leitura é de que, atendendo aos resultados positivos de 2021, atendendo a que o Novo Banco está em condições de sair do período de reestruturação, atendendo a que o Novo Banco ao longo do ano de 2021 fez uma renovação generalizada da sua imagem, da sua visão corporativa…

Mais dinheiro para o Novo Banco? Estado pagou o que lhe cabia pagar, diz António Ramalho

… Já estaria tudo limpo?
O Novo Banco, na minha interpretação, teve a possibilidade de tomar medidas, ao longo do ano de 2021, para ter os instrumentos suficientes para que não existisse uma chamada de capital. Eu estive muito ligado à origem do mecanismo e à sua conceção…

Continua a achar que foi bem concebido?
Muito bem concebido, eu sei que isto é difícil de argumentar…. e que conseguiu num só mecanismo financeiro equilibrar posições e incentivos muito diversos à volta da mesa que vão desde o BCE, à Comissão Europeia, ao mecanismo único de resolução, ao Banco de Portugal, à dimensão política que o mecanismo contém e obviamente ao Novo Banco. Mas a minha leitura é esta, muito clara:. O Novo Banco ao longo de 2021 tinha todos os instrumentos e teve todos os instrumentos para garantir que o mecanismo contingente de capital não é acionado neste momento e eu acho que isso é fácil de demonstrar e daí a nossa expectativa de que não vai haver nenhuma injeção de capital este ano no Novo Banco.

Mas os argumentos concretos invocados são uma questão fiscal, outra questão que já devia ter sido resolvida no ano passado, que está no tribunal arbitral, esses argumentos concretamente não colhem?
O espírito da letra do mecanismo contingente capital foi desenhado para proteger o Novo Banco de eventos que não são eventos fiscais, foi desenhado para proteger o Novo Banco de eventos operacionais que acontecessem aos ativos cobertos pelo mecanismo, com uma cláusula de salvaguarda que tem sido muito favorável ao Fundo de Resolução que é a cláusula do capital. E é o conjunto destes eventos, por um lado, e desta cláusula de salvaguarda que pode justificar o acionamento do mecanismo contingente de capital. Os riscos fiscais de que temos vindo a falar são por enquanto só riscos, não estão materializados, e não estão no espírito do mecanismo. Há uma dimensão jurídica muito grande em todas estas afirmações e por isso eu não quero elaborar mais nelas. Só dizer que face aos três ingredientes mais importantes que aconteceram em 2021 que foram os lucros, o fim do período de reestruturação do ponto de vista técnico e a nova imagem corporativa que, e bem, o Novo Banco decidiu lançar, tudo isto leva-me a ter uma convicção grande de que o acionamento do mecanismo não se justifica face à realidade do banco em 2021.

"O Novo Banco, na minha interpretação, teve e terá tido essa possibilidade de ao longo do ano de 2021 de tomar as medidas e ter os instrumentos suficientes para que não existisse uma chamada de capital."

Se quando o mecanismo foi feito se previu uma injeção de até 3.890 milhões como é que se acha que o Novo Banco não iria pedir todo esse dinheiro ao longo destes anos?
O mecanismo tinha uma verba que era máxima e que cobria riscos máximos, não quer dizer que o banco fosse passar por esses riscos máximos. Eu percebo naturalmente que estejamos sempre habituados — se olharmos para o historial das decisões, em particular quando envolvem entidades públicas — que normalmente não só se esgota tudo o que estava previsto, como historicamente em situações bastante numerosas se ia além desses valores e era preciso juntar mais dinheiro. Acredito que haja aqui uma surpresa quando se constata que afinal aquele valor que foi estimado, porque era aquela estimativa que o Governo assumiu como sendo o valor máximo, e até onde estamos dispostos a poder comprometer o Fundo de Resolução, que é quem está a agir, não é o Estado, seja o valor máximo, e se hoje ficamos aquém desse valor é porque se calhar o mecanismo estava bem concebido.

Porque é que disse que era difícil argumentar que estava bem concebido?
Isto tudo é traumático.

É traumático?
Temos de entender que Portugal começou tarde a solucionar os problemas do seu sistema financeiro. Abordámos a resolução do Novo Banco seis anos depois da crise financeira.

Mas traumático porquê?
Pela sua dimensão. Porque não se trata apenas do Novo Banco e do BES, trata-se de outros episódios, como o Banif, ou as diferentes dificuldades que o sistema bancário foi tendo e que teve de enfrentar. A boa notícia hoje, insisto, é a de que temos todas estas questões solucionadas — e estou a esquecer-me da injeção na CGD que também terminou com sucesso o período de reestruturação. Notem que são dois sucessos muito únicos na Europa. Não há historial na Europa com bancos com este nível de intervenção pública e capitalização de saírem com sucesso do período de reestruturação.

Se olharmos para a forma como o Novo Banco foi vendido e para o mecanismo de capital contingente, se assumirmos que é uma espécie de capitalização às prestações porque não podia ter sido feita de uma assentada no início, foi subestimado até certo ponto o impacto imediato de ter todos os anos uma nova injeção, subestimou-se esse impacto?
Acho que não. Pelo menos na parte que me toca alertei. Quando fui à comissão parlamentar disse a palavra risco 23 vezes e nunca foi com a palavra “não” atrás – era mesmo risco sério. E o risco era de haver uma intervenção do mecanismo ao longo do seu período de vida. E era mesmo ao longo e por isso foi colocado durante oito anos o prazo de vigência também para obstar a que houvesse um incentivo efetivo do Novo Banco a utilizar esse incentivo de forma muito precoce sem dar tempo a que os processos de mercado atuassem.

Acha que deveria aproveitar o momento para que a participação do Fundo de Resolução que tem cerca de 25% fosse já vendida?
A pergunta, neste momento, não se coloca, e a pergunta tem de ser feita ao Fundo de Resolução. Como há pouco disse, do ponto de vista técnico o Novo Banco poderia ter saído do período de reestruturação se houvesse esse entendimento por parte da Comissão Europeia no final do ano passado — possivelmente essa saída só se vai dar no final deste ano quando se verificarem de novo todas as condições e essa constatação for feita, e acho que o banco fora do período de reestruturação tem um valor e uma projeção no mercado completamente distinta daquela que tem hoje em dia, e essa alienação deveria ser feita em conjugação com a atitude que o acionista privado tem sobre o banco.

Vender ao mesmo tempo que a Lone Star?
É um cenário provável e que tem racionalidade.

E qual é o conhecimento do Banco de Portugal dos planos que a Lone Star tem? Sabe quanto tempo eles planeiam manter a posição?
O compromisso da Lone Star com o banco tem sido bastante claro e ao contrário do que algumas análises faziam ver no início não houve nenhuma dúvida sobre esse compromisso até ao momento. E, portanto, acho que a Lone Star está comprometida com o investimento que fez, que foi um investimento ainda assim significativo, uma entrada de mil milhões de euros, e que quererá, como qualquer investidor, ter o retorno desse investimento. Esse retorno só pode existir se o compromisso com o banco se mantiver até que ele possa ser vendido. Não há nenhum plano, que eu conheça.

Banco de Portugal “agnóstico” sobre quem compra o Novo Banco

Já disse que o setor financeiro português “só teria a ganhar” com uma consolidação. Assumindo que o Novo Banco seria uma peça chave desse processo, que tipo de consolidação seria ideal, uma fusão com um banco português?
São cenários que se podem colocar e que também disse na continuidade dessa frase que devia ser o mercado a encontrar a solução que mais se proporcionasse e que naquela instante resultasse das forças de mercado. A leitura que faço – e essa mantenho-a – é que, perante a integração financeira da Europa, a integração média das instituições bancárias europeias noutras jurisdições semelhantes à nossa e com as quais temos de competir no mercado, há espaço para essa consolidação no mercado português.

Mas deve ser só o mercado a decidir? Não há outro tipo de considerações a fazer? Fala-se muito da “espanholização da banca”…
A origem do capital é algo que é o mercado que dita. Eu, do ponto de vista europeu e como responsável de política europeia, no âmbito do Eurossistema, gostaria que a construção bancária europeia tivesse uma dimensão de integração que não fosse em clusters regionais, porque nessa dimensão a Península Ibérica passaria a ser também ela própria um cluster dentro de uma área muito vasta. Eu acho que devemos dar incentivos e espaço a que haja outro tipo de intervenções, isto não quer dizer que não haja nenhuma inevitabilidade dessa natureza face ao capital que tem origem em Espanha, nem para o bem nem para o mal. A intervenção que o Banco de Portugal tem de ter é a de garantir que as instituições que surgem cumprem a sua missão no mercado bancário em Portugal e essa missão é uma missão de apoio à economia portuguesa e, na verdade, à resiliência do mercado bancário em Portugal. Se essas condições estiverem cumpridas o Banco de Portugal pode ser bastante agnóstico face a outras dimensões.

Mário Centeno, governador do Banco de Portugal, em entrevista ao Observador para o programa “Sob Escuta”. 18 de Março de 2022, Lisboa TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

Quem compra o Novo Banco? "A origem do capital é algo que é o mercado que dita", diz Mário Centeno.

TOMÁS SILVA/OBSERVADOR

O EuroBic continua sem ser vendido. É um problema para o sistema português? Preocupa-o a situação do EuroBic?
O EuroBic tem um processo de venda em curso.

Há muito tempo.
Há algum tempo. As questões são sempre, às vezes, menos expeditas do que aquilo que nós poderíamos desejar, mas do ponto de vista da supervisão bancária não há nenhum problema com o EuroBic.

Já o Finantia tem capital russo, do VTB. O que é que vai acontecer com essa participação? E é uma questão problemática?
É uma dimensão pequena do ponto de vista acionista. Há soluções que possam surgir em particular se houver uma agudização do conflito ou se as sanções escalarem de alguma maneira. Mais uma vez, queria passar a mensagem de que no pior dos cenários em que tenha de haver quase que uma perda para a instituição dessa posição, não há nenhum problema do ponto de vista da supervisão e do equilíbrio da instituição face à reduzida dimensão que a participação tem. E, portanto, a instituição é resiliente a essa perda. Mas obviamente qualquer situação que se possa colocar deve ser vista com a cautela que resulta de um processo de sanções que é relativamente recente e que tem algumas consequências para a vida da instituição. Por exemplo, dividendos a pagar a esse acionista, obviamente não pode acontecer, mas não tem uma expressão na vida da empresa. Aliás, o número de contas na lista de indivíduos sancionados com as medidas adoptadas a nível europeu em Portugal é quase insignificante. Enfim, há uma conta bancária identificada com uma expressão numérica.

Cerca de 250 euros…
Exatamente. Com uma expressão numérica em termos de volume de depósitos totalmente irrisória no sistema bancário português. E, portanto, felizmente nestas circunstâncias muito adversas o nosso sistema bancário não está exposto à jurisdição nem bielorrussa nem da Rússia nem sequer da Ucrânia. Enfim, tudo situações que são geríveis e que terão uma evolução que vai resultar também da duração do processo de sanções e da sua própria evolução. Porque eu espero que, e fará sentido, que a Europa seja consistente e coerente neste processo de sanções à Rússia, em particular estes indivíduos, no futuro, mesmo após o fim do conflito, mas faz também sentido que essa definição de sanções evolua. E, portanto, nessa altura tomar-se-ão todas as decisões também em relação ao mercado português e, em particular, ao Banco Finantia. É uma instituição que tem condições do ponto de vista prudencial totalmente adequadas a acomodar qualquer solução que possa vir a acontecer em relação a essa participação.

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