No fim, hão de fazer-se as contas de forma “serena”. Mas António Ramalho, presidente do Novo Banco, já fez esta quarta-feira a sua defesa sobre o valor total que o Fundo de Resolução – um organismo público – foi chamado a injetar na instituição ao longo dos últimos anos. Os 209 milhões de euros pedidos agora elevam para mais de 3.600 milhões de euros o valor total injetado, quase esgotando os 3.890 milhões do plafond máximo – mas Ramalho defende-se: “apenas 30% da redução dos ativos tóxicos foi suportada” pelo Fundo de Resolução, que tem (quase) 25% do capital, ou seja, na leitura do banqueiro, o que o Estado pagou não fugiu muito àquilo que lhe cabia pagar.

Quatro trimestres consecutivos de resultados positivos levaram o Novo Banco, como já tinha sido avançado, a apresentar o primeiro lucro anual da sua história: quase 185 milhões de euros. Mesmo com lucros, porém, António Ramalho confirmou que vai ser feita uma nova chamada de capital ao Fundo de Resolução, no valor de 209 milhões – por “educação”, o banqueiro não quis responder ao Presidente da República mas recusou que o Novo Banco seja uma “obra de Santa Engrácia” em tempos de crise e de guerra.

Mas não resistiu a comentar: por ele, teria havido pouca ou nenhuma necessidade de injeção pelo Fundo de Resolução neste ano, ou seja, “este assunto podia ter ficado resolvido em 2021“. Só existe uma injeção, asseverou, por alguns fatores que já vêm de trás – que, por vontade de Ramalho, já teriam sido saldados anteriormente – e por um fator novo – mas que, por vontade de Ramalho, não necessitará de ser pago.

Os primeiros dizem respeito aos diferendos entre o Novo Banco e o Fundo de Resolução, designadamente sobre a forma como se adotaram as novas regras contabilísticas (IFRS 9) – um pagamento que o Fundo de Resolução recusou fazer, no ano passado. Já o último fator, o mais recente, diz respeito ao entendimento de que o banco deveria aprovisionar uma “contingência fiscal” relacionada com uma lei que foi aprovada em 2020 (depois de proposta pelo Partido Ecologista Os Verdes) e que determina que qualquer entidade que tenha na sua estrutura uma ligação a “jurisdições específicas”, vulgo offshores, têm de pagar uma taxa agravada de IMI e de IMT na sua carteira de imóveis.

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Os auditores acharam que a Lone Star poderia enquadrar-se neste entendimento, o Novo Banco terá rebatido a ideia mas, enquanto não chega o parecer vinculativo da Autoridade Tributária, foi necessário acautelar essa “contingência das contingências”, disse Ramalho.

Novo Banco lucra 184,5 milhões em 2021 e pede 209,2 milhões ao Fundo de Resolução

Essa provisão tem um impacto negativo (bruto) de 116 milhões de euros nas contas do Novo Banco, sendo por isso um dos principais responsáveis pelo facto de o rácio de capital do banco não ter subido tanto quanto Ramalho terá previsto.

O Novo Banco ficou-se pelos 11,1% de capital regulatório, quando o mínimo pedido pelas autoridades será de 12% (depois de levantadas as condições de exceção pandémicas que têm vigorado) – e, por outro lado, também está previsto no acordo de venda do banco ao Lone Star que o Fundo de Resolução pode ser chamado a fazer o “top up” do capital até aos mesmos 12%.

Mas Ramalho diz esperar que o Fisco considere que o Novo Banco não tem de pagar – até porque isso seria um problema para este ano e também para os próximos (enquanto o Lone Star for acionista).

“É, de um lado, o Estado e, do outro lado, também é o Estado”, disse o banqueiro, argumentando que “só se o Estado cobrar esse imposto é que [o Fundo de Resolução] tem de dar esse dinheiro” ao Novo Banco, através do Fundo de Resolução.

De uma forma ou de outra, “não afeta o Orçamento do Estado“, sublinhou, já antevendo a polémica que inevitavelmente irá formar-se tendo em conta que o ministro das Finanças já tinha dito ter a “forte convicção” de que não seria necessário qualquer pagamento.

Também o Fundo de Resolução veio reiterar que não espera vir a fazer qualquer transferência. “Apesar da insuficiência de capital apurada pelo Novo Banco, os dados disponíveis confirmam o entendimento do Fundo de Resolução de que, em cumprimento do Acordo de Capitalização Contingente, não é devido qualquer pagamento relativamente às contas do exercício de 2021“, afirmou o organismo, em declarações enviadas aos jornais quando ainda nem tinha terminado a apresentação de resultados pelo Novo Banco, que aconteceu pela última vez na sede do banco na Avenida da Liberdade.

O que acontece agora? Ramalho deixou claro que o banco irá tomar as medidas que tiver ao seu alcance para receber aquilo que considera ser justo – mas “é normal que haja divergências num contrato tão grande” e tão complexo como este, acrescentou.

Fundo de Resolução pagou “apenas” 30% da limpeza do banco

Mesmo assumindo que o Novo Banco não venha a ver o seu pedido de 209 milhões satisfeito, desde já, António Ramalho sublinhou que aquilo que o Fundo de Resolução injetou até agora na instituição – 3.405 milhões de euros – correspondeu a “apenas 30%” do valor de ativos tóxicos que foi reduzido desde que começou a limpeza do balanço.

Tendo o Fundo de Resolução uma participação (original) de 25% na instituição, entretanto diminuída para 23,44%, Ramalho argumentou que não há uma distância tão grande assim entre aquilo que foi pago e aquilo que faria sentido o Fundo de Resolução pagar, tendo em conta a sua participação acionista.

“O Estado está a subsidiar os lucros do Novo Banco”

Se havia, no início, 9,2 mil milhões de ativos (líquidos) que estavam identificados no perímetro de ativos “tóxicos”, esse valor desceu para 1,9 mil milhões, segundo os dados atualizados a 31 de dezembro de 2021. A diferença entre um e outro valor é de 7,3 mil milhões, mas o Novo Banco recuperou pelo seus próprios meios 5,9 mil milhões, ou seja, uma “taxa de sucesso” na recuperação de 65% que faz com que Ramalho fique “incomodado” sempre que ouve alguém dizer que a existência do mecanismo de capital contingente cria fracos incentivos a que o banco seja eficaz nas recuperações.

As contas do Novo Banco são estas: olhando para a evolução dos ativos (brutos) sobre os quais o Fundo de Resolução aceitou ser “co-responsável”, esses ativos começaram por ser 14 mil milhões, no início, agora são 2,6 mil milhões. A redução foi, pois, de 11,4 mil milhões – e o Fundo de Resolução “apenas” pagou 3,4 mil milhões, ou seja, menos de 30% do total.

O escrutínio sobre o banco (e o escrutínio sobre a pessoa)

Apesar da defesa que faz da reestruturação do banco, António Ramalho não exclui, preto no branco, que possa ser necessário mais dinheiro para o Novo Banco nos próximos anos – ainda restam quatro anos no contrato e sobram, ainda, quase 500 milhões de euros no plafond máximo (sem contar com os 209 milhões agora pedidos). O banqueiro disse-se confiante na capacidade do banco “gerar capital” de forma a não precisar de mais injeções no futuro, mas essa hipótese não foi liminarmente excluída.

É por essa razão que António Ramalho disse antecipar que vai continuar o “escrutínio do banco”, que diz ser o maior de todo o setor e da história recente na banca portuguesa. E enquanto houver tal “escrutínio do banco”, também haverá um “escrutínio da pessoa”, isto é, em relação ao homem que é o rosto deste processo, António Ramalho – “eu sempre soube que seria assim“, afirmou, na conferência de imprensa desta quarta-feira.

Novo Banco. O que pode fazer cair António Ramalho

Está relacionado com esse escrutínio o processo de avaliação que estará a ser feito pelo supervisor BCE, depois de terem saído notícias sobre uma investigação conduzida pela inspeção tributária cujas escutas vieram a público.

As escutas apontam, por exemplo, para uma reunião entre António Ramalho e Luís Filipe Vieira, antes da ida deste último à comissão parlamentar de inquérito – mas Ramalho trazia na algibeira a tirada com que procurou matar o assunto sobre o qual já sabia que ia ser questionado pelos jornalistas: “não há fotografias minhas com Luís Filipe Vieira, aliás devo ser dos poucos que nunca foram fotografados com Luís Filipe Vieira”, garantindo que nunca houve qualquer “relação” de proximidade com o ex-presidente do SL Benfica.

Houve um processo interno de averiguação dos acontecimentos, sobre o qual Ramalho não se quis alongar além de dizer que fez a sua auto-avaliação. Mas, na linha dos (poucos) esclarecimentos que já tinha prestado sobre esta matéria, o banqueiro não quis esclarecer em que ponto está esse processo nem o outro, isto é, a “investigação” feita pelo BCE que pode (ou não) levar a um processo formal de reavaliação de idoneidade.

Aquilo que o banqueiro não resistiu a acrescentar é que acha muito bem que a sua idoneidade seja escrutinada, algo que acontece de forma contínua. Sem (precisar de) referir nomes, Ramalho só disse, dias depois de uma condenação a Ricardo Salgado, que era uma pena que nem sempre os banqueiros daquela casa se tenham comportado com a idoneidade que lhes seria exigível.

Venha desse processo o que vier, Ramalho deixou claro que se fosse encontrada alguma coisa irregular ele seria o primeiro a tomar a iniciativa de abandonar a instituição. Mas isso não parece estar em cima da mesa, deu a entender o banqueiro: “Estou comprometido totalmente com o sucesso do banco até 2024. Até 2024 o meu compromisso é total – é assumido assim, e assim será”.