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Devido à pandemia de Covid-19 as discotecas tiveram de encerrar e foram as últimas empresas a abrir
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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Certificados partilhados no WhatsApp, filas de mais de duas horas e o controlo à entrada. O diário da Noite da Libertação

Em Lisboa, jovens tentam utilizar certificados válidos de amigos, mas são barrados à entrada. No Porto, houve controlo e salas cheias para "compensar a espera". Filas demoraram 2h30 para escoar.

A noite tinha sido meticulosamente preparada para aumentar as probabilidades de entrar na discoteca mais cobiçada de Lisboa: calçado confortável o suficiente para suportar a fila (que demoraria duas horas e meia a percorrer), algum apontamento preto para celebrar o regresso em pleno à vida noturna, só uma pessoa tinha autorização para deambular junto à entrada e apurar quem era bem-vindo e quem era barrado; e manter total discrição, mesmo engolindo a bebida alcoólica que havia sido colocada dentro de uma garrafa de plástico verde, já amassada, para se entrar “já embalado”. Toda a gente sabe que quem cai no erro de chamar demasiado à atenção não tem lugar no Lux Frágil. Ali há “códigos”, menciona um dos jovens à espera de poder entrar, “preceitos”. Não seria a Covid-19 a derrubá-los.

Um detalhe, no entanto, ficou por abordar: é que para entrar nesta discoteca, e em todas as outras do país, é necessário apresentar um certificado de vacinação, uma prova de recuperação da Covid-19 ou um teste laboratorial negativo — os autotestes, que as raparigas mantinham nas carteiras e os rapazes nos bolsos das calças, de nada valiam. E o problema é que muitos dos membros do grupo, que se ia adensando com a chegada de novos companheiros (para desespero dos vizinhos de trás), só tinham recebido a primeira dose da vacina ou ainda estavam à espera de que se cumprissem as duas semanas após a toma da segunda. A solução surgiu naturalmente para todos eles: era preciso “arranjar certificados”. Telefonar aos amigos que não alinharam na saída à noite e pedir o deles.

O negócio tem um esquema simples: a pessoa acede ao certificado digital Covid-19 por meios digitais, depois envia uma captura do ecrã ou o próprio PDF para um amigo através do WhatsApp e ele faz-se passar por quem quer que lhe tenha enviado o documento. Em troca, nunca se pediu dinheiro: prefere-se prometer rodadas de imperiais na noite seguinte, os apontamentos dos cadeirões do curso ou simplesmente um elogio à fidelidade daquela pessoa. O problema que não se antecipou neste caso é que, antes de permitir a entrada de alguém, os porteiros verificam a autenticidade do documento comparando-o com o cartão de cidadão. Se as informações não coincidirem, os indivíduos são escoltados para fora da fila.

Devido à pandemia de Covid-19 as discotecas tiveram de encerrar e foram as últimas empresas a abrir. Dia 1 e 2 de outubro de 2021 fico marcado como a data em que as discotecas abriram ao público, sem máscara e com teste de vacinação à entrada.

As filas para aceder ao Lux Frágil e ao Mome, em Lisboa, na noite de 1 para 2 de outubro.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Mesmo quem não incorre em possíveis crimes de contrafação de documentos como este (punível com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias) também não tem entrada garantida no Lux Frágil. Cento e cinquenta minutos de espera depois, já a fila tinha atingido as portas da Estação de Santa Apolónia, um grupo de estrangeiros foi surpreendido pelo suposto preço da entrada na discoteca: “Se não estiver em nenhuma lista e não for convidado, são 300 euros para entrar”, garantiu o porteiro. Não obteve resposta: os jovens afastaram-se resignadamente da porta de entrada, encaminhados pela equipa de segurança, e não tardaram a encontrar outras batidas — estas mais dignas de um bar de karaoke do que de uma discoteca — no YouTube. Logo a seguir, o Observador entrou por 12 euros.

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Outros não tiveram tanta sorte, à conta de uma discrepância burocrática: um grupo de estudantes norte-americanos estrangeiros foi impedido de entrar no Lux porque, apesar de estarem totalmente vacinados — e com a Pfizer/BioNTech, aprovada também em Portugal — não tinham um certificado europeu, mas antes um bilhete de identificação plastificado sem um QR Code que pudesse ser lido pelo scanner do staff da discoteca. A alternativa era procurar a noite noutras bandas, mesmos tendo chegado ainda antes das 22h para garantir um lugar no interior uma hora mais tarde.

O esforço para filtrar quem entrava nas salas manchadas com luzes lilás e cor de laranja resultou numa pista de dança composta, mas nunca cheia. Quem quisesse, conseguiria manter o distanciamento físico (e no terraço havia espaço de sobra para se debater que vacina se tomou, quão agressiva foi a recuperação à segunda dose e os casos de quem esteve doente e não saiu de cama durante cinco dias). Mas a noite não tardou a juntar casais em beijos e separar outros em lágrimas. “Hoje é o meu aniversário e o meu namorado contou-me que me anda a trair há dez dias”, atirou uma rapariga alemã assim que se aproximou de nós junto ao bar: “Preciso de uma bebida que sirva tanto para celebrar como para chorar.” Acabou a afogar as mágoas, e a celebrar o 24º aniversário, num copo de amêndoa amarga com muito gelo e sumo de limão. “Hei de encontrar alguém melhor”, suspirou ao fim do primeiro golo.

O Dia da Libertação trouxe à memória pequenos gestos que pareciam caídos no esquecimento: a sensação de o batimento cardíaco se confundir com o ritmo da música, como numa sincronização, a constante perícia em afastar dos tecidos acetinados as manchas deixadas pelos corpos suados, a luta para ser atendido o mais depressa possível no bar (quão difícil pode realmente ser avistar um braço de mangas arregaçadas estendido com um bilhete a esvoaçar na mão?) e a sensação de uma certa imponência em se fingir que se é da realeza na janela do Lux só para apreciar a extensão da fila e comentar o cenário, recorrendo invariavelmente a onomapoteias de espanto e surpresa. Não acontecia desde março de 2020. Mas a noite lisboeta voltou à vida.

As fotografias do "antes" foram captadas a 6 de março de 2021 para assinalar um ano desde o encerramento das discotecas.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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A cerca de cinco quilómetros dali, na Avenida 24 de Julho, as filas repetiam-se para entrar na discoteca Mome. À meia-noite, momento da abertura das portas, o DJ escolhe “Superman”, numa versão remix de SIS, para abrir as pistas de dança e quebrar o vazio dos últimos 19 meses. A que ocupa o piso de baixo da discoteca não tardou a ficar completamente cheia e, às quatro da manhã, a de cima seguia o mesmo destino. Lá fora, nem o avançar das horas demoveu os jovens de procurar um lugar dentro do Mome. Mas não havia exceções: sem certificado digital, ninguém entrava.

Apesar de, à meia-noite, a promessa de uma noite memorável já ser palpável no ar, ela materializou-se a altas horas quando a clientela do Bairro Alto e de Santos começou a escoar para aquelas bandas. Alguns, querendo aproveitar a abertura das discotecas, preferiram ainda assim o recato das cabines privadas: estavam todas cheias esta noite, mas repletas de bebidas. E testemunham aquilo que João Magalhães, sócio-fundador do Mome, tinha idealizado para aquela noite: “Prudência”, sim, mas também “multidão”.

As fotografias do "antes" foram captadas a 6 de março de 2021 para assinalar um ano desde o encerramento das discotecas.

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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Porto: filas, festa e salas cheias para “compensar a espera toda”

Se, na noite passada, a festa no Porto foi discreta, o cenário desta sexta-feira foi tudo menos isso. Este foi mesmo o dia D. Ou melhor, a noite D. Das discotecas, da dança da diversão e, em alguns casos, da demora.

Passava pouco tempo das 22h e a zona das galerias, um dos grandes epicentros da movida do Porto, já dava sinais de que ali iria haver uma festa maior do que aquela que tem acontecido nos últimos meses. Enquanto alguns aproveitavam para acabar de jantar nas esplanadas, os bares já tinham a música e a pista de dança prontos, com as luzes a refletirem até nos edifícios da frente. Primeira paragem da noite: o 36 Folie’s. “Só preciso de mostrar o certificado, certo?”, questionava uma cliente estrangeira. Resposta afirmativa. Documento apresentado, entrada garantida. A tarefa parece simples, mas com o acumular de pessoas à entrada foi preciso destreza, rapidez e, ao mesmo tempo, cuidado para garantir que os documentos eram válidos.

Já dentro do espaço, clássicos como “Sexy Back”, de Justin Timberlake, ou o tão adequado “I Gotta Feeling”, dos Black Eyed Peas, serviram para aquecer as vozes dos clientes que, no melhor inglês possível, tentavam acompanhar as músicas, enquanto dançavam e bebiam — três rituais que já não cumpriam há algum tempo. As máscaras, desta vez, ficavam na carteira ou no braço e ninguém parecia sentir falta delas.

Logo ao lado do 36 Folie’s houve uma das “estreias” mais aguardadas da noite: 18 meses depois, o mítico Plano B voltou a abrir portas. As luzes vermelhas à entrada chamavam à atenção por, finalmente, estarem de novo acesas. E muitos dos que passavam não resistiram a comentar este regresso. A fila ia-se formando e aqui não houve mesmo como escapar com o certificado de vacinação: o documento era confirmado pelos funcionários através do QR Code e ainda eram pedidas mais informações ao cliente para confirmar que aquele certificado pertencia mesmo à pessoa que o apresentou. O processo acabava por exigir mais tempo, mas a entrada foi sendo feita sem problemas. “Quanto custa a entrada?”, pergunta um cliente espanhol. Agradado com a resposta do funcionário — “Não estamos a cobrar” –, juntou-se à fila que já começava a ser longa.

O desejo de diversão e a ânsia do regresso a alguma normalidade levou, aliás, muitos a fazerem fila à porta logo na hora de abertura. Foi o caso de Mariana Santos, a primeira da fila para o Plano B. “Sentia muito a falta disto, desta vida de ‘balada’. Como somos jovens, falo por mim, senti muito a falta de tudo. Agora vim compensar toda a espera“, explica ao Observador. Quanto à segurança, diz não sentir receio e acredita que tudo “será tranquilo, desde que todos apresentem o certificado ou o teste negativo”.

Com as portas abertas, a festa começou aos poucos. Os dois pisos do Plano B depressa ficaram preenchidos e o primeiro destino de grande parte das pessoas era o bar, para festejar ou, em alguns casos, afogar as mágoas. Os sofás ao lado serviam quase como um confessionário dos grupos de amigos que ali se sentavam: falou-se de amores (e desamores), de música e de viagens. “Vai lá ver quantas pessoas estão a dançar”, pediu uma amiga a outra, enquanto terminava a bebida que tinha na mão. Uma ida à sala do lado mostra que ainda estava tudo morno. Ainda se esperou algum tempo, mas finalmente houve um primeiro grupo de corajosos que decidiu inaugurar a pista de dança, com direito à típica bola de espelhos. Um ano e meio depois. A partir daí, a festa começou, e contou com concertos de João Semedo, Pixel 82 e ainda Throes + The Shine. Já a meio da noite, a fila à porta continuava e iria continuar durante mais algum tempo.

Para muitos, esta noite foi mais do que a simples reabertura dos espaços de diversão noturna. Foi isso que Filipe Galante, um dos responsáveis do Plano B, reforçou algum as horas antes de voltar a abrir portas e ainda no frenesim de conseguir ter tudo preparado “e reinventado” a tempo, com apenas uma semana de antecedência. “É o sentir alguma normalidade de volta e também ajudar as pessoas a sentirem isso. Não falamos só de ouvir música ou de socializar, falamos também um pouco de saúde mental. As pessoas precisam de extravasar, de estar umas com as outras, precisam de sentir que, de algum modo, a vida é sua e podem divertir-se”, explicou ao Observador.

A mesma expectativa de diversão foi-se notando ao longo das ruas do Porto e atingiu o seu auge na terceira e última paragem da noite: a discoteca MoreClub, que voltou a abrir também passados 18 meses. A rua era demasiado estreita para ter tanta gente à espera que as portas abrissem e, ao mesmo tempo, ter também as pessoas que estavam só de passagem e queriam chegar a outros destinos. “Estou surpreendido, já não estava habituado a ver isto. Este era o sítio onde costumava ir. É fixe, mas hoje não vou”, comenta um jovem português ao olhar para a multidão ali à espera.

À porta do MoreClub foram várias as pessoas que esperaram para entrar na discoteca, 18 meses depois

Ana Catarina Peixoto/Observador

A abertura estava prevista para a meia-noite, mas ainda demorou até que as portas, finalmente, abrissem. A espera não foi, no entanto, impedimento para que quem estava no exterior fizesse a festa logo ali, já de bebida na mão e todos juntos. À meia-noite, quando as cortinas da porta do MoreClub subiram, as já quase uma centena de pessoas que ali estavam aplaudiram efusivamente e iam cantando, aos berros, músicas atuais e cânticos improvisados em todas as línguas, desde o inglês ao italiano. Pelo meio, já se punham em prática as habituais técnicas de engate entre desconhecidos e voltaram-se a ver as mãos no ar para mostrar ao grupo de amigos onde estavam. “Estou aqui, junto às letras, não me vês? Esquece, eu vou aí”, grita uma amiga para a outra. O som de garrafas partidas no chão também foi uma constante.

Depois de uma entrada com a fila em modo “salve-se quem puder” (mas, de preferência, com o certificado à mão), pisar a pista de dança do MoreClub foi regressar a tempos que já pareciam tanto distantes como esquecidos, mas que na hora “H” toda a gente quis aproveitar. Os dois andares da discoteca voltaram a estar repletos de pessoas, grande parte a dançar em conjunto e com alguns saltos e abraços pelo meio. Voltaram também as típicas filas “em comboio” para os grupos de amigos não se perderem e abrirem caminho, voltou a música tão alta que só permite conversas aos berros, as coreografias em grupo nos grandes êxitos como o “Macarena” e as filas para o bar, com discussões sobre qual o amigo que paga a próxima rodada. “Acabei de vos pagar a bebida. Não vou ser eu outra vez”, atirou um rapaz espanhol.

Pisar a pista de dança do MoreClub foi regressar a tempos que já pareciam tanto distantes como esquecidos, mas que na hora “H” toda a gente quis aproveitar.

Ana Catarina Peixoto/Observador

O MoreClub tem capacidade para cerca de 400 pessoas e com as duas salas já visivelmente preenchidas, houve ainda muitos que ficaram à porta. É a ansiedade de voltar a alguma normalidade, um aspeto que António Brandão, um dos sócios desta discoteca portuense, também destacou: “As pessoas que gostam de se divertir estão com uma ansiedade enorme de poderem voltar aos momentos em que a liberdade era normal, porque era total. Todas as pessoas têm direito à diversão. É, sobretudo, uma questão importantíssima de saúde mental”. O público, esse, não se deverá inibir em frequentar espaços de diversão noturna, na opinião do empresário. Esta reabertura, diz, vem também ajudar a diminuir a pressão que já se sentia nas ruas.

O tema da festa “é a tão simples alegria”. “A alegria de voltarmos a ser pessoas felizes, de reconquistarmos a liberdade de nos podermos distrair, divertir e socializar”.

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