Com a aproximação do fim do mês, o Governo volta a ter entre mãos a decisão sobre o que fazer aos subsídios fiscais atribuídos à procura de combustíveis rodoviários. Mas ao contrário do que sucedeu no final de junho, em que o mercado ainda vivia um ciclo de altas marcado por grande instabilidade. Os preços internacionais têm estado mais estáveis e evoluindo de forma consistente no sentido contrário ao que motivou a decisão de baixar o imposto sobre os produtos petrolíferos para níveis nunca vistos, e que chegaram aos mínimos autorizados na União Europeia no caso do gasóleo.
O dilema é este: se reverter a descida dos impostos que sempre foi assumida como temporária, eliminando (ou reduzindo) a subsidiação que tem sido dada no preço dos combustíveis, o Executivo recupera receita fiscal ao mesmo tempo que regressa à política de combate às alterações climáticas prevista no programa. Mas terá de lidar com o efeito de uma subida nos preços finais dos combustíveis, que, apesar das recentes baixas, ainda estão muito elevados… e num contexto de inflação galopante e de perda de poder de compra. Uma medida impopular e até contraditória com o prometido pacote de medidas anti-inflação previsto para setembro.
O preço do gasóleo rodoviário está a cair consecutivamente há nove semanas, tendo esta segunda-feira sido registado um preço médio de 1,729 euros. Ainda é um valor acima da média verificada na semana anterior ao início da invasão da Ucrânia — 1,656 euros por litro — mas já anulou a maior parte da escalada que se iniciou na semana a seguir ao conflito quando o efeito das sanções ocidentais começou a atingir os mercados de petróleo e gás natural.
A gasolina também desce há 10 semanas desde que atingiu um pico de 2,171 euros por litro no final da primeira semana de junho. Este combustível até já regressou a um preço médio inferior ao existia antes do conflito da Ucrânia, estando nos 1,787 euros por litro.
Desde que atingiram o valor máximo na primeira semana de junho — 2,080 euros por litro no gasóleo e 2,171 euros por litro na gasolina — os preços médios baixaram 35 cêntimos por litro no diesel e 38 cêntimos por litro na gasolina. Só que uma boa parte dessa descida, cerca de metade, foi financiada pela redução do imposto petrolífero — 17 cêntimos por litro no gasóleo e 19 cêntimos por litro na gasolina.
Uma grande parte do impacto desse financiamento não foi muito sentido porque aconteceu num ciclo de forte alta dos preços antes de impostos. Ou seja, a baixa do imposto foi “comida” pela subida do preço antes de impostos e o efeito não foi muito visível na bomba da gasolina — o que aliás alimentou uma polémica de contas entre o Governo e as empresas petrolíferas.
Governo e petrolíferas têm contas diferentes sobre a queda dos combustíveis. Quem tem razão?
A expectativa para as próximas semanas é de que a descida prossiga considerando o alívio nas cotações do petróleo e alguma recuperação do euro face ao dólar. O que confronta o Governo com um cenário contrário ao que existia quando prolongou as descidas temporárias do imposto sobre os produtos petrolíferos.
Com os preços a baixarem todas as semanas, a reversão total das descidas do imposto seria muito visível. Para recuperar o imposto petrolífero cobrado antes do início da guerra, o Governo teria de elevar o ISP em 17 cêntimos no gasóleo e 19 cêntimos na gasolina. O impacto destes aumentos no preço final seria ampliado pelo efeito do IVA que incide sobre o ISP e preço antes de impostos, pelo que dificilmente essa será a decisão. Mas alguma decisão — política com a materialização legislativa (portaria) — terá que ser tomada, nem que seja para deixar tudo como está. Pelo menos para já.
Apoios fiscais aos combustíveis acabam em dois dias. Sem renovação, preços vão disparar
De acordo com informação recolhida pelo Observador, o cenário mais provável será o de uma recuperação gradual do nível de imposto, e feita sempre em função da margem criada pelas condições de mercado. Ou seja, subidas progressivas e pouco expressivas do ISP sem que exista para já um horizonte temporal para completar a recuperação do nível inicial, nem sequer a certeza de que o imposto irá voltar ao nível pré-guerra.
Espanha, que introduziu em abril um desconto de 20 cêntimos por litro, já renovou a medida até ao final de 2022. Esta semana, a ministra dos Transportes, Raquel Sánchez, admitiu que este benefício aplicável a todos os consumidores pode ser estendido para o próximo ano, mas outros responsáveis do Executivo de Sánchez já sinalizaram que a medida pode ser reorientada para famílias de mais baixos rendimentos. Espanha terá eleições para o Governo no final do próximo ano.
Apoiar em quanto, até quando, de que forma e quem
A única decisão a tomar não se prende apenas com o imposto sobre os produtos petrolíferos, uma receita que financia a Infraestruturas de Portugal (via contribuição rodoviária) e as despesas gerais do Estado. Há também o congelamento da atualização da taxa de carbono, em vigor desde o início do ano, e que se fosse descongelado faria também aumentar o preço final dos combustíveis em 5 a 6 cêntimos por litro, com a diferença de que esta receita vai para outra gaveta: o Fundo Ambiental.
Apesar de estarmos sempre a remeter para o valor do imposto sobre os produtos petrolíferos, uma das três componentes do preço dos combustíveis, são três as medidas temporárias em vigor até ao final de agosto, e que beneficiam a generalidade dos consumidores, que terão de ser prolongadas ou revistas. E qual delas irá o Executivo rever é uma das dúvidas que está em avaliação.
A baixa do imposto petrolífero nos termos em que foi aprovada em março com uma fórmula desenhada para antecipar o ganho expectável do Estado com o IVA que resulta de um aumento dos preços antes de impostos, devolvendo esse ganho sob a forma de redução do imposto petrolífero. Este ajustamento semanal que obrigava o Ministério das Finanças a antecipar a evolução do preço na semana seguinte acabou em julho, quando foram renovadas as medidas em vigor, mas tirou 5,5 cêntimos ao ISP do gasóleo e 6,5 cêntimos ao ISP da gasolina apenas este ano (sem contar a redução fiscal feita em 2021 que teve pouca expressão).
A medida extraordinária anunciada em abril e aplicada em maio de provocar o efeito que teria no preço dos combustíveis passar da taxa máxima de 23% no IVA para a taxa intermédia de 13%, replicando essa baixa de impostos no ISP. Esta foi a forma encontrada por Portugal para contornar a recusa da Comissão Europeia ao pedido de autorização para ajustar o IVA dos combustíveis feito por António Costa logo nas primeiras semanas da guerra na Ucrânia. Esta foi a medida de maior travão aos preços, tendo retirado cerca de 12 cêntimos ao imposto, mas com um efeito maior no preço final por causa do IVA.
A não atualização anual da taxa de carbono cobrada nos combustíveis. Esta taxa foi criada pelo Governo do PSD/CDS no quadro da reforma da fiscalidade verde e deve ser atualizada em função da evolução das cotações do CO2 no mercado de carbono que estão em alta desde o ano passado. A estimativa feita ainda em 2021 indicava que esta atualização poderia determinar um agravamento de 5 cêntimos no imposto (a taxa de carbono é cobrada no ISP) com um efeito de 6 cêntimos no preço final por causa do IVA.
Se o Executivo terá de avaliar nas próximas semanas qual a dimensão dos apoios fiscais nos combustíveis que mantém (ou retira) e o ritmo a que o faz, há outra variável na balança da decisão. A quem.
Os atuais apoios são cegos no que diz respeito aos beneficiários, na medida em que reduzem os preços finais para todos os consumidores. Ao contrário do programa Autovoucher criado em outubro do ano passado — que fazia um reembolso fixo mensal que começou nos 5 euros e acabou em abril nos 20 euros (equivalente a 10 e depois 30 cêntimos por litro para um abastecimento mensal de 5o litros — não há um limite por consumidor.
Ou seja, quem compra mais combustíveis é também quem é mais subsidiado pela via fiscal. Uma política de incentivo ao consumo que não só vai contra os objetivos da transição energética — reduzir a procura de combustíveis fósseis — como objetivamente favorece as famílias que usam mais o carro, o que está frequentemente associados a rendimentos mais elevados.
Alguns países têm optado por dirigir os apoios públicos para compensar a fatura energética (combustíveis, eletricidade e gás natural) às famílias mais vulneráveis, uma modalidade que é a preferida das organizações internacionais como a Comissão Europeia e o Fundo Monetário Internacional. Portugal pagou um subsídio de 60 euros para pessoas de baixos rendimentos e criou uma tarifa social para o gás de garrafa e botija (GPL), mas cujo alcance inicial ficou aquém do esperado.