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Como as desistências para evitar as "triangulares" podem roubar a maioria absoluta à extrema-direita em França

Depois da vitória na 1ª volta, sondagens indicam agora que União Nacional já não deve conseguir maioria absoluta. O que explica isto? As desistências. Mas será assim tão simples?

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“A grande incógnita das triangulares”. Foi assim que Cécile Cornudet, jornalista do Lés Échos, titulou o seu primeiro artigo de opinião de domingo passado, publicado apenas 40 minutos depois de serem conhecidas as projeções dos resultados da primeira volta destas legislativas francesas.

Perante tal participação eleitoral (apenas comparável neste tipo de eleições às legislativas antecipadas por Jacques Chirac em 1997), o número de círculos eleitorais onde iríamos assistir a uma segunda volta com pelo menos três candidatos (daí o nome de “eleições triangulares”) disparou. A dúvida colocou-se de imediato: iria haver algum tipo de instrução por parte dos partidos para que os seus candidatos desistissem a favor de outros?

Ao longo da noite eleitoral, a confusão pareceu reinar dentro do campo macronista, o terceiro colocado sobre quem se punha mais prementemente a questão de retirar ou não os seus candidatos do terreno. Em público, membros do En Marche (coligação que reúne o Renascença de Macron, o Horizontes e o MoDem, que sustentam o atual governo) discordavam nas televisões.

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O primeiro-ministro Gabriel Attal e o Presidente Emmanuel Macron adotaram posturas diferentes quanto às "triangulares"

POOL/AFP via Getty Images

Nos bastidores, o Presidente Emmanuel Macron e o primeiro-ministro Gabriel Attal seguiam estratégias opostas, como revelaria mais tarde o Le Monde. Desde que as eleições foram convocadas, escreve o jornal, os dois mantêm uma relação “gelada”, falando apenas quando é necessário “despachar” alguma matéria de governação. Em público, fazem discursos ambíguos. Macron escreve um comunicado onde apela a uma “frente republicana” contra a União Nacional (UN), não esclarecendo se inclui nela os candidatos ligados à França Insubmissa (FI) de Jéan-Luc Mélenchon, que tem criticado. Attal faz um discurso onde usa a mesma expressão, mas é mais taxativo no apelo à união com a esquerda: “A extrema-direita está às portas do poder”, avisou. “O nosso objetivo é claro: impedir a UN de ter uma maioria absoluta na segunda volta.”

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“Equipas do Eliseu, às vezes o próprio chefe de Estado, telefonam para pedir-lhes que se afastem desta 'frente republicana' que está a germinar. ‘Há um caminho. Ficas?’, terá perguntado diretamente o Presidente a um dos candidatos do partido que estava pronto a retirar a sua candidatura.

Em privado, as dissidências são ainda mais evidentes, como conta o Le Monde. Na sede da campanha do Renascença, seguindo ordens do primeiro-ministro, as equipas começam a fazer telefonemas aos candidatos do seu partido que ficaram em terceiro lugar para desistirem da corrida. “Alguns aceitam sem pestanejar. Outros recusam, teimam ou debulham-se em lágrimas”, relata o jornal. Ao mesmo tempo, a partir do palácio presidencial, ocorre um movimento inverso. Equipas do Eliseu, às vezes o próprio chefe de Estado, telefonam para pedir-lhes que se afastem desta ‘frente republicana’ que está a germinar. “Há um caminho. Ficas?”, terá perguntado diretamente o Presidente a um dos candidatos do partido que estava pronto a retirar a sua candidatura.

Mas, quase uma semana depois, que impacto tiveram estas pressões? E, mais do que isso, como poderão as desistências — ou falta delas — impactar o resultado da noite deste domingo e a composição da Assembleia Nacional que sairá daqui?

O que são as triangulares e que efeito podem estar a ter nas sondagens?

Em primeiro lugar, há que explicar exatamente o que são as “triangulares” e qual a relevância das desistências.

As regras são simples, mas fortemente afetadas pela participação eleitoral. Um candidato é automaticamente eleito deputado à primeira volta se tiver maioria absoluta. Se não for esse o caso, segue para a segunda volta contra o segundo melhor classificado e qualquer outro que tenha obtido pelo menos 12,5% — não de votos expressos em urna, mas sim a percentagem correspondente ao número de eleitores registados naquele círculo eleitoral.

Na prática, quanto maior a participação eleitoral, mas provável é que terceiros e quartos candidatos passem à segunda volta. Como explica o Le Figaro, isso significa que, normalmente, é necessário um candidato ter pelo menos 19% dos votos expressos para passar a uma segunda volta — desta vez, tal como em 1997 quando Chirac convocou eleições antecipadas, houve muito mais gente a ir votar e essa barreira baixou significativamente. Basta olhar para os números em eleições passadas: em 2022 só houve oito “triangulares” na segunda volta, lembra o mesmo jornal. Em 2017, houve apenas uma, num dos círculos do Aube, no leste de França.

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Jacques Chirac a votar nas eleições de 1997, as últimas legislativas a terem níveis de participação tão elevados como as de 2024

Sygma via Getty Images

Em concreto, no final da noite de domingo passado, 311 dos 577 círculos eleitorais tinham em curso “triangulares” ou até “quadrangulares” — ou seja, círculos onde se mantinham pelo menos três candidatos na corrida para a segunda volta. Mas os apelos a desistências parecem ter trazido os seus frutos: no final da noite de terça-feira, data-limite para apresentar a decisão, só 91 se mantinham com mais de dois candidatos na corrida.

Segundo as contas do Le Figaro, o maior número de desistências veio do campo da esquerda — com todos os líderes da Frente Popular a fazerem um apelo unido aos seus candidatos que tivessem ficado em terceiro lugar contra a UN para que desistissem. Foram 130. Do campo macronista, 80 candidatos desistiram. À direita, registaram-se três desistências por parte dos Republicanos e da chamada “Direita diversa” (que inclui vários partidos independentes). Por fim, 20 candidatos da União Nacional também abandonaram a corrida, mas por terem ficado em terceiro lugar e terem poucas chances de vitória, tentando dar mais hipóteses a candidatos do centro-direita.

E é este impacto que explica as mais recentes sondagens para o próximo domingo, que mostram agora um cenário em que uma maioria absoluta para UN se tornou bastante improvável. Os estudos dizem que o partido deverá obter entre 170 a 210 deputados, mesmo já incluindo entre eles os membros dos Republicanos liderados por Éric Ciotti que decidiram juntar-se à extrema-direita. Muito longe dos 289 necessários para uma maioria clara — e seguido de perto pela Frente Popular (165 a 195 mandatos) e pelo campo macronista (130 a 160).

“Ainda há cerca de metade dos eleitores do centro que não tencionam votar no caso de um duelo entre um candidato da UN e um da Frente Popular, mas a maioria dos que vão votar irão fazê-lo à esquerda. É isto que está a reequilibrar a balança do poder e a impedir que a UN tenha a maioria [absoluta].”
Jean-Yves Dormagen, da empresa de estudos de opinião Cluster 17, ao Le Point

Isto porque, nota ao Le Figaro o diretor do centro de estudos Ifop François Kraus, nos círculos onde houve desistências “o mais certo é a UN perder”. Ideia reforçada por Jean-Yves-Dormagen, fundador de outra empresa de estudos de opinião, a Cluster 17, que explica que “a maioria absoluta está a ficar completamente fora do alcance da UN”. Ao Le Point, foi taxativo no impacto que as desistências estão a ter para formar a tal “frente republicana” contra a UN: “Ainda há cerca de metade dos eleitores do centro que não tencionam votar no caso de um duelo entre um candidato da UN e um da Frente Popular, mas a maioria dos que vão votar irão fazê-lo à esquerda. É isto que está a reequilibrar a balança do poder e a impedir que a UN tenha a maioria [absoluta].”

As contas difíceis para candidatos como Ruffin, Borne e Wauquiez

Significa isto que a eleição já está decidida e que no domingo teremos uma Assembleia sem uma maioria absoluta clara? Não exatamente. Em política, tudo se joga até ao último minuto e há vários exemplos de círculos eleitorais que ilustram bem as dificuldades de decisão dos eleitores, que podem trazer resultados imprevisíveis.

Olhemos para o Somme, onde no círculo de Picardy o candidato do En Marche se retirou para dar hipóteses a François Ruffin, mélenchonista que já anunciou a sua futura desfiliação do partido FI. Em teoria, tal poderia ajudar a convencer eleitores mais centristas a darem-lhe o seu voto — mas Ruffin foi um conhecido crítico de Macron ao longo dos últimos anos. A ameaça de vitória da candidata da UN, Nathalie Ribeiro-Billet, que ficou quase seis pontos percentuais à frente da Ruffin na primeira volta, será suficiente para os eleitores macronistas lhe darem o seu apoio?

Já no 14.º círculo eleitoral de Bouches-du-Rhône, bem perto de Marselha, a candidata do Renascença rejeitou desistir: Anne-Laurence Petel ficou em terceiro, mas decidiu continuar na corrida, mesmo tendo a oportunidade de favorecer o candidato socialista Jean-David Ciot (longe de estar próximo da FI de Mélenchon) face ao adversário da lista da UN. Uma decisão até criticada por um colega do mesmo partido noutro círculo da mesma região, Mohamed Laqhila, que desistiu: “Isto pode favorecer a eleição de um deputado da UN”, disse num comunicado de imprensa, citado pelo Le Monde. “É um suicídio político.”

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Ruffin, Borne e Wauquiez são alguns dos candidatos cujas desistências não lhes garantem necessariamente a vitória face à UN

AFP via Getty Images

Até nomes conhecidos da política francesa não têm eleição garantida contra candidatos do partido de Marine Le Pen e as “triangulares” funcionam de formas imprevisíveis. Olhemos para o caso do antigo Presidente de François Hollande: primeiro classificado no primeiro círculo eleitoral de Corrèze, onde foi autarca durante anos, enfrenta agora uma das poucas “triangulares” que ainda resiste. Mas, com um twist: neste caso, a divisão é à direita, com o candidato republicano, Fraçois Dubois, a manter-se na corrida, a par da candidata da UN. Em público, Hollande decretou que seria bom Dubois ter desistido, “por uma questão de princípio”. Mas até os voluntários da sua campanha confessam ao Le Monde que, neste caso, a situação os favorece. “Dubois nunca teria apelado ao voto em Hollande [se desistisse]. E sabemos lá para onde iriam os votos dele…”

Já a antiga primeira-ministra, antecessora de Gabriel Attal, Elisabeth Borne, apesar de ter contado com a desistência do candidato da Frente Popular, pode não convencer parte da esquerda, já que foi uma das responsáveis pelo apertar das regras da idade da reforma. E à direita, entre os Republicanos que recusaram juntar-se à UN, também há quem esteja em dificuldades numa “triangular”: Laurent Wauquiez, deputado claramente de olho na liderança do partido depois após o diferendo com Ciotti, venceu a primeira volta contra o candidato da UN e contou com a desistência da terceira, Celline Gacon. Mas esta candidata da Frente Popular deixou claro que apenas o fez para não beneficiar a UN — “nunca apelaria a um voto em  Laurent Wauquiez”.

Votos inesperados, em branco e abstenções. A incógnita da polarização entre a “frente republicana” e a “frente anti-sistema”

São todas situações que podem ser afetadas por decisões dos eleitores: de seguir ou não instruções do partido que preferem, de se absterem, de votarem em branco. As possibilidades tornam a matemática difícil. Uma desistência não significa uma transferência de votos direta, como ilustram os desabafos de alguns eleitores. Num dos círculos eleitorais de Hérault, a desistência do candidato macronista Patrick Vignal deixa agora nas mãos dos eleitores que se querem opor à UN a decisão de votarem ou não numa candidata da FI, Nadia Belaouni. “Não vou segui-lo”, diz um deles ao Le Point, sobre a decisão de Vignal. Em vez disso, vai “pela primeira vez” votar na União Nacional.

Do outro lado do espectro, eleitores de esquerda confrontam-se com a mesma dificuldade em apoiar candidatos macronistas. “Tive de tapar o nariz, mas votei em Chirac [em 2002, nas presidenciais contra Jean-Marie Le Pen]. Em 2017, votei em Macron; em 2022 a mesma coisa. Agora chega. Estou farta de votar no mal menor”, lamenta-se ao Nouvel Obs uma padeira da região de Côte-d’Or, perto da fronteira com a Suíça, onde a alternativa à UN é um candidato do centro-direita, o republicano Hubert Brigand.

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As sondagens apontam para uma vitória da UN sem maioria absoluta, mas nada está decidido

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Com eleitores descontentes, indecisos e baralhados, Marine Le Pen insiste que as desistências até podem jogar a seu favor: “Ainda é possível ter uma maioria absoluta, desde que os eleitores, num esforço de última hora, vierem reclamar aquilo que querem”, afirmou recentemente numa entrevista à BFMTV.

As sondagens também revelam que, apesar de as desistências em teoria enfraquecerem a União Nacional, não é essa a perceção pública da situação: um estudo publicado pelo Le Figaro mostra que 64% acredita que a UN vai ter a maioria absoluta e 52% dizem que as desistências são algo negativo, porque “são combinações políticas”.

“A 'frente republicana', tendo em conta a escala de desistências, pode penalizar matematicamente a UN. Mas, por outro lado, a 'frente anti-sistema' pode dar a eleitores hesitantes ou que ainda não tinham votado na UN os argumentos para o fazerem.”
Bernard Sananès, especialista em estudos de opinião, ao Les Échos

É por isso que, até ao final da tarde de domingo, tudo continua em aberto. Como notou o especialista em estudos de opinião Bernard Sananès numa entrevista ao Les Échos, tudo vai redondar na forma como os franceses percecionarem esta polarização entre “uma frente republicana” e os candidatos “anti-sistema” da UN. “A ‘frente republicana’, tendo em conta a escala de desistências, pode penalizar matematicamente a UN. Mas, por outro lado, a ‘frente anti-sistema’ pode dar a eleitores hesitantes ou que ainda não tinham votado na UN os argumentos para o fazerem.” Será um “combate” cujo desfecho será conhecido neste domingo.

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